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Imperialismo “woke”

A cultura “woke”, destituída de consciência de classe e de um compromisso para ficar ao lado dos oprimidos, é outra ferramenta no arsenal do estado imperialista

por Chris Hedges (pt-BR) | The Chris Hedges Report

Brasil 247 - 6 de fevereiro, 2023

https://www.brasil247.com/blog/imperialismo-woke

O brutal assassinato de Tyre Nichols por cinco policiais negros de Memphis deveria ser suficiente para implodir a fantasia de que a política de identidades e diversidade resolverá a decadência social, econômica e política que assedia os EUA. Não só os policiais são negros, mas o departamento de polícia da cidade é chefiado por Cerelyn Davis, uma mulher negra. Nada disso ajudou a Nichols, mais uma vítima de um linchamento moderno da polícia.

Os militaristas, corporativistas, oligarcas, políticos, acadêmicos, conglomerados de mídias defendem as políticas de identidades e diversidade, porque esta nada faz para tratar das injustiças sistêmicas ou o flagelo da guerra permanente que empestam os EUA. Isto é um truque de publicidade, uma marca, usada para mascarar a crescente desigualdade social e a loucura imperial. Isto ocupa os liberais e os educados com um ativismo de butique, a qual não só é ineficaz, mas exacerba a divisão entre os privilegiados e uma classe trabalhadora em profundo sofrimento econômico. Os afluentes repreendem os que nada tem pelas suas más maneiras, insensibilidade linguística e extravagâncias, enquanto ignoram as causas-raiz do seu sofrimento econômico. Os oligarcas não poderiam ficar mais felizes com isso.

Será que as vidas dos Americanos Nativos melhoraram como resultado da legislação mandatória de assimilação e a revogação dos títulos de terras tribais empurradas [na legislação] por Charles Curtis, o primeiro vice-presidente nativo americano dos EUA? Será que estamos melhor na Suprema Corte com Clarence Thomas, que se opõe às ações afirmativas, ou com Victoria Nuland, uma direitista militarista no Departamento de Estado? Será que os militares são mais humanos porque aceitam soldados transsexuais? Será que a desigualdade social e o estado de vigilância que a controla melhoraram devido a Sundar Pichai – que nasceu na Índia – sendo o CEO do Google e Alphabet? Será que a indústria de armamentos melhorou porque Kathy J. Warden, uma mulher, é a CEO da Northop Grumman e uma outra mulher, Phebe Novakovic, é a CEO da General Dynamics? Será que as famílias de trabalhadores estão melhor com Janet Yellen como Secretária do Tesouro, que promove o aumento do desemprego e da “insegurança no emprego” para diminuir a inflação? Será que a indústria do cinema é melhorada quando uma diretora mulher, Kathryn Bigelow, dirige “Zero Dark Thirty”, que um é um filme de agitação e propaganda da CIA? Dê uma olhada neste anúncio de recrutamento publicado pela CIA. Ele resume o absurdo de onde acabamos chegando.

Os regimes colonialistas encontram líderes indígenas complacentes – “Papa Doc” François Duvalier no Haiti, Anastasio Somoza na Nicarágua, Mobutu Sese Seko no Congo, Mohammad Reza Pahlavi no Irã – dispostos a fazer o seu trabalho sujo enquanto exploram e saqueiam os países que eles controlam. Para frustrar as aspirações populares por justiça, a polícia colonial faziam atrocidades rotineiras para benefício dos opressores. Os lutadores indígenas que lutam em apoio aos pobres e os marginalizados são geralmente forçados a sair do poder ou são assassinados – como foi caso do líder independentista congolês Patrice Lumumba e o presidente chileno Salvador Allende. O chefe Lakota Sitting Bull foi fuzilado por membros da sua própria tribo que serviam na força policial da reserva indígena em Standing Rock. Se você fica do lado dos oprimidos, você quase sempre acabará sendo tratado como os oprimidos. É por isso que o FBI, com a polícia de Chicago, assassinou Fred Hampton e foi quase certamente envolvido no assassinato de Malcolm X, que se referia aos bairros urbanos empobrecidos como “colônias internas”. As forças militarizadas de polícia nos EUA funcionam como exércitos de ocupação. Os policiais que mataram Tyre Nichols não diferem daqueles na reserva indígena e das forças coloniais de polícia.

Vivemos sob uma espécie de colonialismo corporativo. As máquinas da supremacia branca, que construíram as formas de racismo institucionais e econômicas que mantém pobres os pobres, obscurecidos por trás de personalidades políticas atraentes como Barack Obama, a quem Cornel West chamava de “um mascote negro de Wall Street”. Estas faces da diversidade são examinadas e selecionadas pela classe dominante. Obama foi preparado e promovido pela máquina política de Chicago, uma das mais sujas e mais corruptas do país.

“É um insulto para os movimentos organizados das pessoas que estas instituições alegam querer incluir”, Glenn Ford, o falecido editor do Black Agenda Report me contou em 2018. “Estas instituições escrevem o roteiro. O drama é deles. Eles escolhem os atores, quaisquer faces negras, marrons, amarelas e vermelhas que eles querem”.

Ford chamou aqueles “representacionalistas” que promovem a política de identidades, que “querem ver algumas pessoas negras representadas em todos os setores, em todos os setores de liderança, em todos os setores da sociedade. Eles querem cientistas negros. Eles querem estrelas de cinema negras. Eles querem acadêmicos negros em Harvard. Eles querem negros em Wall Street. Mas isto é só representação. É isso.”

O pedágio cobrado pelo capitalismo corporativo das pessoas que estes “representacionalistas” alega representar expõe a vigarice. Os afro-americanos perderam 40% da sua riqueza desde o colapso financeiro de 2008, devido ao impacto desproporcional da queda de igualdade de habitação, empréstimos predatórios, execuções de hipotecas e perdas de empregos. Eles têm a segunda taxa mais alta de pobreza, a 21,7%, depois dos nativos americanos e 25,9% e seguidos pelos hispânicos a 17,6% e os brancos a 9,5% – segundo o Bureau de Censo dos EUA e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Desde 2021, as crianças negras e nativo-americanas viveram em pobreza em 28% e 25%, respectivamente, seguidos pelas crianças hispânicas em 25% e as crianças brancas em 10%. Cerca de 30% das pessoas sem casas da nação são afro-americanas, apesar das pessoas negras constituírem cerca de 14% da nossa população. Este número não inclui as pessoas que vivem em habitações dilapidadas e superlotadas, ou vivendo nas casas de familiares, ou de amigos, devido a dificuldades financeiras. Os afro-americanos estão encarcerados a uma taxa cinco vezes maior que as pessoas brancas.

A política de identidade e diversidade permitem aos liberais chafurdar numa superioridade moral enjoativa, quando eles castigam, censuram e desbancam aqueles que não se conformam linguisticamente à fala politicamente correta. Eles são os novos jacobinos. Este jogo disfarça a sua passividade em face do abuso corporativo, do neoliberalismo, da guerra permanente e da redução das liberdades civis. Eles não confrontam as instituições que orquestram a injustiça social e econômica. Eles procuram tornar a classe dominante mais palatável. Com o apoio do Partido Democrata, das mídias liberais, da academia e das plataformas de mídias sociais no Vale do Silício, demonizam as vítimas do golpe de estado corporativo e da desindustrialização. Eles tornam as suas alianças políticas básicas com aqueles que adotam as políticas de identidades, estejam eles em Wall Street ou no Pentágono. Eles são os idiotas úteis da classe bilionária, cruzados morais que ampliam as divisões na sociedade que os oligarcas dominantes fomentam para manter o controle.

A diversidade é importante. Mas a diversidade, quando desprovida de uma pauta política que luta contra o pressor para benefício dos oprimidos, é decoração de vitrine. Trata-se da incorporação de um diminuto segmento dos marginalizados pela sociedade em estruturas injustas para perpetuá-las.

Uma turma para quem dei aulas numa prisão de segurança máxima em New Jersey escreveu uma peça de teatro sobre a vida deles intitulada “Enjaulados”. A peça ficou em cartaz por cerca de um mês no Teatro Passage em Trenton, New Jersey, com a casa cheia quase todas as noites. Subsequentemente, a peça foi publicada pela editora Haymarket Books. Os 28 estudantes da classe insistiram que o agente penitenciário da estória não fosse branco. Isso seria fácil demais, disseram eles. Isto foi um fingimento que permite às pessoas simplificarem e mascararem o aparato opressivo dos bancos, das corporações, da polícia, dos tribunais e do sistema penitenciário – todos os quais contratam diversidades. Estes sistemas de exploração e opressão internas devem ser visados e desmantelados, não importa que eles empregam.

O meu livro “Our Class: Trauma and Transformation in an American Prison usa a experiência de escrever a peça de teatro para contar as estórias dos meus alunos e transmitir a sua profunda compreensão das forças e instituições repressivas organizadas contra eles, as suas famílias e as suas comunidades. Vocês podem ver a minha entrevista em duas partes com Hugh Hamilton sobre o livro “Our Class” aqui e aqui.

A última peça de teatro de August Wilson, “Radio Golf”, prognosticou para onde estavam indo as políticas de diversidades e identidades desprovidas de consciência de classe. Na peça, Harmond Wilks, um desenvolvedor imobiliário educado na Ivy League, está prestes a lançar a sua campanha eleitoral para se tornar o primeiro prefeito negro de Pittsburgh. A sua esposa, Meme, está sendo considerada para se tornar a secretária de imprensa do governador. Navegando o universo do homem branco de privilégios, acordos de negócios, busca de status e o jogo de golfo do country club, Wilks deve higienizar e negar a sua identidade. Roosevelt Hicks, colega de quarto de Wilks na faculdade de Cornell e é um vice-presidente do Melon Bank, é o seu parceiro de negócios. Sterling Johnson, cujo bairro Wilks e Hicks estão fazendo lobby para que a cidade declare como arruinado, para que eles possam demoli-lo para erguer o seu projeto multimilionário de desenvolvimento, conta Hicks:

“Você sabe o que você é? Eu levei um tempo para entendê-lo. Você é um negro. As pessoas brancas ficarão confusas lhe chamarão de ‘nigger’, mas eles não o sabem como eu o sei. Eu conheço a verdade disso. Eu sou um ‘nigger’. Os negros são a coisa pior das criaturas de Deus. ‘Niggers’ têm estilo. Negros não têm. Um cão sabe que é um cão. Um gato sabe que é um gato. Mas um negro não sabe que é um negro. Ele pensa que é um homem branco.”

Forças predatórias terríveis estão comendo o país todo. Os corporativistas, os militaristas e os mandarins políticos que os servem são o inimigo. Não é tarefa nossa torná-los mais atraentes, mas de destruí-los. Dentre nós há lutadores pela liberdade genuínos de todas as etnias e procedências, cuja integridade não lhes permite servir ao sistema de totalitarismo invertido que destruiu a nossa democracia, empobreceu a nação e perpetuou as guerras sem fim. Quando serve aos oprimidos, a diversidade é um ativo, mas esta é uma vigarice quando serve os opressores.

Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Chris Hedges, repórter laureado com Prémio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Formou-se na Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente no exterior do The New York Times. Hedges é autor de 12 livros, entre os quais War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on America o best-seller (New York Times), Days of Destruction, Days of Revolt (2012), do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle.

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