Corporações dos EUA ganham dinheiro com petróleo e gás da Ucrânia
À medida que a guerra na Ucrânia se arrasta, o governo local está vendendo ativos, numa grande farra de privatizações
por Ben Norton (pt-BR) | Geopolitical Economy
Brasil 247 - 9 de maio, 2023
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As corporações de combustíveis fósseis dos EUA – como a ExxonMobil, a Chevron e a Halliburton – estão participando em discussões para assumir a indústria de petróleo e gás da nação do Leste da Europa, à medida que Kiev empurra para aumentar a produção a fim de substituir as exportações russas de energia.
Isto ocorre logo depois que o líder ucraniano apoiado pelo Ocidente, Volodymyr Zelensky, enviou uma amigável mensagem de vídeo para o grupo de lobby corporativos dos EUA, agradecendo a companhias como BlackRock, JP Morgan, Goldman Sachs e Starlink, e prometendo “grandes negócios” para outros.
Em setembro, Zelensky também abriu simbolicamente a Bolsa de Valores de Nova York, anunciando que o seu país está “aberto para negócios”, oferecendo mais de US$ bilhões de dólares em “parcerias público-privadas, privatizações e empreendimentos privados” para as empresas estadunidenses.
O diretor da ONG Labor Initiatives, sediada em Kiev, advertiu sobre um “ataque em grande escala contra os direitos trabalhistas na Ucrânia”, escrevendo em uma publicação financiada pelo governo alemão que “a guerra não pode ser usada como justificativa para despojar os trabalhadores dos seus direitos”.
Numa tentativa de acabar com esta guerra, a China tomou a iniciativa de advogar por conversações de paz. O presidente do Brasil, Lula da Silva, apoiou os esforços de Pequim.
Por outro lado, o Ocidente se opôs a todas as tentativas de ter negociações diplomáticas e, em lugar disso, empurrou uma escalada da guerra por procuração da OTAN contra a Rússia, enviando jatos de combate e tanques para Kiev.
Neste ínterim, as autoridades ucranianas estão tratando do seu país como se fosse uma empresa com fins lucrativos, viajando frequentemente aos EUA em busca de oportunidades lucrativas de negócios.
Naftogaz corteja Halliburton, aproveitadora da guerra no Iraque
O presidente da empresa estatal ucraniana de energia Naftogaz, Oleksiy Chernyshov, voou para Washington, DC, neste mês de abril para se encontrar com autoridades políticas e corporativas dos EUA.
O jornal Financial Times reportou que Chernyshov se reuniu com representantes da ExxonMobil e da Halliburton, depois de uma reunião com a Chevron em janeiro.
“As negociações com os grandes atores dos combustíveis fósseis nos EUA fazem parte de uma ação estratégica para aumentar a produção de gás natural que as autoridades ucranianas acreditam que poderia ajudar a substituir o fornecimento russo para a Europa nos anos futuros”, o jornal escreveu.
A Halliburton é notória pelo seu envolvimento em esquemas de corrupção, envolvendo gordos contratos governamentais. Em 2017, ela foi multada em US$ 29,2 milhões pela US Securities and Exchange Commission [SEC – Comissão de Valores Mobiliários dos EUA] por violar a Lei de Práticas Corruptas no Estrangeiro por conta de contratos altamente lucrativos de serviços em campos de petróleo em Angola.
A Halliburton também é o maior provedor mundial de serviços de fracking, ou fracking hidráulico, uma forma controversa de extração de gás que é tão ambientalmente destrutiva que foi banida no Reino Unido.
Respondendo à reportagem do Financial Times, o economista Yanis Varoufakis, que previamente serviu como ministro de finanças da Grécia, tuitou: “E aí está. EXXON, HALLIBURTON & CHEVRON, depois do Iraque, agora estão assumindo os campos de petróleo e gás da Ucrânia. Eles planejam introduzir fracking em larga escala – uma ameaça clara e presente para envenenar a agricultura ucraniana”.
Chernyshov, o presidente da empresa estatal de energia ucraniana Naftogaz disse ao jornal, “nós queremos que eles [a Halliburton] expandam dramaticamente a sua presença. Nós queremos eles lá seriamente – com as botinas no solo”.
“Nós daremos as boas-vindas a eles”, ele acrescentou. “Nós podemos produzir gás juntos, com um acordo de PSA [production sharing agreement / acordo de produção compartilhada] – eles podem ter uma licença e produzi-lo eles mesmos, nós lhes daremos as boas-vindas”.
Em novembro, o presidente da Halliburton para o hemisfério oriental, Joe Rainey, viajou para a Ucrânia para encontrar-se com Chernyshov.
A Naftogaz publicou no seu website um comunicado de imprensa no qual se gabava que isto “fortalece a cooperação estratégica com a Halliburton dos EUA, um dos maiores provedores mundiais de serviços para campos de petróleo, para desbloquear o novo potencial dos campos ucranianos”.
“O seu apoio e visita a Kiev é um sinal poderoso para o mercado todo e para o mundo”, disse Chernyshov. “Sou grato ao governo dos EUA, ao povo estadunidense e a você pessoalmente pelo seu apoio abrangente à Ucrânia. Nós realmente apreciamos isto. A nossa cooperação é extremamente importante e nós estamos fazendo o melhor que podemos para melhorar e expandir isto”.
A Halliburton era um nome familiar nos EUA nos anos de 2000 e era praticamente um sinônimo de corrupção.
O vice-presidente Dick Cheney, que serviu sob o presidente George W. Bush, trabalhou durante muitos anos como presidente e CEO da Halliburton.Cheney, um neoconservador de linha dura, foi um arquiteto-chave da invasão ilegal do Iraque pelos EUA em 2003. Naquele mesmo ano, a Halliburton ganhou aquilo que a NPR [National Public Radio] chamou de um “'negócio de amor' no Iraque”.
A NPR escreveu:
A empresa de serviços de petróleo Halliburton passou por um intenso escrutínio sobre os seus contratos multimilionários com as forças militares dos EUA no Iraque. Os críticos no Congresso querem saber se a empresa está engajada em contratos de folheados a ouro – inflando os custos e embolsando a diferença. Outros críticos acusam a Halliburton de aparentemente terem se tornado um outro ramo das forças militares, enquanto o ex-CEO da companhia é agora o vice-presidente dos EUA.
Na primeira parte de uma série de três reportagens que verifica as complexas relações entre a empreiteira de defesa e o governo federal, John Burnett, da NPR, examina o escopo dos contratos da subsidiária da Halliburton no Iraque, a Kellogg, Brown & Root – mais conhecida como a KBR.
A guerra contra o terrorismo dos EUA criou uma sorte inesperada para a KBR. Desde 11 de setembro de 2001, a empresa construiu bases em mais de 60 locações em todo o Oriente Médio e no Sul da Ásia. Sob este negócio com o Pentágono – conhecido como um contrato “Logcap” - a KBR é a empresa de entrada para prover as tropas no Iraque com tudo, desde banheiros portáteis até internet cafés.
Uma década depois, o jornal International Business Times reportou que a subsidiária da Halliburton, a KBR, havia ganho mais contratos relativos ao Iraque do que qualquer outra empresa privada durante os 10 anos da guerra.
O veículo de mídias reportou:
A empresa [KBR] ganhou US$ 39,5 bilhões em contratos relacionados com o Iraque na última década, com muitos dos negócios sendo dados sem qualquer licitação de empresas concorrentes – como um contrato de US$ 568 milhões em 2010 para prover habitações, refeições, água e serviços de banheiros para os soldados, um negócio que levou a um processo judicial do Departamento de Justiça sobre alegadas propinas.
Ucrânia cobiça os depósitos de gás natural da Crimeia
O jornal Financial Times reportou que o governo ucraniano tem a esperança específica de perfurar o gás natural offshore no Mar Negro, na costa da Crimeia. No entanto, Kiev é incapaz de acessar aquele gás.
A Crimeia foi anexada à Rússia em 2014, após um referendo com 83% de participação de eleitores, no qual 97% dos votantes disseram que queriam entrar na Federação Russa. Os governos ocidentais expressaram dúvidas sobre esta votação, mas as sondagens da tradicional empresa estadunidense Pew Research revelaram que 91% dos habitantes da Crimeia disseram que o referendo foi livre e justo e 88% queriam que a Ucrânia reconhecesse os resultados.
Apesar do apoio esmagador dos habitantes da Crimeia a favor da integração à Rússia, a Ucrânia e os seus patrocinadores da OTAN insistiram que retomariam a região – não só devido às valiosas reservas de gás offshore, mas também pela sua profunda importância geoestratégica para a Rússia.
A Rússia tem apenas uma única base naval em águas mornas, a base de Sevastopol na Crimeia, Esta é a principal base usada pela Esquadra russa no Mar Negro – e, sem ela, o mar ficaria efetivamente controlado pela OTAN.
Para Moscou, esta é uma preocupação genuína de segurança, não uma motivada por interesses econômicos ulteriores.
Até mesmo a Rand Corporation, um think-tank apoiado pelas forças militares dos EUA, admitiu isto, publicando um relatório em abril de 2022 intitulado “Russia Does Not Seem to Be After Ukraine’s Gas Reserves” [A Rússia Não Parece Cobiçar as Reservas de Gás da Ucrânia].
A RAND escreveu:
A Ucrânia efetivamente controla a segunda maior reserva de gás natural da Europa, quase 80% dela localizada a leste do Rio Dnipro. No entanto, estas reservas representam menos de 3% das reservas de gás natural da Rússia.
E, apesar da Ucrânia teoricamente possa ter consideráveis reservas de gás de xisto, na sua maior parte estas permanecem não estar comprovadas e a Rússia atualmente não tem experiência nem tecnologia para a produção de gás de xisto.
CEO da Naftogaz se encontra com o embaixador dos EUA envolvido no golpe de Estado de 2014
Durante a sua viagem a Washington em abril passado, o CEO da Naftogaz Chernyshov não se encontrou apenas com executivos de corporações; ele também esteve com altas autoridades do governo, como o ex-embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt.
Pyatt representou Washington em Kiev durante um violento golpe de estado em 2014, o qual derrubou o governo democraticamente eleito e geopoliticamente neutro governo da Ucrânia, e instalou um regime pró-Ocidente.
Um notório telefonema vazado da alta funcionária do Departamento de Estado Victoria Nuland revela as autoridades dos EUA que decidiram quem operaria o governo ucraniano após o golpe de estado. Quem estava com Nuland no telefonema era ninguém menos que Pyatt.
Atualmente, Pyatt serve como secretário de estado assistente dos EUA para recursos energéticos, e ele também coordena a cooperação entre o G7 e a Ucrânia.
Num comunicado de imprensa sobre a reunião de Chernyshov com Pyatt, a Naftogaz escreveu, com orgulho, que estava “trabalhando para atrair empresas estadunidenses – as suas tecnologia, especialidade e investimentos – para aumentar a produção na Ucrânia”.
“Nós discutimos uma série de questões. Desde o novo papel da Ucrânia no sistema de segurança energética da Europa, até a implementação de reformas de governança corporativa”, disse Chernyshov.
Naftogaz participa do programa de ajuste estrutural do FMI
Durante a sua viagem a Washington, o CEO da Naftogaz Chernyshov também se encontrou com representantes do FMI, a instituição financeira dominada pelos EUA que é infame por impor políticas econômicas neoliberais sobre nações endividadas.
Neste mês de março, o FMI tomou a decisão sem precedentes de aprovar um empréstimo de US$ 15,6 bilhões para a Ucrânia.
O FMI jamais havia provido um financiamento para um país em guerra. Um repórter do veículo estatal de mídias NPR [dos EUA] admitiu que o FMI teve que implementar uma “mudança de regra” que “era, você sabe, obviamente politicamente motivada”.
A Naftogaz declarou num comunicado de imprensa que “a cooperação de sucesso e consistente com o FMI é crucial para a resiliência da Ucrânia durante a guerra”.
Usando a retórica racista que implica que a Rússia é “incivilizada”, Chernyshov declarou:
A cooperação com o FMI é crucial para a estabilidade do nosso país em tempos de guerra. O fato de que nós temos um programa é um sinal para o mundo civilizado de que o país está se movendo na direção correta. A Ucrânia fez a sua escolha civilizacional. A Naftogaz cumpriu a sua parte nas condições para que o nosso país receba o programa do FMI. Isto demonstra que nós somos um parceiro confiável. A Naftogaz não desapontará o nosso país.
A declaração da Naftogaz não esclareceu quais eram estas “condições”, mas um comunicado de imprensa do FMI em fevereiro deixou claro que estas incluíam reformas neoliberais.
O FMI reportou que as suas discussões com as autoridades ucranianas “cobriram o quadro macroeconómico de médio-prazo, a política fiscal, as condições de financiamento, as políticas do setor financeiro e a governança”.
As condições do FMI incluíram, “Em especial, as iniciativas de reformas para aumentar a produtividade e a competitividade que o setor privado necessita avançar para ajudar a estabelecer o alicerce de um robusto crescimento pós-guerra em função do progresso a caminho da ascensão à União Europeia”.
As reformas para “aumentar a produtividade e a competitividade do setor privado” é uma maneira eufemística de dizer que a Ucrânia deve privatizar mais ainda as indústrias estatais e vender os ativos públicos.
Na sua declaração, o FMI salientou que “Espera-se também que o setor privado contribua para os esforços de reconstrução”.
O Fundo também escreveu favoravelmente sobre a “elaboração de leis sobre impostos visando aumentar as rendas”, clamando por “escorar as rendas de impostos” e “criar um espaço fiscal para os reparos relativos à guerra”.
“Os esforços para expandir as emissões no mercado doméstico de títulos financeiros devem continuar a assegurar um mix estável de financiamento e para eliminar a dependência em financiamentos monetários”, ele adicionou.
Em resumo, as condições do FMI para a Ucrânia são um reflexo típico do Consenso de Washington: medidas neoliberais de austeridade, as quais aumentam a carga sobre os trabalhadores ucranianos, cujos padrões de vida estão declinando e que tem cada vez menos direitos, enquanto que são oferecidas às corporações estadunidenses oportunidades lucrativas para comprar ativos públicos.
Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
Ben Norton é jornalista, escritor e cineasta. Ele é o editor-assistente do The Grayzone e o produtor do podcast Moderate Rebels, que co-organiza com o editor Max Blumenthal.
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