A América Latina na era Trump
'Considero a Doutrina Monroe tão relevante hoje quanto no dia em que foi escrita (dois séculos atrás)', Rex Tillerson, ex-Secretário de Estado, em 2 de fevereiro de 2018
Por James Petras | The Official James Petras Website
Carta Maior - 8 de Maio, 2018
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Introdução
O Presidente Trump cancelou sua participação na reunião da Cúpula das Américas com todos os 35 presidentes da região, destinada a debater e formular uma política comum. Trump mandou o vice-presidente Pence em seu lugar. Pence, um insignificante com experiência zero e ainda menos conhecimento das relações América Latina-EUA, revela o desdém e a falta de interesse do regime Trump pela oitava reunião da Cúpula trienal.
O presidente Trump não se sentiu obrigado a comparecer porque a agenda, as decisões e os resultados já haviam sido decididos em função dos interesses do império. O ex-secretário de Estado Tillerson deixou claro que a América Latina é o quintal de Washington: a Doutrina Monroe está viva e passa bem.
O renascimento da Doutrina Monroe é um work in progress – um esforço coletivo que precedeu o regime de Trump e que está hoje totalmente evidente.
O Monroismo é uma joint venture envolvendo construtores de impérios de Washington e oligarcas latino-americanos, congressistas golpistas, narcotraficantes presidenciais e bandidos militares e paramilitares. Para entender a ascendência da doutrina de quase duzentos anos de idade é preciso que examinemos o processo – os meios e métodos pelos quais se instalaram os sátrapas (governadores das províncias na antiga Pérsia) de Trump.
Caminhos diferentes, resultados comuns
O século XXI começou com uma série de reviravoltas que desafiaram os estados clientes neoliberais estabelecidos e instalaram uma série de regimes de centro-esquerda que aumentaram os gastos sociais e declararam sua independência dos EUA. Os políticos progressistas escreveram certidões de óbito para a Doutrina Monroe um pouco prematuras, pois eram coassinadas por banqueiros locais, generais e oligarcas. Em outras palavras, a América Latina experimentou uma série de reformas temporárias apoiadas em alicerces oligárquicos.
Ao final de uma década e meia, o regime de Trump proclamou a ressurreição do Monroismo: fantoches, pilhagem e saques tornou-se a nova ordem em toda a América Latina. Legisladores de aluguel planejaram com sucesso uma série de golpes, derrubando presidentes eleitos no Brasil , no Paraguai e em Honduras, substituindo-os por autênticos sátrapas aprovados pelos EUA.
O Secretário-Geral da Organização dos Estados (Colônias) Americanos, Luis Almagro, ex-ministro das Relações Exteriores de um regime de centro-esquerda no Uruguai, abençoou os porta-vozes de Washington.
Eleições fraudulentas no México e na Guatemala garantiram a Washington um par de lacaios confiáveis.
Esquadrões da morte e o narcopresidente Santos na Colômbia forneceram ao Pentágono sete bases militares e aos investidores americanos, muitos campos de petróleo.
Vigaristas e fraudadores com laços íntimos com Wall Street assumiram o poder na Argentina e no Peru. Um ex-esquerdista no Equador, Lenin Moreno apelou ao povo para ganhar a eleição e, uma vez empossado, passou a trabalhar para os oligarcas.
Em outras palavras, por meio de diversos caminhos que combinaram eleições fraudulentas e violência política, os presidentes Bush e Obama prepararam o terreno para o presidente Trump herdar uma comitiva servil de sátrapas autoproclamados democráticos.
O Presidente Trump não precisa ir à América Latina para participar da Cúpula, já que foram seus escribas que escreveram o programa e as políticas a serem seguidas.
No período que antecedeu a Cúpula, os presidentes latino-americanos usaram seu tempo demonstrando sua lealdade à versão atualizada por Trump da Doutrina Monroe.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, ao assumir o poder, pagou seis bilhões de dólares a um especulador de Wall Street; contratou uma dívida de 100 bilhões de dólares junto a banqueiros dos EUA e do Reino Unido; baixou e/ou eliminou impostos corporativos para os agroexportadores; quadruplicou as tarifas de gás, eletricidade e água para residências e pequenas e médias empresas; privatizou minas e campos de petróleo; demitiu milhares de profissionais de saúde e educação do setor público, empobrecendo os serviços de saúde e educação; ampliou as bases militares dos EUA em todo o país e liberou a entrada de empresas químicas poluidoras no campo.
Em troca, Trump ignorou as fraudes de Macri e suas contas bancárias no exterior e elogiou as medidas de seu estado policial.
O presidente do Brasil, Michel Temer, foi instalado na presidência por meio de um golpe legislativo prometendo privatizar os setores de transporte público, infraestrutura, mineração, petróleo e elétrico, bem como o sistema financeiro e bancário. Temer e seus aliados no Congresso e na Justiça asseguram que as alianças militares e diplomáticas servirão aos esforços de Washington para derrubar os governos venezuelano, cubano e boliviano. Temer e seus aliados na Justiça prenderam o principal candidato à presidência da oposição, Lula.
Os sátrapas de Trump nas forças armadas brasileiras se juntaram aos EUA no policiamento do continente.
Em troca, Temer, que tem 95% de desaprovação popular e corre o risco de ir preso, obteve do presidente Trump garantia de asilo em Miami assim que deixar o cargo – junto com um título do clube de golfe frequentado pelo presidente americano.
O presidente do México, Peña Neto, privatizou o patrimônio nacional – campos de petróleo, minas e bancos. Neto colaborou com grupos policiais, militares e paramilitares, matando dezenas de estudantes da oposição, jornalistas críticos e trabalhadores de direitos humanos. Neto permitiu que traficantes de drogas, banqueiros e empresários lavassem bilhões de dólares em contas no exterior para sonegar impostos. O presidente Peña Neto tem sido ainda um ativo apoiador das políticas internacionais de Washington, em particular de seus esforços para isolar e derrubar o governo venezuelano.
A subserviência de Peña Neto a Washington permitiu que o presidente Trump fizesse ainda mais exigências, como o controle da fronteira mexicana e da imigração e o policiamento interno.
A Colômbia, com os presidentes Uribe e Santos, forneceu sete bases militares aos EUA. O presidente Santos assinou um acordo de paz com as FARC, desarmou e matou mais de 50 ex-guerrilheiros das FARC e ordenou a prisão e a extradição de um de seus líderes, Jesús Santrich.
O presidente Santos autorizou lucrativas concessões de petróleo às empresas dos EUA e a companhias multinacionais.
O recém-eleito presidente equatoriano, Lenin Moreno, acompanhou os presidentes brasileiro, mexicano, peruano, argentino e chileno na entrega de recursos naturais estratégicos para multinacionais dos EUA.
Todos esses clientes políticos apoiaram os esforços americanos para excluir o presidente venezuelano Maduro da Cúpula das Américas por se opor aos golpes, a Trump e à Doutrina Monroe.
Os oligarcas apoiam os esforços de Washington para deslegitimar as eleições venezuelanas de maio de 2018 e para paralisar sua economia a fim de derrubar o presidente eleito.
O Triunfo do Neo-Monroismo
Trump preside as Américas, com exceção de Cuba, Venezuela e Bolívia. Washington orquestrou, com sucesso, a conversão da América Latina em um importante centro de lançamento político, militar e diplomático da dominação global dos EUA.
Nenhum dos regimes tem qualquer legitimidade. Todos chegaram ao poder por meios ilícitos – em eleições impulsionadas por corrupção, força, violência e com a cumplicidade americana.
As Américas recebem 42% das exportações de produtos manufaturados dos EUA (principalmente México e Canadá) e são um importante mercado para armas e produtos agroquímicos americanos. No entanto, Washington está perdendo a competição econômica com a China no resto da América Latina – e, por isso, Trump tenta pressionar seus clientes a reduzir estes laços, acusando a China de práticas "imperialistas". Os governantes da América Latina, no entanto, querem servir às duas potências – os EUA politicamente e a China economicamente.
Conclusão
O Presidente Trump abraçou a Doutrina Monroe em sua busca pelo domínio da América Latina. Washington conta com a submissão dos oligarcas e nem dissimula a necessidade de consulta: simplesmente dita suas políticas via emissários norte-americanos.
Sob a tutela do presidente Trump, os súditos latino-americanos negociam os termos de sua renúncia à soberania para garantir uma parcela da pilhagem econômica para seus oligarcas, além da proteção militar dos EUA.
O presidente Trump está particularmente orgulhoso de que o domínio dos EUA seja praticamente sem custos nem esforços. Os oligarcas latinos não exigem nenhuma ajuda econômica ou militar: os clientes pagam pelo policiamento do império, contratando economistas neoliberais para entregar seu patrimônio público.
Os clientes latino-americanos fazem discursos que ecoam as políticas intervencionistas de Trump.
Os oligarcas latino-americanos ignoram as crises domésticas de Trump e a instabilidade política, bem como sua ameaça de guerra nuclear na Síria e as sanções contra a Rússia.
Em uma área, a oligarquia latino-americana não segue as ordens de Washington: elas se recusam a boicotar a China, uma vez que as principais exportações de commodities agrícolas de Argentina, Chile, Peru e Brasil dependem de Pequim – que também se tornou uma fonte fundamental de empréstimos e investimento estrangeiro.
Washington assegurou o domínio político (ou "hegemonia", como dizem alguns especialistas mais polidos), mas quer mais!
O presidente Trump exige uma força militar conjunta para derrubar o governo venezuelano, com a instalação de um regime cliente. Trump pode contar com o chefe da OE, Luis Almagro, para fornecer a retórica, mas seus clientes também precisam dos militares para garanti-los no poder.
O presidente Trump pede a seus clientes latino-americanos que isolem e diminuam os laços com a China. No entanto, eles temem alimentar a oposição das elites domésticas. No máximo, Washington pode contar com os clientes em Honduras, Paraguai e Argentina para obedecer Trump.
Trump garantiu o apoio de Peña Neto para atualizar o NAFTA a fim de aumentar as vantagens comerciais dos EUA, permitir maior controle americano sobre a fronteira e aumentar o fluxo de dinheiro lavado para os bancos dos EUA. O México assume os custos de colaborar com o regime de Trump.
Até agora, o regime de Trump conseguiu controlar as províncias latino-americanas do império a preço de banana. Tanto que Trump ignorou seus clientes e os relegou ao quintal de Washington. Trump, Wall Street e os apoiadores no Pentágono estão razoavelmente satisfeitos com a forma como ele comanda as Américas: eles estão colhendo empréstimos e pagamentos a juros altos; tomando o controle de milhares de empresas públicas por uma ninharia; ganhando bases militares gratuitas, incluindo portos e bases aéreas; e têm os flexíveis generais-clientes à sua inteira disposição.
O que e quem pode estragar a festa imperial de Trump na América Latina?
A Venezuela realiza as eleições. O Presidente Maduro vence, derrota tramas golpistas e consegue diversificar a economia e os mercados, reduz a inflação e inicia uma recuperação econômica.
Cuba renova seu programa revolucionário e seu papel de liderança; democratiza sua economia e socializa seus sistema político.
Os sindicatos e os movimentos sociais brasileiros organizam greves gerais, paralisam a economia, liberam Lula. Ele é reeleito para levar a luta muito além dos tribunais desonestos e do sistema eleitoral corrupto.
A Argentina explode; os sindicatos, os desempregados e os sem teto desencadeiam greves gerais e enfrentam a polícia; eles tomam o palácio presidencial e o presidente Macri foge para o exterior; parando no Panamá e nas Bahamas para fazer movimentações em suas contas ilícitas.
O México tem uma eleição livre e democrática e a Andrés Manuel López Obrador (AMLO) vence, toma posse e acaba com a corrupção. Trump paga pelo muro.
Paraguai, Honduras e Colômbia persistem – esquadrões da morte florescem, forçando guerrilheiros pacificados a retornarem à luta e os camponeses a ocuparem as plantações.
A mídia de massa dos EUA afirma que tudo não passa de conspiração russa. Putin é acusado de estar por trás dos preços baixos da carne em Buenos Aires e da fuga de capitais de São Paulo.
A embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, afirma que Bashar al-Assad está organizando conflitos árabes na fronteira entre a Bolívia e o Chile, além de estar por trás do tráfico no Paraguai e da corrupção no Brasil.
Trump tuita: a resistência populista é 'fake news' e falsa trama. Denuncia os oligarcas latinos que se opõem à sua guerra comercial como defensores do imperialismo chinês. Ele elogia nossos próprios oligarcas, já que são apenas bandidos assinando acordos comerciais!
Trump organiza um churrasco para os oligarcas do seu quintal. Só lavadores de dinheiro são convidados.
Tradução de Clarisse Meireles
James Petras é professor emérito de Sociologia da Universidade de Binghamton, em Nova York, e professor adjunto da Universidade de Saint Mary, Halifax, Nova Escócia, Canadá.
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