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O Capital à solta

A evasão fiscal por parte do grande capital tem escala gigantesca. Utiliza sofisticados processos, nos quais a engrenagem dos paraísos fiscais assume um papel central. Se um trabalhador se atrasa no pagamento de impostos é brutalmente onerado com juros de mora e penhoras. Entretanto estima-se que, só na Europa, o montante anual de imposto não cobrado devido a actividades de evasão fiscal através de paraísos fiscais chega aos 150 mil milhões

Por Rui Namorado Rosa

ODiario.info - 4 de Setembro, 2015

https://www.odiario.info/o-capital-a-solta/

MISTÉRIOS DA FINANÇA INTERNACIONAL

Dados do Banco de Pagamentos Internacional, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, permitem estimar que em 2010 pelo menos $ 21 milhões de milhões de dólares, acumulados pela oligarquia mundial, estavam estacionados como depósitos e investimentos bancários em paraísos fiscais (não incluindo activos materiais). Só os 50 maiores bancos privados (UBS, Credit Suisse e Goldman Sachs à cabeça) geriam mais de $ 12 milhões de milhões em veículos de investimento para os seus clientes. E menos de cem mil pessoas possuíam cerca de $ 10 milhões de milhões em contas offshore. Esses recursos podem circular sigilosamente através do sistema financeiro evitando cair na alçada fiscal de entidades estatais. Por exemplo, o Banco de Pagamentos Internacionais reportou que os ativos estrangeiros em depósito só nas Ilhas Caimão somavam US $ 1726 mil milhões em Dezembro de 2010. O caso das Ilhas Caimão é o de um centro financeiro funcionando predominantemente com hedge funds, fundos mútuos e outros institutos financeiros, mais do que com pessoas singulares.

Outras organizações internacionais – Global Forum (on Transparency and the Exchange of Information for Tax Purposes) e o (Financial Action) Task Force criados pela OCDE lidam com a questão dos paraísos fiscais e a do combate a lavagem de dinheiro. Apesar da forte retórica sobre os paraísos fiscais, após a crise de 2008 e desde a cimeira do G-20 em 2009, tem havido pouca ação concreta, e as referências a paraísos fiscais diminuíram em anos subsequentes. Assim, a menção dos paraísos fiscais está quase ausente no relatório de progresso da OCDE de Dezembro 2012. O que poderá ter apenas significado o fato de quase todas as jurisdições interessadas terem assinado pelo menos 12 acordos de troca de informação fiscal (Tax Information Exchange Agreement – TIEA), mas não que informações fiscais tenham de facto sido partilhadas alargadamente com as autoridades da generalidade das jurisdições. Nem indica o grau em que essas jurisdições se envolveram em práticas sigilosas e nocivas.

Os dados sobre a Troca de Informações no Portal da OCDE indica que dos 664 Acordos de Troca de Informação Fiscal, relativos a 51 jurisdições e assinados até 2010, apenas um quarto (31 jurisdições) tinham entrado em vigor. O lento ritmo de ratificação desses acordos aparece anotado num relatório do Fórum Global para o G-20, em 2012. Consulta recente do Portal mostra não se ter registado evolução significativa desde 2012 até ao presente.

Examinando os acordos entre países “do Sul” da Europa e os vinte mais notórios paraísos fiscais, a Grécia tinha 3 acordos subscritos mas nenhum em execução ao passo que Portugal tinha 11 assinados dos quais 8 em vigor; Itália 10 assinados e 4 em vigor; Espanha 9 assinados e 7 em vigor (dados de Setembro 2012).

O modesto sucesso dessa linha de intervenção indicia que as fragilidades desses instrumentos face aos maiores interesses das grandes corporações e países que lhes dão guarida tornam esses acordos essencialmente inconsequentes e objecto de propaganda sobre as boas intenções do capital.

Uma debilidade fundamental dos dipositivos recomendados pela OCDE é que basta uma jurisdição subscrever apenas 12 acordos bilaterais de troca de informação, para ser considerada transparente e não sigilosa, e assim aceder à "lista branca". O que significa que paraísos fiscais podem libertar-se da “lista negra” mediante a mera assinatura de acordos bilaterais entre si, sem qualquer obrigação de compartilhar informações com outras jurisdições.

Pesquisas recentes sugerem ou comprovam que os acordos bilaterais e outros desenvolvimentos registados desde 2009 não conduziram ao anunciado aumento de transparência e de cobrança de impostos, enquanto os depósitos detidos por estrangeiros em paraísos fiscais parece manterem-se inalterados, a nível próximo de $ 3 milhões de milhões, desde 2009.

Segundo um relatório da Citiziens for Tax Justice, as maiores corporações dos EUA terão mais de um milhão de milhões de dólares depositados fora do país, o que significará uma perda de receitas fiscais de cerca de $ 180 mil milhões por ano. O próprio Government Accounting Office estimava que as companhias no país pagariam uma taxa efectiva média de 12,6%, muito abaixo da taxa nominal em vigor de 35%. As maiores evasoras foram Apple, Microsoft, Citigroup, Amgen, Eli Lilly, Oracle, Qualcomm, JP Morgan, Bank of America e Goldman Sachs – que somam cerca de $ 400 mil milhões estacionados no estrangeiro. O número de filiais que essas empresas mantêm no estrangeiro é sintomático, com destaque para os bancos, que no caso do Bank of America e da JP Morgan ascende a 264 e 83 filiais, respectivamente, incluindo múltiplas dependências na mesma jurisdição, a larga maioria nos mais notórios paraísos fiscais.

A lei norte-americana de conformidade com a taxa sobre contas no estrangeiro (Foreign Account Tax Compliance Act - FATCA), as normas da OCDE propostas para a troca automática de informações entre autoridades fiscais, e a directiva da União Europeia relativa à tributação de poupanças (Savings Tax Directive - EUSTD) são conjuntamente as grandes iniciativas internacionais que declaram promover a transparência no mercado financeiro internacional. Na sua forma actual a EUSTD já abarca 43 países mas encontra-se ferida de inúmeras oportunidades de fuga; ainda que a Comissão Europeia anuncie emendas com que promete localizar e colher receitas fiscais acrescidas dos seus cidadãos mais ricos.

Um ponto de fuga a responsabilidades fiscais passa por iludir a territorialidade dos bens móveis. Como o "conceito de residência" no contexto das contas nacionais se reporta ao território onde a empresa tem e desenvolve "interesse económico predominante", as receitas de sucursais no estrangeiro, aí incluindo empresas de fachada, não terão de ser contabilizadas como parte das receitas da empresa-mãe. O que faria sentido, mas só no caso de a receita das filiais estrangeiras ser contabilizada nos países onde essas subsidiárias se localizam, o que frequentemente não é feito, seguramente quando há intenção de evasão fiscal.

Estudos publicados pela OCDE, FMI (Financial Stability Forum) e Tax Justice Network reportam 81 jurisdições que acolhem paraísos fiscais e/ ou centros financeiros offshore.

Os efeitos do uso de paraísos fiscais sobre o imposto de rendimento de países ao redor do mundo serão certamente enormes. Um recente estudo calcula o montante de recursos financeiros de 139 países aplicados em 80 jurisdições sigilosas, entre 21 e 32 milhões de milhões de dólares norte-americanos. Assumindo uma taxa de retorno de 3% sobre esses investimentos, e um imposto de 30%, o montante estimado de imposto não cobrado sobre esses investimentos situa-se entre $ 200 e 300 mil milhões. Outro estudo, confinado à Europa, estima que o montante anual de imposto não cobrado devido a actividades de evasão fiscal através de paraísos fiscais atinge € 150 mil milhões.

Globalmente, os maiores vinte centros financeiros offshore, eram responsáveis por dar guarida a cerca de $ 4 milhões de milhões, dos quais mais de 90% em territórios histórica e institucionalmente conectados à City de Londres (dados de Setembro 2012).

Numa abordagem aparentemente ambiciosa, o primeiro-ministro britânico prometeu no ano passado introduzir no Reino Unido um registo público de propriedade usufrutuária, tendo igualmente instando os territórios ultramarinos a fazer o mesmo, argumentando que o acesso público a uma lista central é “vital para enfrentar os desafios urgentes de financiamento ilícito e evasão fiscal”. No entanto, as Ilhas Caimão, Virgens Britânicas e Bermudas recusaram aderir a esse propósito e, após alegada insistência persistiram na recusa, que terá sido agora aceite pelo ministro-de-estado. Difícil admitir haver real vontade política.

A perda de colecta fiscal atribuível à economia informal pode ser também muito significativa; à escala da União Europeia ascende a 22% do PIB. Mas tendo presente que a economia informal pode ser e é sobretudo uma consequência de desemprego e de falha de suporte da assistência social, tendendo a assumir maior expressão nos países sob programas de austeridade. A perda de taxas colectadas atribuível a economia invisível foi estimada em perto de € 180 mil milhões na Itália, € 73 mil milhões na Espanha, € 19 mil milhões na Grécia e € 12 mil milhões em Portugal (dados reportados a 2009).

Vários dos maiores bancos sedeados em países no coração do universo financeiro – incluindo Reino Unido, EUA, Suiça e Luxemburgo - proporcionam aos seus clientes acesso a contas ou títulos em companhias resguardadas em paraísos fiscais. Empresas estabelecidas e indivíduos insinuados nos meios financeiros internacionais prestam serviços especializados de gestão de fortunas, contabilidade, consultoria e intermediação, assistindo corporações e milionários a aplicar e multiplicar os seus activos, a evadir obrigações fiscais - apoiados em informação privilegiada e secretismo público, e dissimulando as identidades dos indivíduos ou interesses comerciais que servem. Esquemas legais ou fraudulentos encontram em centros financeiros offshore e paraísos fiscais a frente ou a rectaguarda para acumular, muitas vezes no anonimato, proveitos privados em detrimento do interesse comum, incluindo países inteiros.

LUXEMBOURG LEAKS

Uma investigação realizada por uma equipa de jornalistas - Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (The International Consortium of Investigative Journalists) - obteve e expôs um lote de 28 mil páginas de acordos confidenciais sobre aplicação de impostos, rendimentos e outros elementos sensíveis, relativas a mais de 1000 empresas, que denunciam um quadro condenatório de um Estado da UE que discretamente dá cobertura à evasão fiscal em larga escala. Essa revelação tem sido designada “os dossiers fiscais do Luxemburgo” (Luxembourg Leaks).

Esses documentos também mostram como 340 empresas de todo o mundo estabeleceram complicadas estruturas corporativas especialmente concebidas com as autoridades luxemburguesas. Nessas empresas incluem-se gigantes transnacionais como Pepsi, Ikea, Accenture, Burberry, Procter & Gamble, Heinz, JP Morgan, FedEx, Abbott Laboratories, Amazon, Deutsche Bank, Macquarie.

Recente escrutínio de estruturas agressivas utilizadas pelos grupos tecnológicos como Apple, Google e Amazon sugerem que as digitais norte-americanas estão na vanguarda da evasão fiscal transfronteiriça. Mas as revelações mais recentes mostram que muitas multinacionais europeias em sectores não-digitais também têm recorrido à engenharia fiscal em larga escala.

Mais de 80 jornalistas em 26 países, trabalhando em colaboração através do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, passaram seis meses examinando os documentos revelados, a maioria dos quais dizem respeito a clientes da dependência no Luxemburgo da PricewaterhouseCoopers (PwC), um dos principais grupos de consultoria fiscal.

Os documentos mostram o Luxemburgo agindo como um intermediário, quer viabilizando quer dissimulando a evasão fiscal, a qual sempre acontece para além de suas fronteiras. A maioria dos documentos consta de acordos fiscais prévios (ATA), dos quais 548 foram divulgados. Estes acordos prévios são regimes propostos às autoridades fiscais luxemburguesas visando reduzir substancialmente as cobranças fiscais das empresas candidatas. Se aprovados, as autoridades luxemburguesas emitem uma carta de conforto que monta a um acordo vinculativo. Um dos esquemas mais comuns baseia-se em empréstimos transfronteiriços entre empresas de um mesmo grupo, e o desencontro de percepções entre as autoridades fiscais do Luxemburgo e as de outros países.

Menos de um terço dos negócios fiscais mediadas pela PwC nas 28 mil páginas de documentos expostos incluem o montante que as multinacionais pretendiam mobilizar através de tais esquemas no Luxemburgo, ainda assim apenas esses acordos já ascenderam a mais de $ 215 mil milhões em empréstimos e investimentos entre 2002 e 2010.

Posto que muitos mais documentos expostos não divulgam os montantes envolvidos, e que PwC foi apenas uma das várias empresas de contabilidade que assegurou negócios com as autoridades fiscais do Luxemburgo, o volume total de fluxos financeiros que passam através do Luxemburgo, facilitados por cartas de conforto do Grão-Ducado, é provável que seja várias vezes maior.

Um caso ajuda a ilustrar as complexas, quase ilegíveis, estruturas financeiras montadas para o sucesso: Shire, uma multinacional farmacêutica, com grandes operações no Reino Unido e EUA, com sede em Dublin. Na lista Forbes figura em 233º lugar quanto a valor de mercado, $ 45 mil milhões, e em 188º lugar quanto a proveitos.

A Shire mantem uma pequena dependência sediada no Luxemburgo, que se tornou em um dos postos mais rentáveis desse império farmacêutico. Tendo movido a sua sede corporativa do Reino Unido para a Irlanda para efeitos fiscais em 2008, está registado na ilha de Jersey, um notório paraíso fiscal, ao passo que a maioria de suas vendas decorre na América do Norte.

Essa pequena dependência financeira luxemburguesa da Shire - Shire Holdings Sarl Europa No2, ou SHES2 - é um escritório partilhado com dezenas de outros ocupantes empresariais, incluindo outras seis empresas do mesmo grupo. Não obstante custos operacionais mínimos, acumula lucros substanciais por via de empréstimos concedidos a empresas-irmãs, num total de mais de $ 10 mil milhões nos últimos cinco anos, a taxas de juros cobradas de até 9%. No final de 2013, as empresas do grupo Shire deviam mais de $ 10 mil milhões à SHES2, ou seja mais de dois anos de volume de vendas do grupo. Com o consentimento das autoridades luxemburguesas, os grossos lucros gerados por esta pequena unidade nestas operações têm sido tributados a uma fração de 1%, e ela mesma não paga imposto sobre rendimentos. E, no entretanto, os pagamentos de pesados juros por parte das empresas devedoras dentro do grupo é pretexto para acentuadas deduções fiscais concedidas às empresas-irmã, cujas receitas são neutralizadas pelo pagamento dos juros sobre os empréstimos contraídos no Luxemburgo.

Longe do Luxemburgo, mais de dois terços das receitas anuais da Shire - $ 5 mil milhões - proveio da venda de medicamentos nos EUA e Canadá. Mas globalmente os lucros do grupo foram tributados a uma média de 16,4% - menos de metade da taxa oficial aplicável à maioria das grandes empresas nos EUA.

O próprio relatório anual do grupo explica o principal mecanismo para redução da sua factura fiscal, em letra miúda, em "itens intra-grupo": as oportunidades fiscais de investimentos e transacções entre empresas do grupo Shire. Os documentos confidenciais confirmam o papel crítico de planeamento tributário do grupo cometido à SHES2 - uma das sete empresas Shire constituída no Luxemburgo.

Parte deste êxito encontra-se na Irlanda, para onde a Shire mudou a sede corporativa do Reino Unido em 2008, quando o governo britânico ameaçou uma operação contra as multinacionais sedeadas no Reino Unido que utilizassem unidades financeiras nacionais como estruturas de planeamento fiscal hostil.

No conjunto de empresas Shire registadas na Irlanda conta-se uma holding, a Shire Holdings Irlanda No.2 Limited, ou SHIL2. Esta empresa vem cobrando para si juros sobre milhares de milhões de dólares de empréstimos a ela própria. Mais especificamente, juros têm sido cobrados sobre os empréstimos da sede da SHIL2, registada perto de Dublin, concedidos a uma sua filial no Luxemburgo, situada no mesmo bloco de escritórios na periferia da cidade do Luxemburgo. Trata-se de empréstimos transfronteiriços no seio da mesma entidade jurídica que transformam a atividades do grupo farmacêutico no Grão-Ducado em uma canalização de empréstimos, a partir de um grande empréstimo na Irlanda, através de duas unidades no Luxemburgo (SHIL2 e SHES2), a caminho de empresas do grupo Shire no resto do mundo.

Tal cadeia de empréstimos, conselheiros da PwC argumentam, significa um empréstimo intra-grupo da Shire que meramente passa através do Luxemburgo. Portanto, o cobrador local de impostos não precisa de proceder a avaliação rigorosa das obrigações fiscais da Shire. A taxa de imposto sobre sociedades deverá ser aplicada por inteiro, mas apenas em um montante nocional do lucro. No caso da Shire, PwC sugere, o GrãoDucado deverá satisfazer-se com apenas 0,0156% sobre os milhares de milhões de dólares em empréstimos e juros devido à SHES2. A carta de anuência da administração fiscal luxemburguesa não aparece entre os documentos expostos, mas a partir de documentos publicamente disponíveis em outros lugares parece certo que a estrutura de evasão foi criada em 2008 e permaneceu ativa, pelo menos, até ao fim de 2013.

Enfim, a estrutura complexa tinha criado uma cadeia de empréstimo de vários milhares de milhões de dólares, sem aparente relação com as necessidades de financiamento da actividade económica da Shire. A estrutura parecia trazer pouco benefício comercial que não fosse um truque de evasão fiscal: impostos reduzidos para as empresas do grupo Shire (em todo o mundo) que hajam contraído dívidas no Luxemburgo, enquanto aqui as operações do grupo apenas suportaram o imposto sobre receitas de juros.

O Luxemburgo deve o seu estatuto como primeiro paraíso fiscal empresarial do mundo também pela sua posição no coração da Europa. Um dos membros fundadores da Comunidade Económica Europeia em 1957, goza de todas as liberdades que regem o investimento no que é hoje a União Europeia, assim como uma rede de acordos fiscais com as principais economias do mundo.

Grandes economias, como os EUA e o Reino Unido, normalmente bloqueiam ou constrangem a transferência de lucros para territórios com baixa tributação mediante a imposição de imposto de retensão na fonte sobre transferências que saem de suas fronteiras. O Luxemburgo, porém, é suposto ser um membro respeitado do clube internacional, tendo assumido tributar por inteiro as empresas presentes no seu território. Formalmente tem até um sistema de imposto sobre rendimentos colectivos com uma taxa nominal relativamente elevada, 29%. Pelo que outros membros respeitados da cena mundial autorizam o fluxo de capitais para o Luxemburgo isento de imposto de retenção.

Dissimuladamente, no entanto, o Luxemburgo é um paraíso fiscal, oferecendo uma gama de dispositivos com os quais pagamentos que reduziriam os proveitos tributados em um país como o Reino Unido ou os EUA podem escapar o pagamento de imposto quando recebidos no Grão-Ducado. Designadamente: isenção sobre rendimentos de empresas constituídas no Luxemburgo quando transferidos para suas filiais no estrangeiro (para destinos como a Suíça e Irlanda); desagravamento fiscal para perdas em investimentos em títulos; adopção de complexos instrumentos financeiros híbridos e estruturas corporativas dentro das suas fronteiras. Grandes transnacionais como a Vodafone e GlaxoSmithKline são conhecidos por terem explorado essas oportunidades para canalizar milhares de milhões através de empresas luxemburguesas.

Quando uma multinacional aborda as autoridades fiscais do Luxemburgo, propondo um esquema que empregue essas táticas, após uma reunião ou duas para apurar os detalhes, um alto-funcionário aprova o plano e a empresa parte segura do regime fiscal de que irá gozar. Na formulação da proposta e na sua intermediação desempenha papel relevante alguma das grandes empresas de consultoria financeira - como a exposição das Luxembourg files ilustra.

Desta forma, o Luxemburgo comporta-se como sócio respeitável do clube dos países desenvolvidos da União Europeia, do mesmo passo oferecendo as condições para as potencias económicas tirarem inteiro benefício e aplicar na medida que lhes convém as mesmas tacticas financeiras, já experimentadas e legitimadas pelo Grão-Ducado.

Essa ambivalência é útil para a manter o status quo no universo da finança. E como bónus faculta os meios para que o Luxemburgo seja louvado pelo seu progresso económico e até pela elevada produtividade dos seus trabalhadores, a segunda mais elevada da Europa e da OCDE.

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Rui Namorado Rosa, nascido em Lisboa em 1940, é licenciado pela Universidade de Lisboa e doutor em Física pela Universidade de Oxford. Trabalhou como investigador da Junta de Energia Nuclear e do Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial. Foi professor da Universidade de Évora e no Instituto Superior Técnico. Na década de 70, foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Física e da Organização dos Trabalhadores Científicos. Na década de 90, dinamizou a criação do Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência e do Centro de Geofísica da Universidade de Évora. É professor jubilado e emérito desta Universidade. Acompanha questões de política científica e técnica e de recursos naturais e energia, tendo publicado numerosos trabalhos científicos e artigos de divulgação, e feito numerosas apresentações públicas no país e estrangeiro.

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https://www.odiario.info/o-capital-a-solta/


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