Plutocracia.com

Bookmark and Share

O Banco Mundial e o FMI na Indonésia: Uma intervenção emblemática

A política do Banco Mundial na Indonésia é emblemática por diversas razões. Combina ingerência nos assuntos internos de um país, apoio a um regime ditatorial responsável por crimes contra a humanidade, apoio a um regime responsável por agressão a um país vizinho (anexação de Timor Leste em 1975) e desenvolvimento de mega projetos que implicam ao mesmo tempo transferências massivas de população, depredação de recursos naturais em benefício de multinacionais e agressões contra populações nativas.

Por Eric Toussaint

CADTM - 2 de Novembro, 2014

http://cadtm.org/O-Banco-Mundial-e-o-FMI-na

Em 1997, a Indonésia sofre as consequências diretas da crise do sudeste asiático, durante a qual as recomendações do Banco Mundial e do FMI vêm agravar ainda mais a crise económica e provocar catástrofes sociais. Aquando do drama do tsunami, o Banco e o FMI não mudam de posição. Os credores mantêm a pressão no sentido do reembolso das dívidas indonésias e impõem uma dose suplementar de ajustamento neoliberal.

Em 1947, o Banco Mundial concede um empréstimo de 195 milhões de dólares à Holanda. É o segundo empréstimo da história do Banco. Duas semanas antes da aprovação desse empréstimo, a Holanda lançou uma ofensiva contra os nacionalistas indonésios que exigiam a independência. Ao longo dos dois anos que se seguiram, as tropas holandesas de ocupação atingiram os 145 000 homens; tratava-se de uma ação de grande envergadura, difícil de esconder. Houve protestos no seio da ONU e nos Estados Unidos, criticando a política holandesa na Indonésia e pondo em causa o Banco Mundial. O Banco responde afirmando que o empréstimo visava a cobrir despesas realizadas na Holanda. Os críticos retorquiam que devido ao caráter intangível do dinheiro, o governo holandês aproveitava esse empréstimo para sustentar o esforço militar na Indonésia |1|.

Os Estados Unidos pressionam a Holanda, a quem concedem um empréstimo de 400 milhões de dólares no âmbito do Plano Marshall, para que conceda a independência à Indonésia. O objetivo era abrir um nova área de investimento e comércio para as empresas norte-americanas. Em 27 de setembro de 1949, a transferência de soberania é assinada. A Indonésia transforma-se numa república e o nacionalista Soekarno é eleito presidente. Soekarno tenta manter o equilíbrio entre as diferentes facções do país, tendo como objetivo o poder pessoal. Após as primeiras eleições, em 1955, Soekarno decide, para assegurar a sua legitimidade, colaborar com o partido comunista (PKI). O PKI conquistou 16% dos votos e o partido de Soekarno, o PNI, 25%.

No plano externo, Soekarno utiliza habilmente os dois blocos da Guerra Fria e consegue manter o equilíbrio até 1963, quando os Estados Unidos, cansados da ajuda da URSS à Indonésia, pedem explicitamente que escolha um lado. É o FMI que exerce o papel de intermediário, propondo uma ajuda financeira estritamente condicionada a uma cooperação estreita. A partir de março de 1963, são iniciadas negociações sobre o empréstimo com os Estados Unidos, o FMI e os países membros da OCDE, mas há uma reviravolta em setembro de 1963, quando a Federação da Malásia é proclamada pelos britânicos, sem consulta prévia. Soekarno interpreta isso como uma manobra de desestabilização e responde nacionalizando as empresas britânicas, o que provoca a anulação dos acordos concluídos com o FMI. Apesar de tudo, a ONU avaliza a criação da Malásia e Soekarno, não tendo obtido ganho de causa, bate à porta da ONU em 1965.

É o apogeu da Guerra Fria e Soekarno nacionaliza todas as empresas privadas estrangeiras (salvo as companhias petrolíferas). A Indonésia abandona o FMI e o Banco Mundial, em agosto de 1965, e o governo de Soekarno decide governar o país de forma independente. É então que o general Mohamed Suharto intervém militarmente, em 30 de setembro de 1965, apoiado por Washington. À frente do exército, reprime massivamente os partidos de esquerda, tendo como principal alvo o PKI: entre quinhentos mil e um milhão de civis são assassinados pela única razão de pertencerem ao PKI ou de serem simpatizantes. Em março de 1966, Suharto finalmente consegue que Soekarno lhe transfira oficialmente o poder. Seis dias mais tarde, o governo dos Estados Unidos anuncia a abertura de uma linha de crédito para a Indonésia no valor de 8,2 milhões de dólares, para que o país compre arroz aos Estados Unidos |2|. Em 13 de abril de 1966, a Indonésia adere ao Banco Mundial |3|. Ainda em 1966, Lyndon B. Johnson, presidente dos Estados Unidos, desloca-se em visita às tropas no Vietname e insiste, num dos seus discursos, no modelo indonésio |4|.

Esse modelo, «A Nova Ordem » da era Suharto, utiliza regularmente o terror e a eliminação física e alinha, de facto, a sua política com a dos Estados Unidos.

O Banco Mundial e a ditadura de Suharto

Quando Robert McNamara chega à presidência do Banco, em abril de 1968, constata que a Indonésia (com a China de Mao) é o único país populoso com o qual o Banco não mantém relações significativas. É preciso recuperar o atraso e a sua primeira viagem como presidente do Banco foi à Indonésia, em junho de 1968. McNamara não se sente deslocado: o ditador Suharto está rodeado de economistas formados nos Estados Unidos graças à Fundação Ford |5|.

As relações entre ambos são idílicas : «McNamara e o presidente Suharto admiram-se mutuamente |6|»; « Enquanto os dois se envolviam em discussões políticas diárias, o Banco e o governo comportavam-se como um par de velhos camaradas |7|» ; «Aos olhos do presidente, a Indonésia era a joia da coroa das operações do Banco |8| ».

Além disso, os historiadores do Banco admitem que: «O Presidente Suharto (que assumiu funções em 1967) era um general e o seu governo, em grande parte, era composto por generais, sendo muitos deles corruptos |9|»”.

A Indonésia regressou oficialmente às fileiras do FMI em fevereiro de 1967 e a recompensa não se fez esperar: os países ocidentais concederam imediatamente uma ajuda de 174 milhões de dólares, com o objetivo de resolver a crise indonésia. Logo de seguida, no início dos anos setenta, as boas relações entre a Indonésia, os Estados Unidos e as instituições financeiras traduzem-se numa forte redução de dívida.

De facto, em finais de 1966, 534 milhões de dólares têm de ser reembolsados a título de serviço de dívida (juros, capital e juros de mora), o que representa 69% dos ganhos estimados com as exportações. Sem um reescalonamento, o efeito da ajuda financeira seria anulado pelo serviço de dívida. Os países credores ocidentais aceitaram uma moratória |10| até 1971, referente ao reembolso do capital e dos juros da dívida de longo prazo, contraída antes de 1966. Porém, os efeitos de uma moratória são apenas temporários e, em 1971, o reembolso tem de ser retomado. Assim, os credores assinam um acordo nunca até então concedido a um país do Terceiro Mundo |11|: a dívida contraída antes de 1966 (sob o governo de Soekarno) deve ser paga em trinta anuidades, num período que se prolonga de 1970 a 1999. Os credores aceitam que os reembolsos efetuados pela Indonésia não ultrapassem 6% do rendimento das exportações |12|
. Essa operação chega a anular 50% da dívida |13| .

Redução de dívida, mas também complacência culposa face à corrupção. A partir do momento em que o Banco regressa em força à Indonésia, para apoiar a ditadura militar, os seus representantes tomam consciência da dimensão da corrupção. Porém, Robert MacNamara e o enorme staff do Banco, que se instala permanentemente em Jacarta |14|, decidem não fazer do assunto uma razão de rutura. Portanto, são claramente cúmplices.

O dirigente do Banco, Bernard Bell, levanta a questão dos enormes desvios de fundos, no âmbito da corrupção existente nas mais altas esferas governamentais. A 11 de fevereiro de 1972, fala a Robert McNamara de uma corrupção «inaceitável aos olhos de uma parte certamente limitada, mas potencialmente importante do público». E isso é apenas o começo. De facto, o relatório mundial da Transparência Internacional sobre a Corrupção 2004 denuncia um desvio de fundos, levado a cabo por Suharto e pelos seus assessores mais próximos, estimado entre 15 e 35 mil milhões de dólares. O próprio Banco Mundial alimentava a corrupção, porque num dos seus relatórios refere que 20 a 30% dos orçamentos ligados a fundos de desenvolvimento são desviados |15|. O Banco prossegue com os seus empréstimos sabendo perfeitamente que são objeto de desvios.

O caso Pertamina

Nos anos setenta, os rendimentos petrolíferos explodem e os desvios que beneficiam os generais corruptos também. Em 1975, estala uma crise profunda entre os Estados Unidos e a Indonésia. Claro que a invasão e anexação de Timor Leste pela Indonésia, nesse ano, não ocorreu à toa.

Os generais indonésios desenvolveram muito a empresa petrolífera pública Pertamina, a ponto de esta se tornar, em fevereiro de 1975, a maior empresa asiática (excetuando o Japão). O grupo Pertamina não só extrai e refina os hidrocarbonetos, como também possui uma cadeia de hotéis e de petroleiros. A Pertamina melhora a infraestrutura portuária do país, constrói estradas e hospitais. Essa empresa pública tem também atividade no ramo dos seguros, com escritórios em Hong Kong, Los Angeles, Singapura e Tóquio. Exerce um papel chave na estratégia de industrialização e de substituição de importações que os Estados Unidos e, em seguida, o Banco Mundial, cada vez menos apreciam.

Resumindo, a Pertamina incomoda o desenvolvimento das grandes empresas petrolíferas dos Estados Unidos. Consequentemente, aos olhos dos Estados Unidos, é preciso enfraquecer, até mesmo desmantelar a Pertamina. Posto sob pressão, Suharto obedece durante o verão de 1975. Então, Robert McNamara escreve-lhe: « Eu aplaudo a abordagem global e sistemática que adotou para reestabelecer as prioridades que se impõem |16|». Como contrapartida, Robert McNamara promete providenciar um aumento dos empréstimos concedidos pelo Banco Mundial.

É apenas por ocasião da sua última visita à Indonésia, em maio de 1979, que Robert McNamara, em privado, declara: «Também é necessário dar atenção à redução da corrupção. Fala-se muito disso fora da Indonésia e o mundo tem a impressão, certa ou errada, de que essa corrupção é maior do que em qualquer outro país... É como um cancro que devora a sociedade |17| »”.

No entanto, em finais dos anos oitenta, o Banco Mundial mantem ainda o apoio à Indonésia de Suharto a ponto de conceder, na época, um empréstimo sem respeitar (impor) as condições habituais. Em paralelo, e à semelhança, o Banco quer tanto manter boas relações com a China, que não toma as devidas distâncias após a repressão da primavera chinesa em 1989 |18| !

O silêncio do Banco em relação à anexação de Timor Leste

Trinta anos após a invasão de Timor pela Indonésia, alguns arquivos dos Estados Unidos foram abertos ao público. Mostram, sem contestação possível, o que já se suspeitava há muito tempo: foi com a cumplicidade dos governos americano, britânico e australiano que a Indonésia invadiu, em dezembro de 1975, Timor Leste que iria sofrer, durante vinte e quatro anos, uma ocupação sangrenta e violações sistemáticas dos direitos humanos. Segundo esses documentos, desde março de 1975, o Departamento de Estado, então dirigido por Henry Kissinger, avisado dos preparativos indonésios, admite que os Estados Unidos «têm interesses consideráveis na Indonésia e nenhum interesse em Timor». Posto ao corrente das operações especiais que precederam a invasão, o próprio Henry Kissinger diz ao seus colaboradores: « Posso presumir que vão realmente calar a boca sobre esse assunto?». O seu medo era que o Congresso decretasse um embargo à entrega de armas à Indonésia, aliada de Washington na Guerra Fria |19|.

Compreende-se bem que, na época, o Banco não tenha feito alusão, nem tenha feito nenhuma crítica à invasão e anexação de Timor Leste! Submissão aos interesses dos Estados Unidos e de seus aliados, Grã-Bretanha e Austrália, e cumplicidade com a ditadura são constantes no comportamento do Banco.

O apoio do Banco Mundial ao programa de migração |20|

O Banco Mundial colabora ativamente com o sinistro projeto de migração, que, em certos aspectos, constitui um crime contra a humanidade. Trata-se da deslocação – nalguns casos à força – de milhões de pessoas das ilhas de Java e de Sumatra para outras ilhas do arquipélago e da expropriação de terras dos indígenas dessas ilhas.

O Banco Mundial é a principal fonte de financiamento, sobretudo durante os quinze anos que constituem a idade de ouro do programa (1974–1989). Os historiadores reconhecessem essa responsabilidade do Banco: «Em meados e em finais dos anos setenta, o Banco apoiou e deu assistência ao controverso programa governamental de migração oficial e subsidiada de famílias de Java para outras ilhas |21|». Essa contribuição não se limitou apenas a apoio financeiro e técnico. O banco também deu apoio político ao projeto.

Entre 1950 e 1974, o número de pessoas deslocadas pelo governo, no contexto das migrações, atingiu 664 000. Porém, a partir de 1974, com o apoio do Banco Mundial, 3,5 milhões de pessoas foram deslocadas e aproximadamente 3,5 milhões migraram por conta própria. O Banco Mundial contribui diretamente para as deslocações e reinstalações. Por um lado, os seus empréstimos permitem cobrir quase na totalidade a migração «oficial» de 2,3 milhões de pessoas. Por outro lado, esses empréstimos possibilitam «catalisar» a reinstalação de cerca de 2 milhões de migrantes espontâneos.

Embora o Banco Mundial qualifique as migrações como «o maior programa do mundo de reinstalação voluntária», de imediato se percebeu que o programa podia servir também para desembaraçar Java de habitantes indesejáveis. Assim, nas principais cidades javanesas, os «não conformistas», as pessoas idosas, os doentes (inclusive os leprosos), os mendigos e os vagabundos viram-se forçados a desaparecer no campo (onde tinham poucas possibilidades de sobrevivência) ou a juntarem-se à migração. São, então, colocados, durante a noite, em camiões das Forças Armadas e levados para «campos de trânsito», onde recebiam formação com vista à sua reinstalação |22|. O casamento é um critério obrigatório de seleção: as autoridades organizam casamentos forçados entre solteiros antes da partida. De sublinhar que o Banco Mundial participa com frequência nas missões de recrutamento dos sem abrigo e de prisioneiros políticos a fim de os enviar para locais de migração mais distantes e menos apreciados.

Os projetos migratórios mais apoiados pela instituição são aqueles em que as empresas privadas, nacionais e estrangeiras, intervêm diretamente, sendo susceptíveis de incentivar o comércio externo e de atrair ambiciosos investimentos internacionais (incluindo projetos de plantação industrial).

A desenfreada exploração estrangeira de recursos das ilhas exteriores faz-se em benefício do governo central e das empresas exploradoras, porém com grande prejuízo para as populações locais, já que grande parte do habitat e dos meios de subsistência foram destruídos para sempre. As terras das ilhas periféricas eram consideradas «vazias» porque os indígenas que lá viviam, há milénios, não possuíam títulos de propriedade. Essas terras foram, então, declaradas «ao serviço do Estado» e confiscadas à força, a maior parte sem indemnizações. O Banco Mundial apoiou o governo nesses atos de expropriação de terras pertencentes aos indígenas, embora nunca tenha confessado oficialmente.

A migração herda terras que não são destinadas a concessões florestais, cuja característica comum é serem muito pouco produtivas. Para os agentes do governo, encarregues de registar os locais a desbravar, pouco importa se esses locais são cultiváveis ou não. A função deles é colocar num mapa as informações relativas ao acesso ao local, à quantidade de hectares a ser desbravada e à quantidade de famílias que podem ser instaladas.

A floresta – recurso vital para os autóctones em todos os sentidos – desaparece pouco a pouco. Por um lado, devido à ação de empresas florestais e de plantações comerciais e, por outro lado, devido às equipas governamentais encarregues de desbravar os espaços, destinados à agricultura e à instalação de migrantes. Além disso, as empresas mineiras (ver o caso da companhia mineira norte-americana Freeport McMoran |23|) destroem parcelas inteiras de montanha e deitam diariamente nos rios toneladas de minério, poluindo-os irremediavelmente. Sendo essa água o único recurso dos povos autóctones, a situação provoca grandes catástrofes sanitárias. A extração de petróleo ao longo da costa acarreta também grande prejuízo para a fauna e a flora marinhas, fonte de alimentação das populações indígenas.

Os verdadeiros responsáveis são aqueles que conceberam, executaram e financiaram o projeto. Em primeiro lugar, são os poderes públicos indonésios e as instituições internacionais (o Banco Mundial na primeira linha). Mas também alguns governos ocidentais (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Israel...) e as empresas nacionais e estrangeiras que estão envolvidas, em concreto, na realização do projeto. Tanto o desenvolvimento e a proliferação de explorações intensivas de recursos naturais, como o crescimento acelerado de superfícies destinadas às plantações comerciais derivam de programas financiados por empréstimos internacionais. Esses empréstimos são sempre condicionados pela abertura, a todos os níveis, de mercados – fim de barreiras alfandegárias, atração de capital estrangeiro, prioridade às monoculturas de exportação, liberalização e privatização de setores de distribuição de bens e serviços, etc.

No fim dos anos oitenta, proliferam numerosas e virulentas críticas, tanto no exterior como no interior do arquipélago, acusando o Banco Mundial de participar num projeto de dominação geopolítica, de multiplicar os problemas sociais e ecológicos e de não respeitar, nos seus procedimentos, os direitos humanos |24|. De facto, o Banco Mundial exerceu um papel fundamental nesse projeto, cujas consequências são nefastas e irreversíveis: controlo das populações indígenas nas ilhas exteriores e violação do direito de propriedade; custo exorbitante das deslocações face aos resultados (7000 dólares por família segundo estimativas do Banco Mundial |25|), já que, segundo um estudo do Banco Mundial de 1986, 50% das famílias deslocadas vivia abaixo do limiar de pobreza e 20% abaixo do limiar de subsistência; problemas de densidade, que subsistiam em Java; desflorestação em larga escala nas ilhas exteriores…

O Banco Mundial, criticado por todos os lados, decide interromper o financiamento que se destinava a criar novas áreas de migração e a cobrir o custo das viagens dos migrantes. O banco centra, então, os empréstimos no reforço de cidades já existentes |26| e na manutenção de plantações comerciais, portanto, abandonando apenas muito parcialmente a participação no programa.

O Banco Mundial desmente evidentemente todas as alegações feitas pelos observadores críticos. Decide realizar, em 1994, um estudo de avaliação |27| interna dos projetos que financiou para determinar a sua eventual responsabilidade. Nesse relatório, o Banco Mundial admite uma parcela mínima de responsabilidade, dado que o projeto em Sumatra « teve efeitos negativos e provavelmente irreversíveis» para a população Kubu, população nómada cuja sobrevivência repousa nas técnicas de pousio, na caça e na recoleção nas florestas. O auditor destaca que «embora a existência dos Kubu nas áreas do projeto fosse conhecida desde a fase de planeamento do projeto, foram feitos poucos esforços para evitar problemas».

Os empréstimos do Banco Mundial de apoio ao programa de migração têm todas as características de uma dívida odiosa: foram contraídos por um regime despótico, que pôde utilizá-los para fins repressivos; não serviram para promover o bem-estar da população. Consequentemente, essa dívida é nula e inexistente: deve ser anulada. Mas seria insuficiente parar aí. Vimos que o projeto de migração, que o Banco Mundial apoiou, implicava a deslocação forçada de população. O Banco Mundial não pode simplesmente afirmar que não sabia. Foi também cúmplice da violação dos direitos dos povos indígenas, que moravam nas zonas colonizadas pelo projeto de migração. Esses atos muito graves não podem ficar impunes.

A crise de 1997-1998 na Indonésia e as suas consequências

A partir dos anos oitenta e, sobretudo, na primeira metade dos anos noventa, o Banco Mundial e o FMI conseguiram que o governo indonésio liberalizasse as entradas e saídas de capital. Isso colocou a Indonésia (à semelhança das Filipinas, da Tailândia, da Malásia e da Coreia do Sul) à mercê da especulação internacional.

No relatório anual do FMI de 1997, podem-se ler os elogios que o Banco faz às autoridades indonésias: «Os administradores felicitaram as autoridades pelos resultados económicos da Indonésia nos últimos anos, em particular, a redução significativa de pobreza e a melhoria dos indicadores sociais (…).» |28|. Mais à frente, os administradores do FMI elogiam as autoridade indonésias pela «importância dada à manutenção da livre circulação de capitais» |29|, apesar de pouco antes eles próprios terem chamado à atenção para os perigos: « fortes entradas de capital impuseram desafios importantes aos poderes públicos». Prosseguem a análise tecendo elogios às autoridades, deixando entender que elas têm condições para controlar a situação: «a flexibilidade com que as autoridades adaptaram as medidas económicas à evolução da situação foi um dos ingredientes do sucesso e permanecerá um trunfo essencial para enfrentar esses desafios».

Em 1997, uma crise económica e financeira gigantesca eclodiu no sudeste asiático. Iniciada na Tailândia, em fevereiro de 1997, estendeu-se, a partir de julho de 1997, à Malásia, Indonésia e Filipinas. Esses quatro países, citados antes pelo FMI, pelo Banco Mundial e pelos bancos privados, como sendo modelos a seguir devido ao grande grau de abertura ao mercado mundial, às baixas taxas de inflação e ao crescimento acelerado, são incapazes de resistir aos ataques dos especuladores. Entre 2 de julho de 1997 e 8 de fevereiro de 1998, a rúpia indonésia desvalorizou-se 229% em relação ao dólar americano.

Após terem sido elogiados pelo Banco Mundial e principalmente pelo FMI, as autoridades indonésias foram duramente criticadas por darem ainda muito poder ao Estado: um Estado que, além do mais, permitiu indevidamente que as instituições financeiras e industriais privadas se endividassem desmedidamente e especulassem.

A crise do sudeste asiático de 1997 afeta muito a Indonésia. No espaço de menos de um ano, os capitais estrangeiros abandonam o país. O desemprego aumenta em grande escala. Em finais de 1998, segundo dados do governo, 50% da população vive abaixo do limiar de pobreza, estimado na Indonésia a 0,55$ por dia nas cidades e a 0,40$ no campo.

O FMI impõe medidas de «choque» para resolver a crise de 1997. Elas agravam a situação provocando principalmente a falência de grande parte do setor bancário e de inúmeros empresários. O FMI e o Banco Mundial levam o governo a transformar a dívida privada dos bancos em dívida pública. A dívida pública indonésia, que representava antes da crise (1997) 23% do produto interno bruto (PIB), explode literalmente em consequência das políticas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial. De facto, em 2000, a dívida pública atinge 93% do PIB.

Por outro lado, os salários caem: tendo conseguido um aumento de 46% entre 1990 e 1996, perderam 25,1% do seu valor em 1998 |30|.

A população que sofreu profundamente o efeito dessas medidas começa a protestar com vigor. Em 5 de maio de 1988, no contexto dos acordos assinados com o FMI, Suharto acaba com os subsídios sobre os produtos básicos, fazendo com que o preço do querosene, da eletricidade e dos combustíveis aumentem 70%. Isso potencia a enorme mobilização popular que começara alguns meses antes. Quinze dias mais tarde, abandonado por Washington e denunciado pelo povo, Suharto deixa o poder, após trinta e dois anos de regime ditatorial.

A maior parte do orçamento de Estado destina-se ao reembolso da dívida. Em 1999 e em 2000, 50% e 40% respectivamente são destinados ao serviço de dívida. Em 2004, a cifra aproxima-se de 28%. Segundo projeções do ministério indonésio das finanças, o reembolso de dívida pública externa tinha aumentado em 2006, atingindo um pico em 2008 e mantendo-se de seguida a níveis elevados |31|.

Após o drama provocado pelo tsunami, que levou à morte 150 000 pessoas na província indonésia de Aceh, o Banco Mundial e os governos dos países credores afirmaram que dariam provas de generosidade. A realidade é bem diferente: a ajuda, que foi bastante mediatizada no início, é dada de forma caótica e efémera. Ao mesmo tempo que alegavam a concessão de recursos financeiros para a reconstrução, os credores reunidos no Clube de Paris (que dirigiam o Banco Mundial e o FMI) decidiram cobrar juros de mora referentes a parte da dívida que não foi paga em 2005 |32|. Portanto, a moratória concedida pelo Clube de Paris é apenas um simulacro de generosidade, porque os Estados que a aceitaram farão com que as suas populações paguem até o último centavo. O governo indonésio, sob pressão dos credores, impôs um forte aumento (+29 %) no preço do combustível, em 1 de março de 2005, o que provocou um profundo descontentamento popular. O rendimento fiscal resultante desse aumento foi destinado principalmente a cobrir o défice orçamental e o reembolso de dívida |33|.

No que diz respeito ao desenvolvimento humano, diversos indicadores são particularmente inquietantes :

População que vive com menos de 2$ por dia 52,4 %
Esperança de vida à nascença 66,6 anos
Taxa de mortalidade infantil de menores de 5 anos 45 / mil
Partos assistidos por pessoal qualificado 64 %
População vítima de má nutrição 6 %
População sem acesso a água potável 22 %
Taxa líquida de escolarização no ensino primário 92 %
Crianças que chegam ao 5e ano de escolaridade (% de estudantes no 1º ano ) 89 %
Taxa de alfabetização de adultos (acima de 15 anos) 87,9%

Fonte : PNUD, Relatório sobre o desenvolvimento humano 2004

À guisa de conclusão

O povo indonésio encarou com orgulho, após o golpe de estado militar de 1965, a possibilidade de autodeterminar o seu futuro. No entanto, a Indonésia, com a Conferência de Bandoeng de 1955, começava a afirmar-se na cena internacional. A possibilidade de ver um dos países mais populosos do planeta exercer um papel chave na configuração de uma nova ordem mundial levou os Estados Unidos e as instituições de Bretton Woods a apoiar ativamente a ditadura de Suharto.

As opções dessas instituições foram determinadas por fatores políticos e geoestratégicos. O apoio financeiro permitiu que Suharto implementasse políticas contrárias aos direitos humanos. Suharto servia os interesses das grandes potências ocidentais na região e permitia que as multinacionais dos países industrializados dispusessem, sem restrições, dos recursos naturais do país. O Banco Mundial e o FMI foram cúmplices ativos dessas políticas. A classe dominante local apoiou Suharto e não procurou investir no desenvolvimento do país, preferindo ser cúmplice da depredação de recursos naturais do país levado a cabo pelas multinacionais.

A partir da crise de 1997, as medidas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial agravaram a situação económica e provocaram um forte aumento de dívida pública interna e externa. O balanço histórico da intervenção do FMI e do Banco Mundial na Indonésia é um desastre. Em consequência, os créditos que possuem no país deveriam ser por completo anulados. Além disso, o Banco Mundial e o FMI deveriam prestar contas, perante a justiça, por cumplicidade com o regime de Suharto e com os seus projetos, como o de migração que constitui, em diversos ângulos, um crime contra a humanidade.

As dívidas bilaterais, pertencentes a países que apoiaram diretamente a ditadura de Suharto, devem também ser anuladas, assim como aquelas que pertencem a empresas privadas estrangeiras, que participaram na corrupção do regime indonésio, na pilhagem de recursos naturais e na exploração de trabalhadores.

O balanço financeiro de endividamento da Indonésia é completamente negativo em termos de desenvolvimento humano.

Entre 1970 e 2003, a Indonésia recebeu 139 mil milhões de dólares norte-americanos sob a forma de empréstimos destinados aos poderes públicos e pagou 164 mil milhões, ou seja, muito mais. Assim sendo, a dívida pública externa da Indonésia aumentou vinte vezes |34|. Entre 1970 e 2003, o total de reembolsos de dívida era 46 vezes superior ao montante inicial em dívida. A partir de 1985, a Indonésia pagou todos os anos mais do que recebia sob a forma de empréstimos. É a prova irrefutável de que o sistema de endividamento é um mecanismo fatal que faz escoar a riqueza do país.

Tradução: Maria da Liberdade

Notas

|1| Ver Bruce Rich, Mortgaging the Earth, Londres, Earthscan, 1994.
|2| Ver Cheryl Payer, The Debt Trap : The International Monetary Fund and the Third World, Monthly Review Press, 1974.
|3| Ver Devesh Kapur, John P. Lewis, Richard Webb, The World Bank, Its First Half Century, Volume 1 : History, Brookings Institution Press, Washington, 1997.
|4| ARTE, ’Les mercredis de l’histoire : Massacre en Indonésie, Australie, France, Thirteen WNET New York, Arte France,YLE TV2 Documentaires, Australian Film Finance Corporation, Hilton Cordell/Vagabond films production, BFC Productions, c.2001.
|5| Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 467-471
|6| Idem, p. 469.
|7| Ibid, p.470.
|8| Ibid , p. 493.
|9| Ibid , p. 469.
|10| Mais de metade da dívida indonésia foi contraída à URSS, e aceitando uma moratória sobre a sua dívida, os credores ocidentais tornam-se garantes do pagamento da dívida soviética. Para evitar a fuga de capitais para a URSS, aceitam conceder-lhe um tratamento de favor, desde que os soviéticos façam o mesmo. Os soviéticos aceitam porque temem não ser reembolsados de todo, no caso de recusarem.
|11| O novo contrato inclui a cláusula da nação mais favorecida, que implicava pagar a dívida soviética a um ritmo mais rápido.
|12| www.infid.be/Statement-Debt-Swap-Germany.pdf
|13| www.asia-pacific-action.org/statements/infid_beyondmoratorium_110105.htm
|14| “une équipe sur place anormalement étoffée » in Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 495.
|15| Banco Mundial, « Summary of RSI Staff Views Regarding the Problem of ‘Leakage’ from the World Bank Project Budget », agosto de 1997.
|16| Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 491
|17| Excerto do Memorando, Jean Baneta, to files “Meeting with President Suharto, 15 mai 1979” May 22 1979 (“The other country may have been Zaire” “O outro país poderia ser o Zaire”, escrevem os historiadores do Banco Mundial p. 492).
|18| Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 538.
|19| Diário Libération, Paris, 26 de janeiro de 2006.
|20| Esta parte baseia-se largamente na tese de licenciatura (ainda não publicada) de Alice Minette, Anthropologie d’un malentendu. Analyse du projet de développement « Transmigration » en Indonésie et de ses conséquences sur les îles périphériques de l’archipel en général, et sur la Papouasie Occidentale en particulier. Universidade de Liege.Ver também Damien Millet, Eric Toussaint. 2005. Les tsunamis de la dette, cap. 3.
|21| Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. ’The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 489 (ver na nota 60 a referência a uma decisão do Board a esse propósito em janeiro de 1979).
|22| Um desses campos é uma pequena ilha ao largo de Java, donde é impossível escapar, e onde os ditos "indesejáveis" vêm ser-lhes inculcadas as técnicas agrícolas e a ideologia do Estado.
|23| Damien Millet, Eric Toussaint. 2005. Les tsunamis de la dette, pp. 114-115.
|24| Entre as críticas feitas ao Banco sobre os danos e a violação dos direitos humanos provocados pelo seu apoio às ações do governo na Papua Ocidental, as mais conhecidas são: a carta enviada, em 1984, ao presidente do Banco A.W. Clausen pelo Minority Rights Group (Nova York); a condenação pelo World Council of Indigenous People, aquando da sua reunião regional, em 1984; uma petição enviada ao Inter-Governmental Group of Indonesia, em 1984-1985, pelo Australian Council For Overseas Aid e por inúmeras associações de defesa dos direitos dos indígenas. Essas críticas não foram tidas em conta nem pelo governo indonésio nem pelo Banco, que manteve o seu apoio às violações dos direitos dos indígenas na Papua.
|25| Banco Mundial, Indonesia Transmigration Sector Review, citado em Bruce Rich, Ibid.
|26| Este reforço, denominado « Second Stage Development », consiste na melhoria das infraestruturas e das condições gerais de vida nas aldeias de transmigração, bem como na reabilitação de locais que tinham sofrido uma grande taxa de deserção por parte dos transmigrantes.
|27| “Indonesia Transmigration Program : a review of five Bank-supported projects”, 1994 ; “Impact Evaluation Report : Transmigration I, Transmigration II, Transmigration III”, 1994.
|28| FMI. 1997. Rapport annuel 1997, p. 90.
|29| Idem, p. 91.
|30| CNUCED. 2000, p. 65-66.
|31| INFID, ’Achieving Social Justice Through Poverty Eradication, Debt Cancellation and Civilian Supremacy in Post-Tsunami Indonesia, Jakarta, November 16th-19th, 2005, p. 4.
|32| Ver a decisão do Clube de Paris, publicada a 10 de março de 2005, em www.clubdeparis.org
|33| ’Financial Times, edição de 1 de março de 2005.
|34| Cálculos do autor baseados em World Bank, ’Global Development Finance, 2005.

Eric Toussaint é docente na Universidade de Liège, é o porta-voz do CADTM Internacional. É autor do livro Bancocratie, ADEN, Bruxelles, 2014,Procès d’un homme exemplaire, Editions Al Dante, Marseille, 2013; Un coup d’œil dans le rétroviseur. L’idéologie néolibérale des origines jusqu’à aujourd’hui, Le Cerisier, Mons, 2010. É coautor com Damien Millet do livro A Crise da Dívida, Auditar, Anular, Alternativa Política, Temas e Debates, Lisboa, 2013; La dette ou la vie, Aden/CADTM, Bruxelles, 2011. Coordenou o trabalho da [Comissão para a Verdade sobre a dívida pública (11511), criada pela presidente do Parlamento grego. Esta comissão funcionou sob a alçada do Parlamento entre Abril e Outubro de 2015. Após a sua dissolução, anunciada a 12/11/2015 pelo novo presidente do Parlamento grego, a ex-Comissão prosseguiu o trabalho sob o estatuto legal de associação sem fins lucrativos.

http://cadtm.org/O-Banco-Mundial-e-o-FMI-na


Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias

Lista de artigos

e-mail: info@plutocracia.com
http://plutocracia.com/

| Termo de Responsabilidade |