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60 anos do golpe da CIA na Guatemala

O livro “Guatemala: História de uma década”, de Gustavo Lapola, analisa a revolução de 1944-1954 no país centro-americano como um valioso processo que, por meio da reforma agrária e de incentivos à industrialização, enfrentou as “oligarquias tradicionais, parasitárias e racistas” a serviço do imperialismo estadunidense

por Leonardo Wexell Severo

Brasil de Fato - 03/07/2014

http://www.brasildefato.com.br/node/29071

“A memória individual e coletiva dos guatemaltecos é demasiado curta; a violência política e os meios de ideologização institucional e de comunicação apontam até a sua destruição, bem como da subjetividade, para torná-los altamente vulneráveis ao consumo compulsivo e às políticas do capital financeiro que se ocultam por trás da chamada globalização“.

Com este alerta, o livro “Guatemala: História de uma década”, de Gustavo Lapola (Editorial Estudiantil Fênix, 2006), analisa a revolução de 1944-1954 no país centro-americano como um valioso processo que, por meio da reforma agrária e de incentivos à industrialização, enfrentou as “oligarquias tradicionais, parasitárias e racistas” a serviço do imperialismo estadunidense.

A reflexão é mais do que oportuna para lembrar o 27 de junho, data em que a Guatemala recorda os 60 anos do golpe de Estado. Naquele dia, para defender os interesses da United Fruit Company (UFCO), um exército de mercenários treinado e armado pelos EUA derrubou o presidente constitucional, Jacobo Árbenz, inaugurando um ciclo de terrorismo de Estado com mais de 250 mil mortos e desaparecidos.

Reunindo diversos autores, o livro traz uma importante denúncia sobre a relação incestuosa entre o governo estadunidense e as corporações que sangravam o país maia como a UFCO, a International Railway of Central America (IRCA) e a Empresa Elétrica de Guatemala, Sociedade Anônima (EEGSA) – subsidiária da Electric Bond and Share.

Denunciando a campanha difamatória dos meios de difusão, “prostituídos e convertidos em instrumento de mentira e calúnia” para justificar a invasão imperialista, o livro reproduz o discurso do chanceler guatemalteco Guillermo Toriello Garrido, em que demonstrava as raízes dos ataques. “As respostas são simples e evidentes: o plano de libertação nacional que está realizando com firmeza meu governo teve de afetar os privilégios das empresas estrangeiras que estavam freando o progresso e o desenvolvimento econômico do país. Com a rodovia do Atlântico, além de comunicar as zonas importantes de produção que atravessa, estamos rompendo o monopólio do transporte interior até os portos que agora têm as Ferrovias Internacionais de Centro América (empresa controlada pela UFCO). Facilitaremos assim à nação acrescentar e diversificar seu comércio exterior através do uso de mais transportes marítimos distintos da Frota Branca, também pertencente à United Fruit que, pelo momento, controla este instrumento essencial de nossas relações comerciais internacionais. Com a realização do plano de eletrificação nacional, colocaremos fim ao monopólio estrangeiro da energia elétrica, força indispensável para nosso desenvolvimento industrial, detido pela carestia, a escassez e as deficiências distributivas desta importante linha de produção. Com a reforma agrária, estamos liquidando os latifúndios, inclusive os da mesma United Fruit Company. Numa política de dignidade, nos negamos a ampliar as concessões desta companhia. A condicionamos ao respeito a nossas leis, aos investimentos e temos recobrado e mantido uma absoluta independência em nossa política exterior”.

Quando a ocasião requeria, a UFCO simplesmente suspendia os serviços marítimos e as escalas nos portos da Guatemala, como medida de “coação” para ganhar posição no “mercado”. “Depois das 20 horas, toda Guatemala, inclusive o governo, ficava privado de comunicação telefônica internacional, porque assim determinava a empresa. A EEGSA podia impor ao seu prazer as tarifas preferenciais, violando as disposições legais que o proibiam”, esclarece Toriello Garrido, demonstrando a que nível chegava a submissão dos governos títeres.

Assim, a promulgação da Constituição de 1945, do Código de Trabalho e da Lei de Segurança Social representaram ações de enfrentamento do governo de Árbenz contra os que violavam costumeiramente as leis do país. Imensas zonas de plantação de banana da UFCO vinham sendo subtraídas da soberania da Guatemala, nas que exercia “poder de polícia e justiça particulares”, explica Alfonso Solórzano, sempre “combinando a pressão diplomática e a ameaça militar com a corrupção e a repartição de alguns benefícios marginais”.

Diferentemente dos governos serviçais, Árbenz fez cumprir a lei de reforma agrária, que determinava que deveria ser pago em compensação pelas terras ociosas expropriadas o mesmo valor que seus proprietários haviam declarado ao fisco. Desta forma, ainda que não fosse esta a sua finalidade, a aplicação da lei também se convertia numa justa sanção, numa bomba no colo da UFCO. Prontamente o governo dos EUA lançou uma nota alertando que tal decisão tornaria “impossível a continuidade das operações da United Fruit Company”.

Para se ter uma ideia da importância desta lei e de seu impacto na melhoria da qualidade de vida da população, o censo agropecuário de 1950 aponta que os pequenos camponeses com extensões menores de 3,5 hectares – a maioria deles na qualidade de simples arrendatários – representavam 72% da soma dos produtores agrícolas, possuindo em seu conjunto somente 9% da superfície total das terras. Por outro lado, 2% dos proprietários concentravam 78% das terras. Um ano e meio após a aplicação da reforma agrária, um quarto das terras já havia sido distribuída conforme os critérios de “função social” da propriedade, começando a virar a página da “dependência semicolonial e semifeudal”.

Toriello Garrido frisa que em janeiro de 1953 a administração dos Estados Unidos sofreu uma transformação que resultou “catastrófica” para o conjunto dos nossos países: “a temida ascensão do Partido Republicano, símbolo da ‘má vizinhança’, expressa, em detrimento da América, em múltiplos atropelos e intervenções constantes, e sintetizada na política de big stick (grande porrete) e na ‘diplomacia do dólar’, característica da ação insolente e obscena do imperialismo”. “As cabeças visíveis da nova administração republicana foram: o presidente general Dwight Eisenhower; o vice-presidente, Richard Nixon; o secretário de Estado, John Foster Dulles, e o chefe da CIA, seu irmão, Allan Dulles. Os dois poderosos irmãos Dulles eram membros da firma de advogados Sullivan & Cronwell há muitíssimos anos. O próprio John Foster Dulles havia redigido os contratos de 1930 e 1936 entre a United Fruit Corporation e o regime de Ubico. Para a subsecretaria de Assuntos Interamericanos foi nomeado John Moore Cabot. Como chefe da delegação permanente dos Estados Unidos ante as Nações Unidas, foi designado seu primo Henry Cabot Lodge, ambos membros dos Cabot, de Boston, onde está a sede do império da banana, e a família Cabot tem estado desde há muitíssimo tempo ligada intimamente aos interesses da UFCO. Em Boston, há um ditado popular a propósito destas famílias: ‘Os Lodge somente falam com os Cabot e os Cabot somente com Deus’. A este respeito não seria para nós nenhum enigma perguntar-nos com quem falariam agora os Cabot Lodge; naturalmente, com a UFCO”.

Em tempo de “fundos abutres”, de drones e financeirização à escala planetária, soa mais do que atual o questionamento feito há seis décadas por Toriello: “Quem é o árbitro que pode determinar quando a intervenção é justa e se realiza sobre princípios morais e jurídicos inquestionáveis e quando, pelo contrário, persegue propósitos imperialistas?...Frequentemente se esquece que alguns ‘investidores‘ são a principal causa do atraso em que alguns países se encontram”.

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