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Grã-Bretanha coração e alma da evasão fiscal

São exercícios de enorme hipocrisia as afirmação dos epígonos do capitalismo, sejam eles governantes, ou simples epígonos do sistema, que é preciso acabar com os offshore. Como começa por nos dizer Dan Glazebrook o combate daquela gente aos offshore «tem a mesma credibilidade que teria Al Capone afirmar que estava à frente da luta contra o crime organizado»…

Por Dan Glazebrook

ODiario.info - 15/4/2016

http://www.odiario.info/?p=3984

A pretensão do governo britânico de que está a combater a evasão fiscal tem a mesma credibilidade que teria Al Capone afirmar que estava à frente da luta contra o crime organizado. O que efectivamente sucede é que a Grã-Bretanha está no coração da rede global de paraísos fiscais, e continua na frente do combate contra a sua regulação.

Os 11 milhões e meio de documentos da firma de advogados panamianos Mossack Fonseca que foram tornados públicos, provaram, uma vez mais, aquilo que já sabíamos há algum tempo – que o “mundo offshore” de paraísos fiscais é um antro de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal no coração do sistema financeiro global.

Apesar das tentativas dos media ocidentais distorcerem as revelações no sentido de uma estória sobre a “corrupção” de inimigos oficiais – Coreia do Norte, Síria, China e, evidentemente, Putin, que nem sequer é mencionado nos documentos – a verdadeira história é a do persistente cultivo do mundo offshore por parte do governo britânico. Porque, embora a corrupção exista em todos os países, aquilo que a faz florescer e institucionalizar-se é a rede de regimes financeiros ocultos que permite que os maiores criminosos e vigaristas do mundo escapem à taxação, regulação e fiscalização das suas actividades. E essa rede é uma criação consciente do Estado britânico.

Das 215.000 empresas identificadas nos documentos da Mossack Fonseca, mais de metade está sedeada nas Ilhas Virgens Britânicas, um único território a que o perito em paraísos fiscais Nicholas Shaxson chama a “teia de aranha” de mais de uma dúzia de antros de chicana fiscal controlados pela Grã-Bretanha.

Acresce que a Grã-Bretanha se situa no segundo lugar das jurisdições em que bancos, firmas de advogados e outros intermediários associados com os Documentos do Panamá operam, apenas superada por Hong Kong, cujo ambiente institucional é ele próprio uma criação da Grã-Bretanha. E dos dez bancos que mais frequentemente solicitavam à Mossack Fonseca a criação de empresas-fantasma para ocultar as finanças dos seus clientes, quatro são britânicos: HSBC, Coutts, Rothschild e UBS.

O HSBC, recentemente multado em 1,9 milhares de milhões de dólares pelo branqueamento do dinheiro de um dos mais violentos cartéis de droga do México, utilizou a firma panamiana para criar 2.300 empresas offshore, enquanto o Coutts – o banco familiar dos Windsor – montou pouco menos de 500.

E, evidentemente, o pai de David Cameron foi mencionado nos documentos, tendo “ajudado a criar e a desenvolver” a Blairmore Holdings, avaliada em 20 milhões de dólares, desde a sua criação até que morreu, em 2010. A Blairmore, da qual o Cameron júnior era também accionista, estava registada nas Bahamas, e era especificamente publicitada a investidores como um meio de evitar taxação na Grã-Bretanha.

O Daily Mail notou que: “Embora vivesse em Londres, o pai do Primeiro-Ministro saía do país voando para a Suíça ou as Bahamas para reuniões da administração da Blairmore Holdings – para garantir que ela não teria de pagar nem imposto sobre os rendimentos nem sobre a actividade. Contratou um pequeno exército de residentes nas Bahamas, incluindo um bispo em part-time, para assinar a papelada – como forma de evidenciar que a sua firma não se sedeava na Grã-Bretanha.”

Que a Grã-Bretanha suja no centro deste escândalo não constitui surpresa. Porque, tal como Nicholas Shaxson, uma destacada autoridade em paraísos fiscais, colocou a questão quando o entrevistei em 2011, “A City de Londres é efectivamente a patriarca do sistema offshore global.” Embora existam várias listas diferentes dos paraísos fiscais existentes, dependendo da exactidão com que são definidos, em qualquer delas, explica Shaxson, “irá verificar que cerca de metade dos paraísos fiscais mencionados, dos que são relevantes, são de algum modo britânicos ou parcialmente britânicos.” Em primeiro lugar, estão “Jersey, Guernsey e a ilha de Man: as que são dependências da Coroa. São muito no fundamental controladas pela Grã-Bretanha.” Depois estão os Territórios Ultramarinos tal como as ilhas Caimão, Bermuda, e as Ilhas Virgens, nas quais “todos os aspectos efectivamente relevantes são controlados pela Grã-Bretanha.”

Evidentemente que, apresentando todos estes territórios como “autónomos”, o governo britânico se previne com uma desresponsabilização plausível acerca daquilo que lá se passa. Mas a verdade é que eles são dirigidos por um governador nomeado pela Rainha por proposta do governo.

Casey Gill, um dos primeiros advogados a especializar-se em operações offshore explicou como era elaborada a legislação nas Ilhas Caimão: vinham de todo o mundo peritos fiscais e contabilistas e informavam: “são estes os alçapões no nosso sistema. E a legislação das Caimão era elaborada de forma a ajustar-se a isso,” em muitos casos por uma equipa dirigida por Gill, antes de ser enviada ao Foreign Office britânico para aprovação. Shaxson perguntou a Gill se a Grã-Bretanha, que tinha o poder de vetar uma tal legislação, tinha alguma vez levantado quaisquer objecções. “Não,” respondeu, “nunca, em nenhum caso.”

O conjunto da rede controlada pela Grã-Bretanha abriga depósitos offshore que em 2009 eram estimados em 3,2 milhões de milhões de dólares, 55% do total global: o equivalente a cerca de 500 dólares por cada homem, mulher e criança do planeta.

Esta rede emergiu nos anos 1960. Invocando embora um processo de “descolonização” a Grã-Bretanha empenhou-se de facto em permanecer associada a uma ampla rede global de pequenas e pouco populosas ilhas: “O Império Britânico”, escreveu Shaxson, “simulara a sua própria morte.” Estas ilhas iriam servir o mesmo objectivo que o império sempre tivera: a projecção do poder britânico e a transferência de riqueza africana, asiática e latino-americana para a Grã-Bretanha. Mas enquanto algumas destas ilhas, como Diego Garcia e as Falklands, iriam servir como bases avançadas militares cruciais, muitas das outras foram desenvolvidas como meios de facilitação da rapina financeira do anterior universo colonial.

Nas palavras de Shaxson, o papel desses paraísos fiscais é o de “capturar negócios estrangeiros em trânsito e canaliza-los para Londres da mesma forma que a teia de aranha captura insectos”, ao mesmo tempo que funcionam como “filtros de lavagem de dinheiro que permitem à City envolver-se em negócios sujos ao mesmo tempo que lhe proporciona o distanciamento suficiente para que possa manter uma justificação plausível.”

Enquanto a larga maioria da reportagem mediática sobre paraísos fiscais tende a apresentar a Grã-Bretanha como uma “vítima” dos paraísos fiscais a realidade é que, tal como o império cujo lugar assumiram, estas “ilhas do tesouro” proporcionam uma maciça injecção de fundos na “metrópole”, com as Dependências da Coroa, só por si e por exemplo, a proporcionar um financiamento bruto de 332,5 milhares de milhões de dólares em apenas um trimestre de 2009.

E de onde vem este dinheiro? Obviamente, vem de toda a parte do mundo; mas os países europeus e norte-americanos ricos têm estado muito melhor preparados para prevenir ‘fugas de capital’ dos seus territórios do que os países em desenvolvimento. Na verdade, o Banco de Inglaterra teve um cuidado especial, quando estabeleceu a rede global de paraísos fiscais, de proteger a Grã-Bretanha de potenciais impactos negativos.

A Global Financial Integrity estimava, em 2008, que os fluxos de dinheiro ilícito saídos de países em desenvolvimento para paraísos fiscais atingiam cerca de 1,25 milhões de milhões de dólares anuais, aproximadamente dez vezes o montante total da ajuda dos países ricos aos países em desenvolvimento. Enquanto gente como Cameron está mais interessada em gesticular à volta do tema ‘governos africanos corruptos’ do que em examinar o sistema que viabilizou e promoveu essa corrupção, os paraísos fiscais facilitam o saque da riqueza africana por parte dos bancos londrinos. E eles fazem-no porque foi para isso que foram criados – para prosseguir a extorsão colonialista precisamente no momento em que a Grã-Bretanha se via forçada a desfazer-se do grosso do seu império formal.

É este sistema que o governo de Cameron – em diametral oposição com os seus floreados retóricos – está a trabalhar para perpetuar. Na verdade, muito do confronto de Cameron com a europa tem sido motivado precisamente pelo desejo de manter a impunidade da City e da sua rede de paraísos fiscais face a tentativas da UE no sentido de regular o sector bancário.

Tal como o FT reportou esta semana, “David Cameron interveio pessoalmente em 2013 no sentido de enfraquecer uma tentativa da UE de tornar públicos os beneficiários de trusts, criando um possível alçapão que outros países europeus alertaram poderia ser explorado para evasão fiscal.” A Grã-Bretanha assumiu também a primeira linha na oposição a tentativas da UE no sentido de reformas que obrigariam as empresas a pagar impostos nos lugares onde efectivamente realizam a sua actividade. E uma das concessões chave que Cameron conseguiu extorquir da Cimeira da UE em Fevereiro deste ano foi que, em palavras do Telegraph, a Grã-Bretanha “pode agora recorrer a uma excepção de emergência relativamente a legislação da eurozona relativamente à qual tenha ‘argumentado em oposição’, forçando os dirigentes a reter a sua implementação até que as suas preocupações tenham sido atendidas.” O Telegraph refere especificamente tentativas da UE no sentido de impor a taxação de bónus, de introduzir uma taxa sobre Transacções Financeiras, e de “conter os negligentes emprestadores ‘anglo-saxónicos’ que muita gente no continente responsabiliza ainda por terem, em 2009, arrastado a Europa para a crise” como exemplos de regulamentações que a Grã-Bretanha irá agora provavelmente vetar. Por outras palavras a Grã-Bretanha, em vez de estar condicionada na sua acção pela não-cooperação de outros países, é o principal sabotador de quaisquer tentativas para um maior controlo do sector financeiro.

Mas está claro que isto é simplesmente natural. Porque o controlo iria provocar o colapso de todo este criminoso empreendimento.

Dan Glazebrook, jornalista freelancer, tem colaborado, entre outros meios, com Counter Punch, RT,Morning Star, Guardian…

O original encontra-se em: https://www.rt.com/op-edge/338961-cameron-tax-haven-uk-evasion/

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