Tony Blair deve ser processado
Por John Pilger
Resitir.info - 5 de Agosto, 2010
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Tony Blair deve ser processado, não perdoado como o seu mentor Peter Mandelson. Ambos produziram memórias auto-justificadoras pelas quais lhes foram pagas fortunas. A de Blair aparecerá no próximo mês e ele ganhou com ela £4,6 milhões [€5,2 milhões]. Agora considere a Lei das Receitas de Crime (Proceeds of Crime Act) britânica. Blair concebeu e executou uma guerra de agressão não provocada contra um país indefeso, o que em 1946 os juízes de Nuremberg descreveram como o "supremo crime de guerra". Isto provocou, de acordo com estudos académicos, as mortes de mais de um milhão de pessoas, um número que excede a estimativa das mortes no genocídio de Ruanda elaborada pela Fordham University.
Além disso, quatro milhões de iraquianos foram forçados a fugir dos seus lares e a maioria das crianças caiu na desnutrição e no trauma. As taxas de cancro perto das cidades de Faluja, Najaf e Bassorá (esta última "libertada" pelos britânicos) revelam-se agora mais elevadas do que aquelas em Hiroshima. "Forças do Reino Unido utilizaram cerca de 1,9 toneladas métricas de munições de urânio empobrecido na guerra do Iraque em 2003", disse em 22 de Julho o secretário da Defesa Liam Fox no parlamento. Um conjunto de armas "anti-pessoais" tóxicas, tais como bombas de estilhaçamento, foi empregue pelas forças britânicas e americanas.
Tal carnificina foi justificada com mentiras que foram reiteradamente denunciadas. Em 29 de Janeiro de 2003 Blair disse ao parlamento: "Sabemos de ligações entre a al-Qaida e o Iraque...". No mês passado, o antigo chefe do serviço de inteligência, MI5, Eliza Manningham-Buller, declarou no inquérito Chilcot: "Não há inteligência crível a sugerir aquela conexão ... [foi a invasão] que deu a Osama bin Laden a sua jihad no Iraque". Perguntada em que medida a invasão exacerbou a ameaça de terrorismo para a Grã-Bretanha, ela respondeu: "Substancialmente". As bombas em Londres a 7 de Julho de 2005 foram uma consequência directa das acções de Blair".
Documentos divulgados pelo Supremo Tribunal mostram que Blair permitiu que cidadãos britânicos fossem sequestrados e torturados. O então secretário do Exterior, Jack Straw, decidiu em Janeiro de 2002 que Guantanamo era o "melhor meio" para assegurar que cidadãos do Reino Unidos fossem "mantidos em segurança".
Ao invés de remorso, Blair tem demonstrado uma cobiça voraz e secreta. Desde a sua demissão como primeiro-ministro em 2007, ele acumulou uma quantia estimada em £20 milhões [€ 22,7 milhões], grande parte dela em resultado dos seus laços com a administração Bush. O Comité Consultivo sobre Nomeações de Negócios da Casa dos Comuns, o qual verifica empregos assumidos por antigos ministros, foi pressionado a não tornar pública a "consulta" de Blair sobre acordos com a família real do Kuwait e a gigante petrolífera sul coreana UI Energy Corporation. Ele obtém £2 milhões [€2,27 milhões] por ano a "aconselhar" o banco de investimento americano J. P. Morgan e somas não reveladas de companhias de serviços financeiros. Ele ganha milhões com discursos, incluindo confirmadamente £200 mil [€227 mil] por um feito na China.
No seu papel não pago mas rico de despesas como "enviado de paz" do Ocidente no Médio Oriente, Blair é, com efeito, um porta-voz de Israel, o qual lhe concedeu um "prémio da paz" de US$ 1 milhão [€ 700 mil]. Por outras palavras, a sua riqueza cresceu rapidamente desde que lançou, com George W. Bush, o banho de sangue no Iraque.
Os seus colaboradores são numerosos. Em Março de 2003 o Gabinete ficou a saber bastante acerca da conspiração atacar o Iraque. Jack Straw, posteriormente nomeado "secretário da justiça", suprimiu as minutas relevantes do Gabinete em desafio a uma ordem do Comissário da Informação para divulgá-las. A maior parte daqueles agora a concorrerem pela liderança do Partido Trabalhista apoiaram o crime impressionante de Blair, levantando-se todos em conjunto para saudar a sua aparição final nos Comuns. Quando era secretário do Exterior, David Miliband procurou encobrir a cumplicidade britânica na tortura e promoveu o Irão como a "ameaça" seguinte.
Jornalistas que antes bajulavam Blair como "místico" e amplificaram seus ditos arrogantes agora pretendem que foram críticos seus desde o princípio. Quanto à burla dos media em relação ao público, só David Rose do Observer, para honra sua, pediu desculpas. As revelações do Wikileaks, divulgadas com o objectivo moral da verdade com justiça, têm sido estimulantes para um público alimentado à força para a cumplicidade, o jornalismo de lobby. Prolixos historiadores célebres como Niall Ferguson, que se regozijou com o rejuvenescimento de Blair do imperialismo "iluminado", permanecem silenciosos sobre a "evasão moral", como escreveu Pankaj Mishra, "daqueles pagos para interpretar inteligentemente o mundo contemporâneo".
Será lavagem cerebral pensar que Blair será agarrado pelo colarinho? Assim como o governo Cameron entende a "ameaça" de uma lei que torna a Grã-Bretanha uma paragem arriscada para criminosos de guerra israelenses, um risco semelhante aguarda Blair num certo número de países e jurisdições, pelo menos de ser detido e interrogado. Ele agora é o Kissinger da Grã-Bretanha, que há muito tem de planear as suas viagens para fora dos Estados Unidos com os cuidados de um fugitivo.
Dois eventos recentes dão mais peso a isto. Em 15 de Junho, o Tribunal Penal Internacional tomou a decisão memorável de acrescentar a agressão à sua lista de crimes de guerra a serem processados. Esta é definida como um "crime cometido por um líder político ou militar o qual pelo seu carácter, gravidade e escala constitui uma violação manifesta da Carta [das Nações Unidas]". Juristas internacionais descrevem isto como um "salto gigantesco". A Grã-Bretanha é signatária do estatuto de Roma que criou o tribunal e está obrigada a cumprir as suas decisões.
Em 21 de Julho, o vice-primeiro-ministro Nick Clegg, nos Comuns, declarou ilegal a invasão do Iraque. Apesar da "clarificação" posterior de que estava a falar pessoalmente, ele fez "uma declaração em que o tribunal internacional estaria interessado", disse Philippe Sands, professor de direito internacional no University College London.
Tony Blair veio das classes médias-altas britânicas as quais, tendo-se regozijado na sua untuosa ascendência, pode agora reflectir sobre os princípios de certo e errado que exigem dos seus próprios filhos. O sofrimento das crianças do Iraque permanecerá um espectro a assombrar a Grã-Bretanha enquanto Blair permanecer livre para lucrar.
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=583
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