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Precisamos reverter a e marchar nas ruas por uma cultura da humanidade

por Vijay Prashad (pt-BR)

thetricontinental.org - 4 de janeiro, 2024

https://thetricontinental.org/pt-pt/newsletterissue/cultura-de-humanidade/

Queridas amigas e amigos,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Os últimos meses de 2023 abalaram nosso sentimento de esperança e nos lançaram em uma espécie de tristeza mortal. A escalada da violência em Israel já matou mais de 20 mil palestinos até a data de publicação desta carta, destruindo gerações inteiras de famílias. Imagens e testemunhos horríveis da Palestina inundaram todos os meios de comunicação social, provocando um profundo sentimento de angústia e indignação entre grandes setores da população global. Ao mesmo tempo, de acordo com os ziguezagues da história, essa tristeza coletiva foi transformada em força coletiva. Centenas de milhões de pessoas em todo o mundo saíram às ruas dia após dia, semana após semana, para expressar a sua veemente oposição à Nakba Permanente de Israel contra os palestinos. As novas gerações em todo o mundo foram radicalizadas pela luta, pela emancipação palestina e contra a hipocrisia do bloco Otan-G7. Qualquer credibilidade restante da retórica “humanitária” ocidental morreu em 8 de dezembro, quando o vice-embaixador dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Robert Wood, levantou a sua mão solitária no Conselho de Segurança das Nações Unidas para dar o único voto contra uma resolução que apelava a um cessar-fogo em Gaza, utilizando o poder de veto dos EUA para bloquear a medida (esta foi a terceira vez que os EUA bloquearam uma resolução que apelava a um cessar-fogo desde 7 de outubro).

Ao sul da Palestina, em Dubai (Emirados Árabes Unidos), os Estados do mundo reuniram-se para a 28ª Conferência das Partes (COP28) sobre alterações climáticas, de 30 de novembro a 12 de dezembro. As reuniões oficiais pareciam estar guarnecidas por empresas energéticas transnacionais, que estiveram ao lado das antigas potências coloniais ao fazerem pronunciamentos solenes, recusando-se a comprometer-se com a redução do excesso de emissões de carbono. Nenhum dos acordos alcançados em Dubai tem status de lei; são apenas parâmetros de referência que os países não são obrigados a alcançar. “Não viramos a página da era dos combustíveis fósseis”, afirmou o Secretário Executivo da ONU para as Alterações Climáticas, Simon Stiell. A COP28, continuou ele, “é o começo do fim”.

Após 28 anos de mediocridade, seria justo perguntar se Stiell se referia ao fim do mundo e não à era dos combustíveis fósseis. A primeira interpretação é apoiada pelo anúncio do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, em julho, de que “A era do aquecimento global terminou. A era da ebulição global chegou”. Nenhum protesto foi possível na Expo City Dubai, onde foi realizada a COP28. Quando a COP28 terminou, o centro teve de ser esvaziado às pressas porque Winter City precisava ser instalada neste porto deserto, onde o Papai Noel e as suas renas, banhadas em neve falsa, convidam os consumidores a juntarem-se às suas “atividades vitais de missão ecológica”. Longe de Dubai, os manifestantes erguem cartazes que dizem: “O oceano está se levantando e nós também”.

Esses protestos pela Palestina e pelo planeta são um alerta à civilização moderna, impregnada de decadência. A banalidade da desigualdade social e a normalização da guerra desmentem a suposição de que o sofrimento e a morte em massa são controláveis e inaceitáveis. Não são apenas os líderes políticos que falam com voz de ferro, mas também aqueles que produzem elementos da nossa cultura, seja na indústria do entretenimento ou da educação. Conceitos como liberdade e justiça são tratados como abstrações que podem ser ditas aqui e ali, mutilados por pessoas que fazem guerra em seu nome. Na política, no entretenimento, na educação e em outras áreas da vida moderna, esses conceitos são retirados da história e tratados como produtos, tal como os bens produzidos pelos trabalhadores são retirados do seu contexto e tratados como mercadorias. A liberdade e a justiça não são abstrações, mas ideias e práticas nascidas das corajosas lutas de centenas de milhões de pessoas ao longo da história, pessoas comuns que se sacrificaram pelo bem das gerações futuras. Eles produziram essas palavras não para livros didáticos e tribunais, mas para continuarmos a refinar e expandir seu significado em nossas próprias lutas e transformá-las em realidade.

Protestamos para dar significado a esses conceitos, liberdade e justiça, e devolvê-los à sua história autêntica. Compreendemos com grande alegria que a humanidade só será redimida por meio da práxis, o que Karl Marx definiu como a “atividade livre e consciente” que nos permite criar e moldar a realidade que nos rodeia. Defender as próprias crenças não significa apenas tentar mudar uma política, seja para interromper uma guerra ou diminuir a desigualdade social; é recusar radicalmente a cultura da decadência e afirmar a cultura de uma humanidade possível. A práxis não se realiza como a atividade nobre do indivíduo, a vigília solitária conduzida por razões morais que são tão abstratas quanto o uso a-histórico dos termos liberdade e justiça. A práxis só pode inaugurar uma nova cultura se ocorrer coletivamente, produzindo à medida que caminham um alegre conjunto de novas relações e certezas.

O objetivo do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social não pretende ser o arquivista de uma civilização em decadência, mas sim fazer parte da grande corrente da humanidade que – por meio da sua práxis – devolverá uma esperança genuína ao mundo. Nosso instituto, lançado em março de 2018, construiu um conjunto considerável de trabalhos, incluindo mais de 60 dossiês mensais, sem perder prazos. No mês passado vocês receberam nosso 71º dossiê, A cultura como arma de luta: o Medu Art Ensemble e a libertação da África do Sul, que celebrou e destacou a necessidade da produção cultural enraizada na práxis. A eficiência da equipe do Instituto Tricontinental é notável. Trabalham dia e noite para lhe trazer o tipo de material que está ausente do nosso diálogo global. No próximo ano traremos mais doze dossiês sobre os seguintes temas:

  1. O novo clima no Sul Global e a agitação da ordem global, em colaboração com Global South Insights.
  2. O Movimento Científico Popular em Karnataka, Índia.
  3. Nepal e a Millennium Challenge Corporation, em colaboração com a revista Bampanth (The Left).
  4. Quarenta anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil.
  5. Nordeste da Ásia e a Nova Guerra Fria, em colaboração com o Centro de Estratégia Internacional e Basta de Guerra Fria.
  6. Os congoleses e a luta para controlar os seus próprios recursos, em colaboração com o Centre Culturel Andrée Blouin.
  7. Multipolaridade e modelos de desenvolvimento latino-americanos.
  8. A política cultural do movimento Telangana.
  9. Por que a direita avança na América Latina.
  10. As lutas dos trabalhadores sem terra na Tanzânia, em colaboração com o Movimento dos Trabalhadores Agrícolas (MVIWATA).
  11. Corrupção corporativa transnacional na África.
  12. A situação da classe trabalhadora na América Latina.

Seu feedback, como sempre, é essencial.

Cordialmente,

Vijay.

Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano, diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

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