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Até os Capacetes Brancos foram resgatados da Síria - então estamos prestes a ver a batalha final da guerra?

Graças a Donald Trump, está tudo acabado para os 'rebeldes' da Síria porque eles foram traídos pelos estadunidenses - certamente e finalmente pelo próprio Trump naquelas conversas secretas com Vladimir Putin

Por Robert Fisk | The Independent

Carta Maior - 27 de Julho, 2018

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Ate-os-Capacetes-Brancos-foram-resgatados-da-Siria-u213-entao-estamos-prestes-a-ver-a-batalha-final-da-guerra-/6/41113

Será ela a última batalha? Por três anos, Idlib tem sido o destino de todas as milícias islâmicas em retirada da Síria, o reduto final de todos os combatentes que escolheram continuar a lutar, em vez de render-se ao exército sírio e à força aérea russa — e ao Hezbollah e, em um grau bem menor, aos iranianos.

O general de brigada Suheil al-Hassan, o lendário “Tigre” dos militares sírios — que consegue citar o poeta Mutanabbi de cor mas prefere ser comparado a Erwin Rommel que a Bernard Montgomery — certamente levará suas “Forças Tigre” ao acerto de contas final entre o regime de Damasco e os islamitas inspirados pelos salafistas e armados pelo Ocidente que ousaram tentar (no que sem dúvida falharam) destruir o regime de Bashar al-Assad.

Graças a Donald Trump, está tudo acabado para os “rebeldes” da Síria porque eles foram traídos pelos estadunidenses — certamente e finalmente pelo próprio Trump naquelas conversas secretas com Vladimir Putin em Helsinque, o que talvez seja a mais importante das “incógnitas” daquela conversa somente com tradutores — assim como foram também traídos pelos árabes do Golfo.

Três semanas antes, os estadunidenses tinham dito aos rebeldes do sudoeste da Síria abaixo das Colinas de Golã ocupadas pelos israelenses que eles estavam por sua conta, e que não teriam mais nenhuma assistência militar. Até mesmo os Capacetes Brancos — os heróis socorristas ou os propagandistas da guerra rebelde (façam sua escolha, mas tenham certeza de que logo serão descritos como “controversos”) — foram resgatados com seus familiares das linhas de combate rebeldes pelos israelenses e despachados para ficarem em segurança na Jordânia.

Os israelenses estão um pouco ofendidos por não terem sido agradecidos pelas unidades de defesa civil dos Capacetes Brancos por sua assistência humanitária; mas o que eles esperavam, se atacaram forças iranianas, sírias e do Hezbollah durante a guerra, ofereceram assistência médica aos combatentes islamitas da al-Nusra que vieram até suas linhas de combate e nunca – nem uma vez – bombardearam o ISS? Os Capacetes Brancos querem ser associados com Israel neste momento?

Porém, os israelenses conseguiram o que realmente queriam: uma promessa russa de que os iranianos ficarão bem longe do planalto de Golã ocupado pelos israelenses. É tudo um pouco estranho, já que há pouquíssimas tropas iranianas na Síria — e podem esquecer as bobagens dos “especialistas” de Washington — mas isso combina com a convicção mórbida e teatral de Benjamin Netanyahu de que o Irã é um “laço de terror” em volta do pescoço de Israel. Em todo caso, Putin conhece a realidade da guerra da Síria: as bombas importam, mas o dinheiro também.

Por que outro motivo Putin teria acabado de anunciar um investimento russo de US$ 50 bilhões na indústria de petróleo e gás iraniana? Não será isso simplesmente uma primeira parcela de compensação pelo investimento passado do Irã na guerra da Síria? Um presente do tipo “obrigado, mas agora vocês podem ir embora” de Moscou em troca de um certamente triunfante desfile em Teerã das forças “vitoriosas” do Irã que retornam, vindas de seus deveres revolucionários islâmicos na Síria?

Após seu encontro com Putin no Kremlin há menos de duas semanas, Ali Akbar Velayati, conselheiro sênior de política internacional do “Líder Supremo” Khamenei, concordou que suas conversas “focaram-se na cooperação entre Rússia e Irã... assim como na situação na região, incluindo os acontecimentos na Síria”. E aí está. A economia do Irã recebe apoio, mas ele aceitou as ordens de Putin quanto a sua marcha na Síria.

Sem dúvida isso vem em muito boa hora para os iranianos. Foi um grande choque para mim ver os iranianos ricos e da classe média mais abastada chegando em enxurradas a Belgrado neste mês passado, trazendo seu dinheiro e riquezas ao Ocidente através de um dos poucos países europeus que ainda permitem entrada sem visto aos iranianos sob sanções. Voos baratos vindos de Teerã e outras cidades iranianas estão pousando diariamente na Sérvia, e os hotéis de Belgrado estão cheios de hóspedes falantes de farsi, todos preparados — é de se supor — para novas vidas no Ocidente. A União Europeia, nem é preciso dizer, está ameaçando o presidente da Sérvia no sentido de que se ele não interromper o fluxo dos lucrativos “turistas” iranianos, deixará de vigorar a não exigência de visto para viagens que se aplica aos cidadãos sérvios no restante da Europa.

Enquanto isso, as forças armadas sírias, lutando contra os últimos grupos islamitas que não se renderam nas proximidades de Daraa, também voltarão para a borda da zona de segurança da ONU em Golã onde estavam baseadas antes da guerra civil começar em 2011. Em outras palavras, o “Front Sul” será resolvido, restando somente o Reduto de Idlib e a cidade de Raqqa que permanece sob controle de milícias que ainda são leais — se é que se pode esperar que o sejam por muito mais tempo, uma vez que Trump está delatando-as — aos EUA. Putin provavelmente pode resolver este problema, se é que já não o fez em sua reunião com Trump.

Entretanto, Idlib é uma questão de maiores proporções. Sem dúvida, devemos ver mais conversas de “reconciliação” patrocinadas pela Rússia entre as autoridades sírias e os grupos rebeldes dentro da província. Haverá acordos, privados e públicos, pelos quais aqueles que desejarem voltar a territórios controlados pelo governo poderão fazê-lo. Porém, dado que Idlib contém aqueles islamitas e suas famílias que anteriormente rejeitaram ofertas do tipo em outras cidades — muitos deles foram transportados de ônibus de Ghouta e Yarmouk em Damasco e de Homs e outras cidades onde se renderam, diretamente à província de Idlib — seu futuro parece bastante sombrio.

Todos queremos, é claro, que as guerras tenham uma “batalha final”. Jerusalém e Bagdá – estranhamente – foram as únicas cidades “capitais” inimigas invadidas pelos Aliados durante a Primeira Guerra Mundial. E sabemos que a queda de Berlim para os russos finalizou a parte europeia da Segunda Guerra Mundial. Deixaremos de lado a queda de Saigon por razões óbvias (o lado errado ganhou), e as várias conquistas de “capitais” do Oriente Médio (Jerusalém em 1967, Beirute em 1982, Kuwait em 1990 e Bagdá em 2003), porque todas deixaram legados sangrentos que se mantêm até hoje em dia.

Porém, devemos lembrar-nos de uma coisa. As forças armadas sírias estão acostumadas a batalhas campais. A força aérea russa também está. Certamente, o cerco da al-Nusra do hospital militar Jisr al-Shugour de posse do governo em Idlib — e o massacre de muitos de seus defensores das forças armadas e suas famílias há três anos — é improvável que seja esquecido quando a última batalha começar. Moscou não dará boas-vindas a "casa" na Chechênia a nenhum islamita. E Ancara não vai querer espalhar veteranos de Idlib pelas planícies da Anatólia — especialmente por Erdogan ainda estar obcecado por uma tentativa de golpe “islamita” ocorrida há dois anos, com dezenas de milhares dos supostos apoiadores dela ainda definhando nas suntuosas prisões da Turquia.

O Ocidente certamente não vai ajudar. Há o velho jegue da ONU, suponho, que poderia ser levado para Idlib em uma missão “temporária” de manutenção de paz — mas isso não será bem visto por um presidente sírio que pretende trazer de volta cada quilômetro quadrado do país para controle exclusivo do regime. Uma área de destino ainda menor para os indesejados pode estar disponível se os rebeldes de Idlib forem levados a se encaminhar para o enclave norte de Afrin — já controlado e povoado em grande parte pelos antigos amigos do Isis da Turquia. Certamente, o Ocidente não irá querer os detritos do exército islâmico que ajudou a armar. Asilo político para os Capacetes Brancos provavelmente será a extensão completa de sua generosidade, junto com a usual ajuda a refugiados.

Entretanto, também temos que lembrar que aquelas nações que por tanto tempo procuraram derrubar Assad estarão agora tentando — muito lentamente — reestabelecer alguma forma de relacionamento com o regime em Damasco. Diplomatas franceses, sem mencionar, têm feito viagens turísticas para dentro e fora da Síria a partir do Líbano por quase um ano. Também fizeram isso discretos enviados de outras nações europeias. Os estadunidenses vão querer desempenhar seu próprio pequeno papel — mesmo que seja no estilo Trump e de forma estranha – e então, neste momento crítico, Putin estará à mão.

Mas e quanto aos cinco milhões de refugiados sírios cujos países anfitriões — europeus, é claro, mas também Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque, Kuwait e Egito — adorariam que fossem para “casa”? E aí está, talvez, a pista para esse “fim de guerra”.

Os russos estão prontos para fornecer garantias de passagem livre para casa para os refugiados — quanto valem essas promessas ainda é uma questão em aberto pelo fato de muitos milhares dos desabrigados terem medo do regime — e reporta-se que os homens de Moscou já chegaram ao Líbano, que acolhe até um milhão e meio de sírios, para conversar sobre a logística. Diz-se que árabes do Golfo — especialmente o Catar — estão interessados em atuar financeiramente para a reconstrução da Síria. Então, se não vão render-se militarmente, poderão os “rebeldes” de Idlib ser comprados? Especialmente pelas nações árabes que os apoiaram em primeiro lugar. Estamos apenas nos primórdios. Porém, todas as guerras terminam. E é aí que a história recomeça

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Robert Fisk é filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times onde trabalhou até 1988 substituindo o correspondente do jornal no Médio Oriente. Mudou para o The Independent em 1989- após uma discussão com seus editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento. Cobriu a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Robert Fisk é o correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.

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