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SS e a sua trupe de prestidigitadores

Tornou-se um delito de opinião associar o nazi-banderismo ao nazismo hitleriano que lhe serviu de ovo. O regime de Kiev ganhou estatuto de “democrático” e ai de quem se atreva a dizer o contrário.

por José Goulão (PT)

AbrilAbril - 18 de maio, 2023

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Nós libertámo-los… Eles nunca nos perdoarão por isso

(Gueorgui Jukov, marechal soviético, herói das batalhas de Leninegrado, Stalinegrado, Kursk e de recuperação da Ucrânia, comandante das tropas da URSS que entraram em Berlim em 1945)

As palavras irónicas contidas nesta frase do lendário marechal Jukov, a quem se devem vitórias heróicas e decisivas, como as de Stalinegrado e Kursk, que proporcionaram a travagem da ofensiva das tropas hitlerianas para leste e o princípio do fim do pesadelo nazi, são de uma actualidade flagrante e certamente sentidas como insultuosas por quem não consegue, não tenta ou não quer colocar-se fora do redil onde vigora a opinião única sobre o que se passa no mundo. A qual omite, quando não inverte, o papel determinante, insubstituível, decisivo da União Soviética no esmagamento da Alemanha nazi.

Jukov e os seus camaradas que comandaram o Exército Vermelho e o povo soviético na defesa do país, na resistência às hordas invasoras – que pareciam imparáveis – e acabaram a persegui-las até à rendição na capital alemã, libertando pelo caminho infernais campos de morte, viraram o sentido da Segunda Guerra Mundial. Tornaram possível que os países da frente ocidental fizessem a sua parte no arranque para a vitória total.

Até então, devido à prioridade dada por Hitler à frente leste, as elites dos aliados ocidentais foram moldando as suas estratégias em função dos acontecimentos na Operação Barbarossa contra a União Soviética; como hoje se percebe, no círculo dos poderes ocidentais havia quem desejasse que os hitlerianos concretizassem aquilo que eles próprios muito ambicionavam (e ambicionam) – a desagregação da União Soviética, da Rússia. Um objectivo replicado através da História, acumulando insucessos desde o séc. XIII, quando suecos e alemães esbarraram contra Alexandre Nevsky; ou em 1812, quando Napoleão bebeu champanhe em Moscovo e depois “foi a pé para Paris”, recorrendo à imagem preciosa do major-general Agostinho Costa; e também na primeira metade dos anos quarenta do século passado, quando os nazis acabaram derrotados e perseguidos até Berlim.

No lado soviético ficaram 26 milhões de mortos (26 milhões, é possível imaginar a dimensão dessa carnificina, duas vezes e meia a população de Portugal?), além da destruição de grande parte de um país que ainda estava em construção. Nos territórios da antiga União Soviética é praticamente raro ainda hoje encontrar uma pessoa que não tenha perdido pelo menos um parente na tragédia. E nenhum país foi amputado, nem de perto, de tantos dos seus cidadãos.

Por isso, passados que são quase 80 anos, os russos e alguns outros povos que estiveram integrados na União celebram a vitória como nenhuns outros. Para eles não foi a “Segunda Guerra Mundial” mas a Grande Guerra Pátria ou Patriótica. A derrota imposta ao nazismo permitiu a sobrevivência das suas nações: não foi apenas uma guerra, foi um combate existencial. Tal como hoje.

A consciência vívida dessa memória torna compreensível que os russos se sintam acossados porque nos últimos 25 anos têm vindo a ser cercados pelo maior aparelho militar mundial e também, mais recentemente, pelo recrudescimento do nazi-fascismo nas suas vizinhanças; ao mesmo tempo que, na Europa e na América do Norte, se manifestam ainda com maior intensidade os sentimentos de russofobia, uma degeneração xenófoba que nada tem de rigorosamente justificável à luz da nunca comprovada ameaça militar ou económica por parte da Rússia.

As imensas riquezas naturais, energéticas e de capacidades humanas do país, essas sim são cobiçadas pelas oligarquias e respectivos serventuários políticos e militares do chamado Ocidente global através de uma mistificação apresentada segundo contornos indisfarçáveis de cruzada política, democrática e civilizacional. O assalto em termos políticos e económicos ao espólio da União Soviética funcionou durante os anos noventa do século passado por um período demasiado curto para satisfazer as ganâncias imperiais, pelo que a opção militar começou a tornar-se ostensiva e associada a intenções confessadas de mudar o regime político de Moscovo e desmantelar o país em várias entidades “independentes”. Afinal, o velho desígnio ocidental de extirpar o cancro russo mantém-se vivo apesar dos seus vetustos oito séculos, desde a Idade Média aos tempos da “pós-verdade”. Como previu o marechal Juvkov, limitando-se a ler a História, “nós libertámo-los… Eles não nos perdoarão”. Podendo acrescentar-se, sem deturpar o sentido do raciocínio, que “eles não desistirão”.

Em suma, os russos, tendo presentes as suas entranhadas memórias, somaram dois e dois, sobretudo a partir do momento em que os Estados Unidos e a União Europeia tomaram conta da Ucrânia, em 2014, aplicando uma estratégia golpista para restauração operacional e do protagonismo de correntes políticas e terroristas que historicamente engendraram uma independência ucraniana à boleia da invasão nazi da União Soviética. À aposta ocidental sub-reptícia no nazismo alemão para liquidar a URSS sucede hoje a reactivação do nazi-banderismo de inspiração hitleriana como tropa de choque para provocar uma guerra que culmine, desejam os seus mentores, no desmembramento da Rússia. Uma continuação, afinal, do desmembramento da União Soviética em 1991.

É fundamental perceber, para uma leitura abrangente e objectiva do que está a acontecer nesta guerra entre a NATO e a Rússia, que a reimplantação fronteiriça do nazismo – na Ucrânia e em países bálticos – desperta as mais negras memórias entre os russos, determinando inevitavelmente que se mobilizem, respondam e actuem. Não existem, por isso, quaisquer dúvidas sobre quem provocou quem.

No entanto, tornou-se um delito de opinião, um crime imperdoável, associar o nazi-banderismo, ao qual foi outorgada pela NATO a missão de gerir nominalmente a Ucrânia, ao nazismo hitleriano que lhe serviu de ovo; o regime de Kiev ganhou estatuto de “democrático” e ai de quem se atreva a dizer o contrário.

A quina excursionista

Quem não tolera que se manifeste qualquer dissonância em relação à verdade oficial sobre o que se passa na Ucrânia é essa singular figura da classe política portuguesa – melhor dizendo, do federalismo e do natismo – que se chama Santos Silva (ou SS para encurtar espaços), que depois de desempenhar o papel de ministro dos Negócios Estrangeiros como qualquer delegado do Departamento de Estado norte-americano foi promovido a presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado em que isto está, também chamada a “casa da democracia”.

Sem grandes explicações às opiniões pública e publicada, como autêntico dono da democracia na casa da democracia, SS montou uma delegação de cinco membros do Parlamento, contando com ele, para empreender uma gesta solidária ao encontro do regime da Ucrânia Ocidental. Ora tratando-se de uma equipa para visitar as figuras coroadas de um sistema autocrático-democrático sustentado por uma minoria terrorista nazi-banderista, parece mais natural designá-la como “quina”, conceito inspirado na estrutura hierárquica da velha Mocidade Portuguesa propício a que anfitriões e visitantes pudessem conviver em plataformas equilibradas, proporcionando um diálogo fluído e produtivo.

E uma vez que os membros da delegação lusitana foram chamados a cumprir a missão árdua, dir-se-ia impossível, de fundir a ditadura na democracia e vice-versa, parece mais adequado qualificá-los como prestidigitadores. São necessários extraordinários poderes mágicos, talvez nem ao alcance de David Copperfield ou Luís de Matos, para ter êxito em número tão exigente.

Constituiu-se para o efeito uma trupe plural, como seria desde logo aconselhável para compensar um hipotético défice democrático resultante do facto de no outro lado não haver qualquer pluralismo. Seguiram viagem além do presidente, do PS, os deputados Eurico Brilhante Dias (PS), João Paulo de Oliveira (PSD), Cotrim de Figueiredo (Iniciativa Liberal) e Isabel Pires (Bloco de Esquerda). Em princípio, nada a opor. O PS é o PS, expoente da democracia logo grande inimigo da Rússia e amigo incondicional da Ucrânia, ainda que governada por banderistas. Que dizer do PSD? Os namoricos de outrora com os retintos salazaristas e os de hoje com os neo-salazaristas facultam-lhe a possibilidade de estar no mesmo comprimento de onda dos nazis de Kiev. Quanto a Cotrim e respectiva IL, quem melhor do que um admirador de Pinochet, Thatcher e dos sociopatas dos Chicago Boys para confraternizar com os ucranianos afins? Há, porém, quem manifeste estranheza pela presença do Bloco de Esquerda neste grupo excursionista solidário com o regime institucionalmente racista e xenófobo que há nove anos lançou uma limpeza étnica noutra região do país, o Donbass, para erradicar cidadãos “impuros”, “de segunda”; uma região onde, no dizer do ex-presidente Porochenko, as crianças de origem russa “devem estudar em subterrâneos” enquanto os filhos dos verdadeiros ucranianos aprendem “em escolas alegres e com as melhores condições”. Uma réplica da criativa parábola do inatacável democrata Borrel sobre o nosso “jardim” e a “selva” do resto do mundo.

Não há, vistas bem as coisas, nada que estranhar. É patente a confusão entre a designação do grupo, “Bloco de Esquerda”, e a autêntica prática de esquerda. Em política externa, a tentação pelo federalismo e as afinidades com as motivações invocadas pela NATO, já desde os tempos da sangrenta e arrasadora invasão da Líbia, há muito que sintonizaram o agrupamento com a grande irmandade da classe política que usurpou a democracia de Abril. Acresce, como alívio da consciência cívica bloquista, que SS deverá ter executado os procedimentos necessários para que as despesas da viagem a Kiev não saíssem do orçamento do Estado ou dos bolsos dos contribuintes, agora que existe um imenso e generoso saco azul ocidental preenchido com as toneladas de ouro roubado à Venezuela, os 300 mil milhões de dólares em reservas no exterior surripiados à Rússia e pelo menos dez mil milhões de dólares desviados dos fundos do certamente desafogado Banco Central do Afeganistão. Pudemos testemunhar, em vários episódios, a dedicação extremosa de Santos Silva na constituição do precioso tesouro à custa dos marginais que se desviam das regras desta tão democrática e equitativa ordem internacional baseada em regras. Nada como usá-lo para financiar uma nobre excursão ao coração do nazi-banderismo democrático.

É certo que a trupe de prestidigitadores poderia ter sido enriquecida com algumas outras presenças que, sem dúvida, lhe garantiriam valor acrescentado.

Faltou Ventura, por exemplo. Ao que se diz por “castigo” do próprio SS por causa do comportamento arruaceiro dos neo-salazaristas durante a visita de Lula da Silva à Assembleia da República. Reacção injusta, prepotente mesmo do presidente parlamentar, uma vez que os protestos indignados dos deputados neofascistas se deveu a uma defesa intransigente da Ucrânia de Kiev, uma causa ameaçada com a visita de tão perigoso “pacifista”. Dir-se-á, recorrendo aos saberes da Psicologia, que SS teve uma reacção “em espelho” com o seu rival populista da ala direita do hemiciclo. Nessa matéria ambos competem, sem hipóteses, com o venerando Chefe de Estado; é o populismo sarrafeiro contra a sua variante elegante, com “afectos” e um savoir faire que vem do berço. Que melhor prova desse fosso do que a outorga de uma das mais importantes condecorações portuguesas ao presidente do regime ucraniano? Não há competição possível.

Outra omissão desnecessária no grupo excursionista foi a do deputado Tavares, especialista em liberdades. Sem dúvida que a diligência em Kiev desenvolvida em nome da Casa da Democracia poderia, e deveria, ter sido enriquecida com o contributo abalizado, um case study do eminente historiador federalista sobre o banderismo democrático, fusão vanguardista entre o nazismo e a democracia. Enfim, um talentoso prestidigitador indevidamente esquecido.

Talvez por ser pensada à pressa, a delegação não incluiu o caceteiro Mário Machado. Nestas operações, é sempre uma ajuda recorrer a facilitadores que são profundos conhecedores do ambiente de Kiev comandado por entidades como os batalhões Azov, Aidar, Sector de Direita, C-14 e alguns outros. Um tradutor familiarizado com as práticas nazis em nove anos de acção no terreno seria muito útil. Uma falha de SS.

Faltou também Juan Guaidó, esse fascista protegido político de Santos Silva, reconhecido temporariamente como presidente da Venezuela sem ter sequer concorrido a eleições, apenas porque assim o determinou a Casa Branca. Dizer que o actual presidente da Assembleia da República e o governo de que então fazia parte foram coniventes com uma tentativa de golpe em Caracas é um disparate, porque se tratou apenas de tentar repor a ordem democrática para corrigir a decisão equivocada do povo venezuelano ao eleger de maneira legítima e transparente alguém que, segundo as regras do Ocidente global, nunca poderia ser presidente.

Guaidó estaria certamente disponível para a viagem, aborrecido como se sente no exílio em Miami depois de ter sido expulso da Colômbia agora que o seu amigo e comparsa Duque, um dos operacionais da tentativa de golpe, foi apeado por vontade dos colombianos. A propósito, estará SS em condições de informar finalmente os portugueses sobre os resultados do inquérito ao estranho desembarque de Guaidó em Lisboa, num avião da TAP, acompanhado por um familiar transportando engenhos perigosos e inadmissíveis num voo civil? Ou afinal nem sequer se fez o logo prometido inquérito?

Uma missão colonial

As fronteiras da Ucrânia “são as da liberdade e segurança”, sentenciou SS depois do encontro da sua quina com o presidente Volodymyr Zelensky, uma figura com que há sempre muito a aprender em matéria de integridade política porque foi eleito defendendo activamente os acordos de paz de Minsk sabendo que nunca iria aplicá-los, como confessou depois. Na esteira de Merkel, François Hollande e do seu antecessor Porochenko, subscritores de má-fé de um tratado de paz com o objectivo de fazer a guerra, tal como a que aí está.

Liberdade e segurança: dir-se-ia que as mesmas buscadas por Hitler quando as suas tropas foram enviadas para destruir a União Soviética. Além disso, assegurou Santos Silva, a Ucrânia e Portugal são ambos países “europeus e ocidentais”, uma genial e poética imagem de patética transmutação geográfica; e, acrescentou, a Rússia “não tem de sentir-se ameaçada com o alargamento da NATO”. Parece ser um pouco colonial esta mentalidade de dizer aos outros, escaldados com invasões distribuídas por oito séculos, como devem sentir-se quando cercados pelo mais agressivo aparelho militar alguma vez reunido – agora ainda reforçado com a inclusão, de facto, da imensa e vizinha Ucrânia colocada em mãos nazis; mas assim funciona a ordem internacional baseada em regras que faz mover o presidente da Assembleia da República, sempre às ordens de Washington.

O que foi um quase imperceptível tique de colonizador transformou-se logo a seguir numa aberta operação colonial com a qual a quina lusitana ficou comprometida. SS prometeu ao chefe do regime da Ucrânia Ocidental que implicará a “democracia portuguesa” no esforço para fazer mudar a opinião dos países africanos e da América Latina sobre a guerra ucraniana. Parece que eles sentem o assunto “distante” e “apenas europeu”, lamentou Santos Silva, provavelmente incapaz de julgar possível que outros pensem e actuem de maneira soberana, segundo os seus interesses específicos e de acordo com as próprias cabeças.

Sobretudo num momento em que a esmagadora maioria desses países se sentem atraídos pela nova ordem mundial verdadeiramente multipolar em desenvolvimento, propícia para lhes permitir cortar, finalmente e como nunca, as seculares amarras coloniais.

Sobre a mesma matéria, já na última cimeira da NATO a “diplomacia portuguesa” (na verdade, uma ficção) fora incumbida de puxar as orelhas a Moçambique por não ter votado contra a Rússia na Assembleia Geral da ONU. Há realmente mentalidades arrogantes que não mudam, a menos que sejam liminarmente erradicadas pelas vítimas – o que vai acontecendo com uma convicção cada vez mais eficaz. Os chicotes esclavagistas já não estalam como outrora

2 de Maio: a escolha milimétrica

Repescando nos excertos das declarações do chefe e dos prestidigitadores da delegação portuguesa não é possível encontrar qualquer incitamento à realização de negociações e à procura da paz na Ucrânia.

Não era de esperar uma atitude diferente nos círculos maioritários do Parlamento português onde, a exemplo dos outros órgãos de poder actuando globalmente como simples correias de transmissão de Washington/NATO e da União Europeia, a paz só pode ser encontrada quando a guerra terminar com a derrota e a extinção da Rússia. Assim o determinam o tartamudo Biden, Van der Leyen, Borrel e a ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, uma espécie de dona disto tudo, uma dirigente “verde” que tem com a ecologia uma relação similar à do Bloco de Esquerda com a esquerda. O fenómeno ecológico-militarista existe, aliás, há mais de 20 anos, pois já o chefe verde alemão da época, Joschka Fischer, foi um dos principais estrategos da agressão terrorista da NATO contra a Sérvia e da invenção provocatória do Kosovo.

Um dos principais sintomas da rejeição da paz e da aposta na continuação da matança implicitamente manifestados pela delegação parlamentar portuguesa em Kiev foi a coincidência minuciosa da data do início da visita com a da celebração dos nove anos do crime que transformou antagonismos comunitários no conflito armado existente: o massacre de Odessa. Exactamente em 2 de Maio de 2014, poucas semanas depois do golpe fascista de Maidan organizado pelos Estados Unidos, começou uma agressão militar e paramilitar nazi da junta de Kiev (escolhida em Washington) contra a população maioritariamente russófona do Leste e Sudeste da Ucrânia. Uma operação que rapidamente adquiriu as características de limpeza étnica e originou a fuga de milhões de pessoas, sobretudo para a Rússia. E cujo acolhimento humanitário, principalmente das crianças, esteve na origem da zelosa diligência do Tribunal Penal Internacional (TPI) ao ordenar a captura do presidente da Rússia por “crimes de guerra”. Quem lê a história ao contrário jamais se entenderá com ela e corre sérios riscos de ser atropelado pela sua dinâmica.

Nesse dia 2 de Maio, bandos terroristas enquadrados pelos nazi-banderistas do Sector de Direita de Dmytro Yarosh – posteriormente, em 2021, promovido a conselheiro principal do chefe das Forças Armadas, general Valerii Zalushny – atacaram manifestantes na cidade de Odessa que se opunham à junta de Kiev e reivindicavam o federalismo para o país, forçados então a proteger-se no interior da Casa dos Sindicatos. A horda banderista lançou fogo ao edifício, dentro do qual mais de 40 pessoas foram incineradas. Outras perderam a vida depois de, em desespero, se terem lançado através das janelas do edifício, transformadas em tochas humanas. Uma outra foi assassinada nas mãos dos terroristas. Foram 48 as vítimas mortais, sem que ainda ninguém tenha sido punido pelos crimes. Há apenas um acusado de homicídio, mas as sucessivas manobras dilatórias nos tribunais têm evitado qualquer julgamento.

O comandante operacional do atentado foi um alto quadro do grupo nazi Sector de Direita, Dmytro Kotsybaylo, condecorado por Zelensky como “herói da Ucrânia” em 2021, em pleno Parlamento (Rada); faleceu recentemente em Artmovsk, cidade de fundação russa a que o regime de Kiev chama Bakhmut, e provavelmente não foi vítima de causas naturais.

O criminoso comandante nazi-banderista foi enterrado como “herói” e Zelensky compareceu na cerimónia fúnebre. Ignora-se se o presidente da junta de Kiev convidou os visitantes portugueses a visitar o túmulo do carrasco de Odessa, ocasião que poderia igualmente ser aproveitada para depor flores singelas na sepultura do pai e mentor do regime, Stepan Bandera, responsável directo e indirecto por chacinas praticadas contra judeus, polacos, resistentes soviéticos e milhões de ucranianos que fizeram frente à barbárie nazi. Seria um acto chocante? Também a insensibilidade manifesta perante o extermínio de um povo o é.

Mesmo que essas homenagens não tenham sido possíveis, a presença de SS e companhia no Parlamento de Kiev teve um significado equivalente.

Em primeiro lugar deve registar-se que os viajantes prestidigitadores, num golpe de magia negra, fizeram da Assembleia da República uma réplica da Assembleia Nacional, colocando-a ao mesmo nível da câmara legislativa dos visitados. A fraternidade manifestada em relação a uma espécie de União Nacional ucraniana foi como se limpassem o 25 de Abril da Casa da Democracia.

E o presidente da Assembleia da República, perorando como se fora Amaral Netto, o seu antecessor de 24 de Abril de 1974, dirigiu-se a uma assistência da qual foram há muito banidos todos os representantes da oposição mas na qual estão presentes quadros nazi-banderistas disseminados pelos partidos de Zelensky e Porochenko, uma vez que as suas verdadeiras organizações não têm suficiente apoio eleitoral. Como em qualquer ditadura nazi, sustentam o regime através do terror, da repressão e da chantagem conspirativa, usando e abusando da polícia política a la Gestapo, o SBU.

Pelo menos 12 partidos políticos estão proibidos na Ucrânia; e os cidadãos a quem tenham sido detectadas ligações a essas organizações são privados dos direitos cívicos e eleitorais. Entre os partidos proibidos figura o “Socialistas”, que se considera pró-europeu e fez circular uma eufórica mensagem de congratulação quando o PS/Costa conquistou a maioria absoluta nas eleições portuguesas. SS, Brilhante Dias, para já não falar dos restantes membros da equipa da Assembleia da República, não parecem sentir que esta medida de teor salazarista manche a venerada democracia ucraniana, nem mesmo quando as vítimas são encartados compagnons de route.

Na sua oração parlamentar, Santos Silva prometeu que a “diplomacia portuguesa” fará tudo pela integração da Ucrânia na União Europeia e estará mesmo disposta a lutar para “reduzir” os requisitos exigidos, de maneira a facilitar “esta nova dinâmica de alargamento”. Talvez o fim das decisões por unanimidade, como vem sendo reclamado pelos mais democratas entre os democratas e federalistas da UE. Tudo em nome da ditadura “democrática” em vigor na Ucrânia.

Missão cumprida

SS e os seus prestidigitadores regressaram a Portugal provavelmente com a consciência de que cumpriram a missão: garantir o apoio à Junta de Kiev no seguimento, aliás, dos 250 milhões de euros que António Costa retirou aos contribuintes portugueses com elevadas hipóteses de servirem para alimentar o império imobiliário de Zelensky em Londres, Miami e sabe-se lá mais onde, sem contar com as suas contas offshore confirmadas pelas investigações de jornalistas independentes (ainda sobram alguns); e da entrega pelo governo de Lisboa a Kiev de aviões Kamov russos oferecidos por Moscovo para combater incêndios, além de pelo menos dois tanques, ao que parece já coxos; mas o que conta é a intenção ainda que, provavelmente, já tenham sido reduzidos a sucata.

Embora, segundo a confraria política e a máfia mediática corporativa, a democracia ucraniana avance a todo o vapor, nem tudo parece perfeito. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) “detectou alegações de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e incomunicáveis, tortura e maus-tratos perpetrados com impunidade pela polícia ucraniana, principalmente por membros dos serviços secretos SBU”. Andou, provavelmente, mão de Putin na elaboração deste parecer.

Até o Departamento de Estado norte-americano, a chefia de SS, constatou que “a ONU observou deficiências significativas na investigação sobre abusos de direitos humanos pelas forças de segurança do governo (…) e alegações de tortura, desaparecimentos forçados”. Outra vez a mão de Putin?

Embora o tempo fosse pouco, deveria a delegação portuguesa, apesar das suas arreigadas convicções, ter procurado possíveis fontes independentes para se inteirar com maior profundidade da realidade ucraniana. O relatório final da missão, se chegar a ser elaborado, dir-nos-á – ou não – se os deputados portugueses fizeram algum esforço para respeitar essa obrigação.

Saberemos então se SS e acompanhantes se aperceberam de que a Lei dos Povos Autóctones, promulgada por Zelensky, institui um regime racista que favorece, em direitos, os ucranianos puros em relação aos que têm origens familiares noutros países mas são cidadãos nacionais desde a independência, em 1991; de que as línguas minoritárias, designadamente russo, húngaro e romeno, não podem ser ensinadas, estudadas e usadas livremente; de que, além da ilegalização de todos os partidos políticos da oposição, existe na internet uma “lista de pacificação” incluindo os nomes e minuciosos dados pessoais dos “inimigos do Estado”, ficando assim expostos ao terror nazi público, partidário e privado; de que as rádios e TV’s públicas e privadas foram intervencionadas para que tenham uma programação única gerida pela presidência e a polícia política; de que os jornais e outras publicações de oposição ou em línguas que não seja o ucraniano foram proibidos; de que jornalistas, opositores políticos, deputados, sindicalistas e membros de partidos proibidos, além de um participante governamental nas negociações de paz de Istambul, em Março de 2022, foram assassinados ou “desapareceram”; de que existem campos de férias financiados pelo Estado destinados apenas a “crianças brancas” e nos quais é ministrado treino militar associado à doutrina banderista, incluindo a pré-adolescentes; de que milhões de livros, entre eles clássicos mundiais de outras culturas, que não a ucraniana, estão a ser destruídos.

Como é de prever, estas realidades de uma democracia sui generis tão apoiada e acarinhada pelos que se reclamam proprietários dos “nossos valores”, da “nossa civilização” e dos “direitos humanos” a la carte não foram metidas pelos olhos dos deputados portugueses. Estes teriam de ir ao seu encontro, se tivessem vontade, coragem ou integridade para isso. Não é provável, sabendo-se até que Santos Silva não abdicará da última palavra, que os prestidigitadores tenham recorrido às suas artes para investigarem no exterior da redoma nazi, documentando-se de maneira a produzirem testemunhos sérios aos seus colegas e ao país. Se, por absurdo, o fizessem, à luz da doutrina imposta e segundo a qual quem não está connosco está contra nós, não se livrariam de ser alcunhados de putinistas. Observe-se o que aconteceu agora ao professor de Estudos Russos na Universidade de Coimbra: foi acusado com base em bufaria e sumariamente despedido.

Não deliremos, porém, esperando por informações que exponham, nem que seja ao de leve, a crueza da ditadura: para SS, tendo em conta os seus comportamentos políticos, a realidade dos factos é coisa que não conta. A ordem internacional baseada em regras assenta numa virtualidade paralela onde se conjecturam os grandes e pequenos artifícios como esta delegação de prestidigitadores para mascarar e mistificar uma situação que, no limite e tendo em conta os objectivos telúricos confessados pela NATO, põe toda a humanidade em perigo.

Quanto aos portugueses, que arquivem na memória mais um exemplo da degeneração política e da submissão ao império da mentira a que chegou o que resta do país, conduzido pela tal “democracia liberal” sempre pronta a ser conivente com regimes terroristas, ditatoriais e desumanos para acudir aos interesses de castas oligárquicas que odeiam as pessoas.

Ao compasso da História, por esse mundo afora os povos e países começam a conseguir diagnosticar e contornar tanto os velhos como os renovados mecanismos de opressão colonial e imperial emanando dos Estados Unidos e da União Europeia. Daí que estejamos a viver, na Ucrânia, na Síria, na Ásia Ocidental, nos mares do Oriente, em África e na América Latina as turbulências inerentes à extinção de uma ordem mundial unipolar e globalista enquanto outra, multipolar e assente em Estados verdadeiramente soberanos, vai nascendo. Dinâmica que poderá transformar gradualmente uma Europa envelhecida, desindustrializada, alienada pelas roletas do casino financeiro, insuficiente em energia e carente de recursos e matérias-primas numa decrépita península ocidental da imensa Eurásia.

Entende-se, portanto, o pânico de SS e seus pares ao serviço das oligarquias e do neoliberalismo cruel, a maioria deles sem pátria e que naufragam nas águas inquinadas por uma ordem e regras a apodrecer. Um desespero que os leva a agarrar-se às boias do fascismo e do nazismo para que não se extingam privilégios e dominações injustas e seculares. Tal como fizeram há 80 anos.

José Goulão (26 de Junho de 1950) é um jornalista português. Iniciou a actividade em A Capital, em 1974, e trabalhou em O Diário, no Semanário Económico e na revista Vida Mundial, de cuja última série foi director. Foi também director de comunicação do Sporting Clube de Portugal. Fez carreira na àrea de Política internacional , especialmente nas questões do Médio Oriente , sendo os seus comentários nesta matéria frequentemente requisitados por diversos órgãos de comunicação social , como a TSF e o Canal 2: da RTP.

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