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Derrota irremediável: sobre a outra guerra invencível de Israel

O fim da guerra de Gaza, mesmo que classificado como uma "vitória" por Netanyahu, só aumentará a polarização e aprofundará a pior luta política interna de Israel desde sua fundação sobre as ruínas da Palestina histórica. A continuação da guerra aumentará os cismas, pois servirá apenas como um lembrete de uma derrota irremediável.

por Ramzy Baroud (PT) | Counterpunch.org

Pelo Socialismo - 12 de abril, 2024

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Imagem de Sohaib Al Kharsa

Historicamente, as guerras unem os israelitas. Agora já não.

Não que os israelitas não concordem com a guerra de Benjamin Netanyahu. Simplesmente não acreditam que o primeiro-ministro seja o homem que poderia vencer esta suposta luta existencial.

 

Mas a guerra de Netanyahu continua invencível simplesmente porque as guerras de libertação, muitas vezes conduzidas por meio de táticas de guerrilha, são muito mais complicadas do que o combate tradicional. Quase seis meses após o ataque israelita a Gaza, ficou claro que os grupos da Resistência Palestina são duradoros e  estão bem preparados para uma luta muito mais longa.

 

Netanyahu, apoiado por ministros de extrema-direita e um ministro da Defesa igualmente linha-dura, Yoav Gallant, insiste que mais poder de fogo é a resposta. Embora a quantidade sem precedentes de explosivos, usada por Israel em Gaza tenha matado e ferido mais de 100.000 palestinianos, uma vitória israelita, seja como for, permanece indefinida.

 

Então, o que querem os israelitas e, mais precisamente, qual é o fim do jogo do seu primeiro-ministro em Gaza, afinal?

 

As principais sondagens de opinião desde 7 de outubro continuaram a produzir resultados semelhantes: o público israelita prefere Benny Gantz, líder do Partido da Unidade Nacional, ao primeiro-ministro e seu partido, o Likud.

 

Uma sondagem recente realizada pelo jornal israelita Maariv também indicou que um dos parceiros mais importantes da coligação e o mais próximo de Netanyahu, o ministro das Finanças e líder do Partido Sionista Religioso, Bezalel Smotrich, é praticamente irrelevante em termos de apoio público. Se as eleições fossem hoje, o partido do ministro de extrema-direita nem sequer passaria do limiar eleitoral.

 

A maioria dos israelitas está a exigir novas eleições este ano. Se eles realizassem o seu desejo hoje, a coligação pró-Netanyahu só conseguiria reunir 46 lugares, em comparação com os seus rivais que conseguiriam 64.

 

E, se o governo de coligação israelita – que atualmente controla 72 lugares dos 120  do Knesset – entrar em colapso, o domínio da direita sobre a política israelita despedaçar-se-á, provavelmente por muito tempo.

 

Nesse cenário, todas as peripécias políticas de Netanyahu, que lhe serviram bem no passado, ficariam aquém de permitir que ele voltasse ao poder, tendo em mente que ele já tem 74 anos de idade.

 

Uma sociedade muito polarizada, os israelitas aprenderam a culpar um indivíduo ou um partido político por todos os seus problemas. É em parte por isso que os resultados eleitorais podem diferir drasticamente entre um ciclo eleitoral e outro. Entre abril de 2019 e novembro de 2021 Israel realizou cinco eleições gerais e agora exige mais uma. As eleições de novembro de 2022 deveriam ter sido decisivas, pois encerraram anos de incerteza e estabeleceram o "governo mais direitista da história de Israel" – uma descrição frequentemente repetida das coligações governamentais modernas de Israel.

 

Para assegurar que Israel não mergulhe na indecisão, o governo de Netanyahu queria garantir as suas posições para sempre. Smotrich, juntamente com o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, queria moldar uma nova sociedade israelita que estivesse para sempre inclinada para a sua marca de sionismo religioso e ultranacionalista.

 

Netanyahu, por outro lado, simplesmente queria manter-se no poder, em parte porque se acostumou demasiado às regalias do seu cargo e também porque quer desesperadamente evitar a prisão devido aos seus vários julgamentos por corrupção.

 

Para isso, os partidos de direita e de extrema-direita têm trabalhado diligentemente para mudar as regras do jogo, reduzindo o poder judicial e acabando com a supervisão do Supremo Tribunal. Eles falharam em algumas tarefas e tiveram sucesso noutras, incluindo uma emenda às Leis Básicas do país para reduzir o poder do mais alto tribunal de Israel, portanto, o seu direito de derrubar as políticas do governo.

 

Embora os israelitas tenham protestado em massa, ficou claro que a energia inicial desses protestos, a partir de janeiro de 2023, estava a diminuir, e que um governo com uma maioria tão substancial – pelo menos, para os padrões de Israel – não cederia facilmente.

 

O dia 7 de outubro mudou todos os cálculos.

 

A Operação Palestina Al-Aqsa é frequentemente examinada em termos dos seus componentes militares e de inteligência, e mesmo de utilidade, mas raramente em termos dos seus resultados estratégicos. Isso colocou Israel num dilema histórico que nem mesmo a confortável maioria de Netanyahu no Knesset pode – e muito provavelmente não será – ser capaz de resolver.

 

Para complicar, no dia 1 de janeiro, o Supremo Tribunal anulou oficialmente a decisão da coligação de Netanyahu de derrubar o poder judicial.

 

A notícia, embora significativa, foi ofuscada por muitas outras crises que assolam o país, principalmente atribuídas a Netanyahu e aos seus parceiros de coligação: o fracasso militar e de inteligência que levou ao 7 de outubro, a guerra trituradora, a contração da economia, o risco de um conflito regional, a divisão entre Israel e Washington, o crescente sentimento global anti-Israel e muito mais.

 

Os problemas continuam a acumular-se, e Netanyahu, o político mestre de outros tempos, está agora apenas  preso pelo fio de manter a guerra pelo maior tempo possível para adiar as suas crises crescentes durante o maior tempo possível.

 

No entanto, uma guerra por tempo indeterminado também não é uma opção. A economia israelita, de acordo com dados recentes do Gabinete Central de Estatísticas do país, contraiu-se em mais de 20% no quarto trimestre de 2023. É provável que continue a sua queda livre no próximo período.

 

Além disso, o exército está a lutar, a travar uma guerra invencível sem objetivos realistas. A única fonte importante para novos recrutas pode estar nos judeus ultraortodoxos, que foram poupados do campo de batalha para, em vez disso, estudar em yeshivás1.

 

70% de todos os israelitas, incluindo muitos do próprio partido de Netanyahu, querem que os Haredi2 se juntem ao exército. Em 28 de março, o Supremo Tribunal ordenou a suspensão dos subsídios estatais atribuídos a essas comunidades ultra-ortodoxas.

 

Se isso acontecer, a crise aprofundar-se-á em várias frentes. Se os Haredi perderem os seus privilégios, o governo de Netanyahu provavelmente entrará em colapso; se os mantiverem, o outro governo, o do  pós-7 de outubro, também deve entrar em colapso.

 

O fim da guerra de Gaza, mesmo que classificado como uma "vitória" por Netanyahu, só aumentará a polarização e aprofundará a pior luta política interna de Israel desde sua fundação sobre as ruínas da Palestina histórica. A continuação da guerra aumentará os cismas, pois servirá apenas como um lembrete de uma derrota irremediável.

 

1 Yeshivás são instituições onde os judeus se reúnem para estudar a Torá e as traduções rabínicas

 

2 Os Haredi são grupos dentro do judaísmo ortodoxo, caracterizados pela sua estreita adesão à halakha ( lei judaica) e às tradições, em oposição aos valores e práticas modernas, geralmente chamados ultra-ortodoxos

Tradução de TAM

Ramzy Baroud, nascido num campo de refugiados em Gaza e vivendo em Seattle (EUA), é jornalista, autor e editor de The Palestine Chronicle. Ele é o autor de The Second Palestinian Intifada: A Chronicle of a People’s Struggle e My Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold Story (Pluto Press, London). Seu livro mais recente é The Last Earth: A Palestinian Story [A última terra: uma história palestina] (Pluto Press, London) e está concluindo o próximo livro, These Chains Will Be Broken: Palestinian Stories of Struggle and Defiance in Israeli Prisons’ [Esses grilhões serão quebrados: histórias palestinas de luta e desafio em prisões israelenses] (Clarity Press, Atlanta). Baroud é Ph.D. em Estudos Palestinos, da University of Exeter.

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