Campo de concentração da banca
Por Valentin Katasonov
resistir.info - 5 de Junho, 2015
http://resistir.info/financas/katasonov_02jun15.html
A notícia de que falo foi publicada em Maio nos media. Não se trata de grande coisa à primeira vista, certamente não algo que impressione. Mas o diabo está nos detalhes. Alguns acontecimentos interessantes tiveram lugar na Escandinávia. O governo dinamarquês propôs isentar certas lojas da obrigação de aceitar pagamentos em papel-moeda (cash) num passo no sentido de deixar o país mais próximo de uma economia "sem papel-moeda". Não será mais exigido que negócios tais como comerciantes de vestuário, postos de gasolina e restaurantes aceitem papel-moeda no próximo ano, declarou em 6 de Maio o governo da Dinamarca. Isto faz parte de um pacote pré-eleitoral de medidas para o crescimento económico destinadas a reduzir custos e aumentar a produtividade dos negócios. Muitas lojas na Suécia não aceitam papel-moeda mas apenas cartões de débito ou de crédito. Agora um comprador com os bolsos cheios de papel-moeda deixará uma loja sueca ou dinamarquesa de mãos vazias.
Não é segredo que em muitos países o papel-moeda está a perder a sua função de meio de pagamento. O papel-moeda representa apenas 10% das transacções em países avançados e 15% dos negócios nos estados do mundo em desenvolvimento [1] .
Bancos e governos promovem o processo. Em alguns estados activistas sociais advogam a ideia de cancelar de todos pagamentos em papel-moeda.
Aqueles que desejam que o papel-moeda se torne uma coisa do passado avançam com os seguintes argumentos. Dizem eles que a transferência para pagamentos sem papel-moeda afastará muitos males da sociedade, como por exemplo: tráfico de droga, terrorismo, escravatura, corrupção, etc. Na verdade, pagamentos em papel-moeda, ou dinheiro sujo, permitem a criminosos esconderem sua identidade. É nisto que se baseia a "economia cinzenta", ou a evasão fiscal. O papel-moeda é excessivamente trabalhoso para emitir, fazer circular e liquidar. Custa 1% do PIB fazer todas estas coisas. A ecologia sofre – é produzida dioxina tóxica quando o papel-moeda é queimado. A ausência de pagamentos em papel-moeda beneficiará o povo. Suas mãos não tocarão notas infectadas por micróbios, não há risco de roubo ou assalto, as pessoas gastam menos tempos em lojas – a lista vai por aí afora...
Muitos países do Ocidente adoptam leis para directa ou indirectamente afastarem o papel-moeda da circulação. Eles impõem limites sobre pagamentos em papel-moeda. Exemplo: a soma que alguém paga de uma vez na Espanha e em França não pode exceder os 3000 euros. O governo francês diz que planeia reduzi-la para 1000 euros, como na Itália. Todos os pagamentos em papel-moeda são regulados pelo governo. Um cidadão da França não pode gastar mais do que 3000 em papel-moeda durante uma semana. Ninguém pode retirar mais do que 10 mil euros da conta bancária sem atrair atenção especial de agências de imposição da lei. Uma soma que exceda um milhar de euros não pode ser convertida numa divisa estrangeira. Tais transacções são estritamente regulamentadas pelo governo. Isto é o exemplo da "democracia monetária" no país que em 1789 declarou a liberdade um valor sagrado.
Os bancos dão a sua contribuição ao processo. Alguns simplesmente recusam-se a receber papel-moeda. Outros estabelecem altas comissões para transferência de dinheiro. Exemplo: em Abril o Chase, o maior banco nos EUA, e uma subsidiária do JP Morgan Chase and Co., juntaram-se na guerra ao papel-moeda. A nova política restringe tomadores de empréstimo de utilizarem papel-moeda para efectuar pagamentos de cartões de crédito, hipotecas, linhas de crédito e empréstimos para automóveis. O Chase vai mesmo ao ponto de proibir a armazenagem de papel-moeda nos seus cofres. Numa carta aos seus clientes datada de 1 de Abril de 2015 relativa ao seu "Acordo actualizado para o aluguer de cofres" ("Updated Safe Deposit Box Lease Agreement", num dos ítens destacados lê-se: "O senhor concorda em não armazenar qualquer papel-moeda ou moedas além daquelas consideradas ter um valor de colecção". O Chase armazenará a sua arma, mas papel-moeda não, por favor!
O processo tem abrangido o transporte público. Uma pessoa que queira pagar em papel-moeda um bilhete de autocarro já não o pode fazer. A opção é comprar um bilhete de subscrição periódica ou enviar uma mensagem SMS para pagar por uma viagem única.
Na Alemanha, Peter Bofinger, economista conhecido, faz campanha pela abolição do papel-moeda. Se a sociedade sem papel-moeda se tornar uma realidade, os mercados para trabalho não declarado e drogas poderiam ser secados. A ideia da sociedade sem papel-moeda é muito popular na Suécia. Acredita-se ali que abolição do papel-moeda seria uma contribuição para o êxito do combate ao tráfico de droga, ao crime, ao terrorismo, etc. Bjorn Ulvaeus, o líder da ABBA – a banda que foi uma lenda da pop music nas décadas de 1970-1980 – é um ardente advogado da ideia. O autor do êxito chamado Money, Money, Money anunciou dois anos atrás que começava um combate contra o papel-moeda. Naquela altura foi anunciado que não haveria bilhetes vendidos contra papel-moeda no museu ABBA em Estocolmo. "Cartões electrónicos e smartphones hoje e, talvez, inventem alguma outra coisa amanhã".
Muitas coisas são inventadas hoje em dia. A Suécia não fica para trás. Este é o país mãe do sistema de pagamentos através da simples leitura óptica (scanning) da palma da mão. Um estudante de engenharia na Universidade Lund, na Suécia, fez isto acontecer – constituindo a primeira companhia conhecida do mundo, a Quixter – ao instalar a técnica de esquadrinhamento das nervuras em lojas e cafés. Ele não perdeu tempo à espera.
Os pagamentos com papel-moeda estão a tornar-se uma coisa rara em praticamente todos os países. Oitenta por cento das transacções nos Estados Unidos são sem papel-moeda e o mercado continua a livrar-se de dinheiro em papel e em moedas. O Payments Council do Reino Unidos declarou recentemente que o número de transacções sem papel-moeda excedera o número de pagamentos em cash. A Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia liberam o processo. Cartões de plástico já não são mais a vanguarda dos meios de pagamento. Na Dinamarca, um em cada três cidadãos utiliza um sistema de pagamento móvel. A MobilePay app permite enviar e receber dinheiro via Iphone, Android e Windows Phone. O serviço está aberto para clientes de bancos dinamarqueses e não dinamarqueses. O utilizador transfere o dinheiro seleccionando o número móvel da pessoa que deve receber o dinheiro. Na Suécia o papel-moeda é utilizado para apenas 3% das transacções [2] . Para comparação: este índice é três vezes mais alto na Europa. O papel-moeda representa 7% das transacções nos Estados Unidos. O campeão é a Coreia do Sul com 2% das transacções em papel-moeda, segundo o World Payments Report. A Suécia gosta de relembrar que o seu país inventou as notas. Em 1661 o Banco de Estocolmo sueco emitiu a primeira nota bancária para compensar uma escassez de moedas de prata. Agora a Suécia aspira ser um pioneiro europeu para finalmente abolir o papel-moeda.
Há razões para acreditar que "os detentores do dinheiro" (banqueiros) providenciam incentivos para acelerar o processo (enquanto fazem o melhor que podem para esconder suas actividades). Por que precisam disto? Bem, talvez persigam um certo número de objectivos.
Em primeiro lugar, desde a década de 1970 as taxas de juro activas (créditos) e passivas (depósitos) têm estado gradualmente a reduzir-se. Taxas de juro negativas surgiram após a crise de 2007-2009. A tendência deixa o povo sem estímulo para manter o dinheiro em bancos. O papel-moeda torna-se preferível. Com transacções 100% livres de papel-moeda os clientes nunca deixarão os bancos.
Em segundo lugar, o dinheiro sem papel-moeda vem do ar. Os meios de pagamentos são o dinheiro emitido pelos bancos centrais. Clientes utilizam dinheiro real para depósitos junto a banqueiros tornando disponíveis algumas unidades da divisa (para cada dólar, libra, etc) como créditos. Isto é uma falsificação em grande escala que se tem verificado desde o século XIX. Ela vem à superfície só no momento de crises financeiras quando multidões de clientes correm a pedir o seu dinheiro de volta e os bancos estão em apuros. Os manuais de economias chamam a isto garantias bancárias incompletas. Quanto menos papel-moeda estiver em circulação, mais vastas oportunidades existem para fazer lucros a partir do ar.
Em terceiro lugar, os possuidores do dinheiro (os principais bancos do mundo, acima de tudo os accionistas do US Federal Reserve System ) acreditam que o seu objectivo primário é alcançar o poder mundial absoluto. A transferência para transacções sem papel-moeda significa a construção do "campo de concentração" global supervisionado pelos banqueiros. Os detentores de contas sem papel-moeda terão seu comportamento e mesmo pensamentos sob controle. Em caso de "desvios" as contas serão bloqueadas. Na prática será uma sentença de morte. O mundo 100% sem papel-moeda tornar-se-á um campo de concentração com prisioneiros remetidos para o outro mundo sem câmaras de gás e sem execuções.
A estrada para inferno está pavimentada com boas intenções, dizem. Vamos recordar o 11/Set. Foi uma acção bem preparada encenada pelos detentores do dinheiro para declarar uma guerra total contra terroristas. Hoje mesmo um cego pode ver que a guerra contra o terror é utilizada para justificar os esforços de Washington para desestabilizar a situação política em diferentes partes do mundo ou, por outras palavras, para implementar a política de caos administrado. A campanha destinada a comutar para transacções sem papel-moeda faz parte do jogo.
O que denominei campo de concentração dos bancos não é algo novo, não há surpresa. Rudolf Hilferding escreveu a respeito há cerca de um século. Era um economista marxista nascido na Áustria, um político e teórico importante do Partido Social-Democrata da Alemanha. Hilferding foi o primeiro a avançar a teoria do capitalismo organizado, ou "capital financeiro", ou sistema bancário concentrado. Ele saudou este sistema de totalitarismo. Rudolf Hilferding acreditou que o capitalismo tradicional evoluiria para um sistema que eliminaria guerras, crises e revoluções. Os bancos comerciais seriam transformados em instituições para executar as funções de manter registos e contabilidade. Esta função é um imperativo para o funcionamento de campos de concentração.
John Coleman, antigo operacional de serviços especiais, continuou a discutir a questão no seu Committee 300 (publicado pela primeira vez em 1991). Ele fala acerca de um grupo todo-poderoso que não responde a ninguém excepto aos seus membros que não conhecem fronteiras nacionais, está acima das leis de todos os países. Ele realmente controla todo aspecto da política, religião, comércio e indústria, banca, seguros, mineração, comércio de droga, indústria petrolífera. Coleman é menos optimista do que o socialista austríaco do século XX. Segundo Coleman, a eliminação de "povo extra" sobre o planeta é um objectivo primário dos detentores do dinheiro. O campo de concentração dirigido por banco pode ser um instrumento perfeito para cumprir a missão.
Isto veio à minha mente quando estava a ler as notícias acerca das recentes "inovações" na Dinamarca e na Suécia.
PS: Chegaram mais notícias depois de ter concluído este artigo. Martin Armstrong informou sobre preparativos de uma reunião secreta em Londres entre representantes do Banco Central Europeu, Federal Reserve System dos EUA e bancos centrais da Suíça e Dinamarca com o objectivo de livrarem-se de qualquer privacidade económica que permaneça ao acabar o papel-moeda. Armstrong é conhecido no mundo dos peritos sobre economia e finanças como um mestre em previsões (ele previu muitas crises, incluindo o incumprimento da Rússia de 1998). Ele está bem informado acerca das tendências no negócio bancário [3] . As agências de notícias mundiais fecharam os olhos e fizeram-se de surdas acerca do evento planeado, comentado apenas por blogs. [4]
A abolição do papel-moeda e a comutação para transacções electrónica estarão no topo da agenda. Não é a utilização de tecnologias electrónicas que e importante, mas ao invés o facto de que não haverá negócios anónimos. Armstrong apresenta mesmo alguns pormenores sobre o suposto evento. Como ele afirma: "Considero extremamente desconcertante que eu tenha sido o único a informar que há uma reunião secreta em Londres onde Kenneth Rogoff da Universidade de Harvard e Willem Butler, o economista chefe do Citigroup, tratarão dos bancos centrais e advogarão a eliminação de todo papel-moeda a entrar em vigor no dia em que não se puder comprar ou vender qualquer coisa sem aprovação governamental". Armstrong considerou a reunião como mais um passo no caminho da eliminação das liberdades restantes e do estabelecimento do totalitarismo económico.
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Valentin Katasonov (nasceu em 5/4/1950) tornou-se professor do Instituto Estatal de Moscou de Relações Internacionais (MGIMO) onde lecionou de 1972 até 1990. É conhecido autor russo no mercado financeiro internacional. É também cientista e escritor respeitado. Doutor em Ciências Econômicas e membro da Academia de Ciências Econômicas e de Negócios da Rússia. Em 1991, escreveu a monografia: “Uma grande potência ou potência ambiental?”; entre 1991-1993 trabalhou como Consultor Econômico da ONU.
No período 1993-1996 foi membro do Conselho Consultivo do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD). Entre 1996 e 2000 foi Vice-Diretor do Russian National Investment Bank. No período de 2001 a 2011 foi Diretor do Departamento de Relações Internacionais para Assuntos de Câmbio, Moedas e Fundos do BERD. A partir de 2012 tornou-se Analista Econômico independente (free-lance).
Escreveu durante a carreira inúmeros livros, ensaios, monografias e artigos publicados em diversos veículos de imprensa.
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Notas:
[1] Para comparação: o índice é 25% no caso da Rússia. É mais alto em alguns outros estado. Na Arménia ultrapassa os 40%.
[2] politrussia.com
[3] armstrongeconomics.com
[4] Paul Joseph Watson. Secret Meeting in London to "End Cash". Central banks aim to institute " governmental approval " for all purchases and sales (May 27, 2015)
http://resistir.info/financas/katasonov_02jun15.html