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Acemoglu, IA e automação

por Michael Roberts (PT) | The Next Recession

Resistir.info - 30 de maio, 2023

https://www.resistir.info/m_roberts/ia_30mai23.html

Há uma nova explosão de tecno-otimismo a emergir da aplicação do ChatGPT e dos LLMs . Um analista considera que a IA “tem enorme potencial para promover uma ampla produtividade da economia” e mencionou um estudo recente do MIT que mostrou uma melhoria maciça da produtividade com a utilização do ChatGPT. Além disso, grande parte dos ganhos de produtividade verificaram-se na faixa etária dos 21 a 40 anos.

O ChatGPT conseguiu 100 milhões de utilizadores mais depressa do que qualquer outra aplicação na história e estas rápidas taxas de adoção não se limitam a utilizadores individuais. Grandes corporações, como a Bain & Company, fizeram acordos com a OpenAI para usar IA generativa nos seus negócios de consultoria estratégica, ao passo que companhias como a Expedia integraram o ChatGPT através de plug-ins.

Será então o ChatGPT etc um divisor de águas para o capitalismo? O professor de económicas Daron Acemoglu do MIT é o perito sobre os efeitos económicos e sociais da nova tecnologia, incluindo a inteligência artificial (IA) em rápido florescimento. Ele ganhou a Medalha John Bates Clark, frequentemente considerada um precursor do Prémio Nobel.

Mas ele não é tecno-otimista. Sua investigação mostra que grandes rupturas tecnológicas – tais como a Revolução Industrial – podem achatar salários de toda a classe de trabalhadores. Numa entrevista recente ao Financial Times, Acemoglu disse que “o capital obtém o que quiser na ausência de constrangimentos e a tecnologia é uma ferramenta que pode ser usada para o bem ou para o mal”. Referindo-se à tecnologia a partir do século XIX, ele prosseguiu: “Sim, houve progresso, mas também houve custos que foram enormes e muito duradouros. Uma centena de anos das mais duras condições de vida para os trabalhadores, redução de salários reais, condições de saúde e de vida muito piores, menor autonomia, maior hierarquia. E a razão pela qual saímos disso não foi alguma lei da teoria económica, mas sim uma luta social a partir da base na qual sindicatos, políticas mais progressistas e, em última análise, melhores instituições desempenharam um papel fundamental – e um redirecionamento da mudança tecnológica afastando-a da pura automação também contribuiu de modo importante".

Estes comentários refletem as conclusões sobre o impacto da tecnologia que Friedrich Engels fez no auge da revolução industrial em meados do século XIX. Naquela época, Engels argumentava que a mecanização eliminava empregos, mas também criava postos de trabalho em novos sectores, ver meu livro sobre a teoria económica de Engels, p. 54-57. Marx também identificou isto na década de 1850: “Os factos reais, os quais são travestidos pelo otimismo dos economistas, são estes: os trabalhadores, quando expulsos da oficina pela maquinaria, são lançados dentro do mercado de trabalho. A sua presença no mercado de trabalho aumenta a quantidade de força de trabalho que está à disposição da exploração capitalista … o efeito da maquinaria, a qual tem sido representada como uma recompensa para a classe trabalhadora, é, pelo contrário, um flagelo terrível. … A partir do momento em que a maquinaria liberta uma parte dos trabalhadores empregados num dado ramo de indústria, os homens na reserva são também desviados para novos canais de emprego e são absorvidos em outros ramos; enquanto isso a vítimas originais, durante o período de transição, na maior parte morrem de fome e perecem”. (Grundrisse). A implicação aqui é que a automação significa aumento das tarefas precárias e a ascensão da desigualdade por longos períodos.

Acemoglu chega a conclusões semelhantes às de Engels e Marx. “Penso que uma das coisas que é preciso fazer como economista é manter em mente em simultâneo duas ideias conflitantes”, diz ele. “Trata-se do facto de que a tecnologia pode criar crescimento ao mesmo tempo que não enriquece as massas (pelo menos não durante um longo tempo). O progresso tecnológico é o mais importante condutor do florescimento humano mas o que tendemos a esquecer é que o processo não é automático”. Sob o modo de produção capitalista para o lucro e não para as necessidades sociais há uma contradição, de modo que modelar matematicamente e entender quantitativamente a luta entre o capital – o qual beneficia-se com a maior parte do avanço tecnológico – e o trabalho não é uma tarefa fácil”. Realmente.

A extensa investigação do próprio Acemoglu sobre a desigualdade e a automação mostra que mais da metade do aumento da desigualdade nos EUA desde 1980 está pelo menos relacionado com a automação, em grande parte decorrente da pressão salarial baixista sobre tarefas que podem ser facilmente cumpridas por um robô. O resultado da automação nos últimos 30 anos tem sido o aumento da desigualdade de rendimentos. Há muitos factores que impulsionam a desigualdade de rendimentos: a privatização, o colapso dos sindicatos, a desregulamentação e a transferência de empregos manufatureiros para o sul global. Mas a automação é um dos importantes. Se bem que a tendência de crescimento do PIB nas principais economias tenha diminuído, a desigualdade tem crescido e muitos trabalhadores – particularmente homens sem licenciatura académica – viram os seus ganhos reais caírem drasticamente.

Além disso, sob o capitalismo, Acemoglu acrescenta que nem todas as tecnologias de automação realmente elevam a produtividade do trabalho. Isto acontece porque empresas introduzem automação principalmente nas áreas que podem promover a lucratividade, como marketing, contabilidade ou tecnologia dos combustíveis fósseis, mas não elevam a produtividade para a economia como um todo ou para atender necessidades sociais. “A Big Tech tem uma abordagem particular para negócios e tecnologia que estão centradas na utilização de algoritmos para substituir humanos. Não é coincidência que companhias tais como a Google estejam a empregar menos de um décimo do número de trabalhadores do que grandes negócios, tais como a General Motors, utilizava no passado. Isto é uma consequência do modelo de negócio da Big Tech, o qual está baseado não na criação de empregos mas sim na automatização dos mesmos”.

Acemoglu considera a automação moderna, particularmente desde a Grande Recessão e a crise do COVID, ainda mais deletéria para o futuro do trabalho. “Dito simplesmente, o portfólio tecnológico da economia americana tornou-se muito menos equilibrado e de um modo que é altamente prejudicial para os trabalhadores e especialmente os trabalhadores de baixa escolaridade”. Ele calculou que mais da metade, e talvez até três quartos, do aumento da desigualdade salarial nos EUA está relacionado com a automação. “Exemplo: os efeitos diretos da deslocalização representam 5-7% das mudanças na estrutura salarial, a comparar com os 50-70% devidos à automação. As evidências não apoiam as visões mais alarmistas de que os robôs ou a IA estão em vias de criar um futuro completamente sem empregos, mas deveríamos estar preocupados acerca da capacidade da economia dos EUA para criar empregos, especialmente bons empregos com remunerações elevadas e oportunidades de construção de carreira para trabalhadores com um diploma de ensino médio ou menos”. A sua análise dos efeitos da automação nos EUA também se aplica às restantes grandes economias capitalistas.

Como Acemoglu certa vez explicou ao Congresso dos EUA:   “A tecnologia americana e mundial é moldada pelas decisões de um punhado de empregas muito grande e muito bem sucedidas, com força de trabalho diminuta e um modelo de negócio construído sobre a automação”. E apesar de os gastos governamentais na investigação da IA terem diminuído, a investigação da IA voltou-se para o que pode aumentar a lucratividade de umas poucas multinacionais, não para necessidades sociais: “os gastos do governo em investigação caíram como fração do PIB e a sua composição mudou em direção a créditos fiscais e apoio a corporações. As tecnologias transformadoras do século XX, tais como antibióticos, sensores, motores modernos e Internet, têm todas as impressões digitais do governo sobre elas. O governo financiou e comprou estas tecnologias e muitas vezes estabeleceu a agenda de investigação. Isto hoje é muito menos verdadeiro”. Aqui está o modelo de negócio para a IA sob o capitalismo.

Acemoglu recusa a política convencional para tratar a desigualdade baseada na tecnologia, tal como o rendimento básico universal, porque “deixa na mesma a distribuição de poder subjacente. Ela eleva aqueles que estão a ganhar e dá migalhas aos outros. Isto torna o sistema mais hierárquico em certo sentido”.

Ao invés: “Penso que as qualificações de um carpinteiro ou um jardineiro ou um eletricista ou um escritor são as maiores conquistas da humanidade e penso que deveríamos tentar elevar essas qualificações e elevar essas contribuições”, diz ele. “A tecnologia poderia fazer isso, mas isso significa usar tecnologia não para substituir estas pessoas, não para automatizar estas tarefas, mas para aumentar a sua produtividade dando-lhes melhores ferramentas, melhor informação e melhor organização”.

Mas ele tem uma crença comovedora na atual administração dos EUA. “Biden é o presidente mais favorável aos trabalhadores desde Franklin D. Roosevelt”. Acemoglu considera que “Precisamos criar um ambiente no qual os trabalhadores tenham voz” – embora não necessariamente na atual estrutura sindical. “Ele olha para o 'modelo alemão' no qual os sectores público e privado e o trabalho 'trabalham em conjunto', ao contrário do regime neoliberal dos EUA.

Mas Acemoglu sugere uma alternativa melhor: “Você lê psicologia evolucionista ou conversa com muitas pessoa que dizem querer ser mais ricas do que você, mais poderosas do que outra pessoas e assim por diante, e assim pensa que este é o caminho. Mas a seguir conversa com antropólogos e eles lhe dirão que grande parte da nossa humanidade vivemos desta maneira igualitária dos caçadores-coletores – então, o que há de mal nisso?” Uma sociedade igualitária em que a automação é utilizada para atender necessidades sociais requer meios de produção automatizados que sejam cooperativos, possuídos em comum. Ao invés de reduzir emprego e as condições de vida dos humanos, a IA sob propriedade comum e planeamento poderia reduzir as horas de trabalho humano para todos. Isto é que seria o divisor de águas real.

Michael Roberts é economista. Co-editor, entre outros livros, de “The Great Recession: a Marxist View”, “The Long Depression” e “Marx 200: a Review of Marx’s Economics 200 years after his Birth”. Autor do blog “The Next Recession” (https://thenextrecession.wordpress.com)

https://www.resistir.info/m_roberts/ia_30mai23.html


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