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Inteligência artificial: bem público ou privado?

por Michael Roberts (pt-BR) | The Next Recession

eleuterioprado.blog - 7 de dezembro, 2023

https://eleuterioprado.blog/2023/12/07/inteligencia-artificial-bem-publico-ou-privado/

A demissão chocante de Sam Altman, o fundador da OpenAI, pelo próprio conselho da empresa que fora criada por ele, revela as contradições emergentes no desenvolvimento desse tipo de tecnologia. A crise atinge a ChatGPT, mas também outros empreendimentos de “inteligência artificial generativa”, os quais estão impulsionando a atual revolução no campo da inteligência artificial (IA).

Será que a IA e esses modelos de aprendizagem de idiomas (também chamados de LLM) trarão benefícios novos, maravilhosos, para as nossas vidas, reduzindo as horas de trabalho e elevando nosso conhecimento a novos patamares de esforço humano? Ou a IA generativa levará ao aumento do domínio da humanidade pelas máquinas, assim como a uma desigualdade ainda maior de riqueza e renda, à medida que os proprietários e controladores da IA se tornam “vencedores que levam tudo”, enquanto o resto da humanidade é “deixado para trás”?

Parece que o conselho da OpenAI demitiu seu líder “guru” Altman porque ele tinha “conflitos de interesse”, ou seja, Altman queria transformar a OpenAI em uma enorme operação de geração de dinheiro apoiada por grandes empresas (a Microsoft é o atual financiador), enquanto o resto do conselho continuou a ver a OpenAI como uma operação sem fins lucrativos com o objetivo de espalhar os benefícios da IA para todos com as devidas salvaguardas sobre privacidade, supervisão e controle.

O objetivo original da OpenAI era ser um empreendimento sem fins lucrativos criado para beneficiar a humanidade – e não os acionistas. Mas parece que a cenoura verde dos enormes lucros estava levando Altman a mudar esse objetivo. Mesmo antes, Altman havia construído um negócio separado baseado na comercialização de chips de IA que o tornara um novo rico. Sob a sua direção, a OpenAI desenvolveu um braço de negócios “com fins lucrativos”, permitindo que a empresa atraísse investimentos externos e comercializasse seus serviços.

Eis o que disse o Financial Times: “essa estrutura híbrida criou tensões entre as duas “tribos” na OpenAI, como Altman as chamou. A “tribo” de segurança, liderada pelo cientista-chefe e membro do conselho Ilya Sutskever, argumentou que a OpenAI deve manter seu propósito fundador. O seu objetivo seria desenvolver com o cuidado necessário os mecanismos de inteligência artificial. A “tribo” comercial parecia deslumbrada com as possibilidades desencadeadas pelo sucesso do ChatGPT e queria acelerar (ou seja, ganhar mais e mais dinheiro). A tribo da segurança parece ter vencido por enquanto.

Altman não é um cientista; afigura-se mais como um grande homem de ideias, um empreendedor na tradição de Bill Gates (com a Microsoft). Sob Altman, a OpenAI foi transformada em oito anos de uma empresa de pesquisa sem fins lucrativos em uma empresa capaz de gerar cerca de US$ 1 bilhão de receita por ano. Os clientes vão do Morgan Stanley à Estée Lauder, Carlyle e PwC.

O sucesso fez de Altman o embaixador de fato da indústria de IA, apesar de sua falta de formação científica. No início deste ano, ele embarcou em uma turnê global, reunindo-se com líderes mundiais, startups e reguladores em vários países. Altman falou até mesmo na cúpula regional da Apec Ásia-Pacífico em São Francisco, apenas um dia antes de ser demitido.

Altman aparentemente tem “uma ambição feroz e uma capacidade de angariar apoio”. Ele foi descrito como “profundamente, profundamente competitivo“. Parece ser um mentor” – um sujeito que tem uma mente privilegiada voltada – alguém que o conhece bem vaticinou – para acumular poder melhor do que nenhuma outra. Como resultado, ele tem sido “cultuado” pelos 700 funcionários de sua empresa. Diante do episódio, a maioria desse grupo assinou uma carta exigindo a sua reintegração, assim como a renúncia dos representantes da “tribo” de segurança no conselho da empresa.

A OpenAI gastou meio bilhão de dólares no desenvolvimento do ChatGPT. Estava prestes a lançar uma venda de ações no valor de US$ 86 bilhões antes da divisão no conselho em duas “tribos”. Essa operação teria permitido que a abordagem sem fins lucrativos tivesse continuidade. Agora, com Altman e outros que lhe são associados se juntando à Microsoft como funcionários dela, parece que a OpenAI pode ser engolida por essa firma gigante por uma ninharia. Assim, a missão pressuposta de que se estaria criando uma empresa “sem fins lucrativos” encontraria o seu fim.

O que tudo isso mostra é que uma ilusão está se transformando numa desilusão. Qual seja ela, a fantasia de que a revolução da IA e da tecnologia da informação será desenvolvida por empresas capitalistas em benefício de todos. O lucro vem em primeiro, em segundo e mesmo em último lugar – qualquer que seja, aliás, o impacto na segurança e nos empregos que a tecnologia de IA possa ter para a humanidade nas próximas décadas.

Alguns temem que a IA se torne “semelhante a Deus”, ou seja, uma superinteligência que passa a se desenvolver de forma autônoma, sem supervisão humana e, eventualmente, controlando a humanidade. Até agora, a inteligência artificial e os algoritmos de aprendizagem linguística (AI e LLM em suas siglas em inglês) não exibem essa “superinteligência”. Como já argumentei em outras postagens no meu blogue The next recession, essas tecnologias não podem substituir o poder imaginativo do pensamento humano. Mas eles podem aumentar enormemente a produtividade, diminuir as horas de trabalho e desenvolver novas e melhores maneiras de resolver problemas se colocados em uso social.

O que está claro é que o desenvolvimento de IA não deve estar nas mãos de empreendedores “ambiciosos” como Altman ou controlados por gigantes da tecnologia como a Microsoft. O que é necessário agora é a criação de um instituto de investigação internacional, não comercial, semelhante ao CERN em física nuclear. Se algo requer propriedade pública e controle democrático no século XXI, é sobretudo a IA, ou seja, a inteligência maquínica. Eis que ela pode substituir os mercados e, assim, a supressão da máquina por excelência do capital.

Traduzido por Eleutério F S Prado

Michael Roberts é economista. Co-editor, entre outros livros, de “The Great Recession: a Marxist View”, “The Long Depression” e “Marx 200: a Review of Marx’s Economics 200 years after his Birth”. Autor do blog “The Next Recession” (https://thenextrecession.wordpress.com)

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