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De Hitler a Bush: o Iraque e o New American Century

por Luiz Alberto Moniz Bandeira

espaçoacademico.com - 1 de abril, 2003

http://www.espacoacademico.com.br/023/23bandeira.htm

“Este será um governo republicano e militar. Entre les deux mon coeur halance sem saber qual o pior. A Wall Street será o Estado-Maior. A reação virá para o mundo destas duas forças conjugadas no maior poderio já alcançado por um povo e na hora mais incerta e insegura para a vida de todos os povos. O capitalismo no poder não conhece limitações, sobremodo as de ordem internacional. O esforço para voltar à ordem mundial é o espetáculo que iremos assistir. A nova ordem, que se iniciava pela libertação dos povos do regime colonial, vai sofrer novos embates. Mas acabará por vencer, mesmo porque este povo, ao que me parece, não está unido no sentido de apoiar esta volta violenta a um passado internacional, que levará inevitavelmente o país à guerra com quase todos os demais povos". (Oswaldo Aranha - 1952)[1]

Em 1933, agentes da Gestapo induziram Marinus van der Lubbe, doente mental e fichado como comunista a empreender o incêndio do Reichstag (Parlamento alemão), conforme a idéia de dois próceres do nazismo, Joseph Goebbels e Hermann Goering, fato esse que permitiu a Adolf Hitler obter poderes extraordinários e implantar a ditadura, legalmente, sem revogar uma linha sequer da Constituição de Weimar[2] . Em 25 de outubro de 1939, pouco antes de invadir a Polônia, Adolf Hitler, falando ao Alto Comando da Wehrmacht, disse: “Darei uma razão propagandística para começar a guerra, não importa se é plausível ou não. Ao vencedor não se pergunta depois se ele disse ou não a verdade”[3] . Ele sabia que uma propaganda para ser efetiva necessita de feitos. E para provar que a Polonia não aceitava suas propostas de paz, ordenou a Himmler-Operation: alemães das SS e Gestapo, fardados como soldados poloneses, atacaram uma estação de radio em Gleiwitz, fronteira de Alemanha. Ai estava a “razão propagandística”. Seu grandioso projeto era estender o domínio da Alemanha do Atlântico aos Urais e de Narvik ao Suez, transformar em realidade o refrão do hino nacional - Deutscheland über Alles[4] - e construir o Grande Império Germânico - III Reich – para durar pelo menos um milênio.


Incêndio do Reichstag - 27 de fevereiro de 1933

Quase 70 anos depois, George W. Bush ganhou a presidência dos EUA, mediante um golpe judicial. O atentado terrorista contra o World Trade Center e o Pentágono (11/09/2001), que a CIA e o FBI, apesar de ter informações nada fizeram para impedir, permitiu que seu governo se legitimasse e ele, seis dias depois (17/09/2001), assinou um documento de duas páginas e meia, classificado como Top Secret, no qual delineou a campanha no Afeganistão, como parte da guerra global contra o terrorismo, e ordenou ao Pentágono que iniciasse o planejamento de opções militares para a invasão do Iraque. Em seguida, não só solicitou e obteve do Congresso poderes para fazer a guerra contra o terror, que começou com o bombardeio e a ocupação do Afeganistão, como tratou montar, gradualmente, um sistema repressivo, violando os direitos civis nos EUA. Após esses feitos, George W. Bush ordenou ao Pentágono a elaboração de planos de contingência para o uso de armas nucleares contra sete países, não somente a Rússia e os que denominou como “eixo do mal” – Iraque, Irã e Coréia do Norte – mas também a China, Líbia e Síria. Em abril de 2002, proclamou então seu propósito de derrubar Saddam Hussein e mudar o regime político no Iraque, em aberrante desrespeito ao princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros países, acordado no Tratado de Westphalia, de 1648. E, no de 1 de junho, falando aos cadetes de West Point, anunciou a mudança na estratégia de segurança nacional dos EUA, substituindo a doutrina de “containment and deterrence” pela de “preemptive attacks”, ou seja, de ataques preventivos e, se necessário, unilaterais, contra grupos terroristas ou países percebidos como ameaça, o que viola o direito internacional moderno, que apenas autoriza o uso da força em defesa própria, para combater ameaças reais, não potenciais, mas não como ação preventiva e antecipada. “The war on terror will not be won on the defensive”- George W. Bush declarou[5] . De fato, ele deixou claro que seu projeto era ampliar e consolidar a hegemonia dos EUA, sobre todas as regiões, remodelando os países, conforme seus interesses econômicos e políticos, ao declarar pretendia estender a paz, evidentemente a pax americana, encorajando “free and open societies on every continent”, e, para não deixar a menor dúvida, acrescentou: “The requirements of freedom apply fully to Africa and Latin America and the entire Islamic world[6].

Não foi sem razão que, quando o presidente George W. Bush intensificou os preparativos para atacar o Iraque, em setembro de 2002, Herta Däuber-Gmelin, ministra da Justiça no governo de Gerhard Schröder, comparou seus métodos com os que Hitler usou, nos anos 30, antes de deflagrar a II Guerra Mundial. Evidentemente, o contexto é outro, a retórica, diferente, mas a essência é a mesma. O atentado terrorista contra as torres gêmeas do World Trade Centar e o Pentágno ofereceu a George W. Bush a “razão propagandística” para declarar a guerra permanente contra o terror, e impor a todos os países, em todos os continentes, inclusive o “Islamic world”, conforme ressaltou para os cadetes de West Point, o que chamou “free and open societies”, ou seja, regimes dóceis e favoráveis aos interesses econômicos e políticos dos EUA. E a fim de prosseguir na consecução de tal objetivo, depois de ocupar o Afeganistão, esqueceu a Al Qaeda e Osama Bin Laden, e empenhou-se na demonização de Saddam Hussein, acusando-o de possuir armas de destruição em massa, sem apresentar provas e evidências consistentes, apenas como “razão propagandística” para começar a guerra contra o Iraque, que já estava nos seus planos, desde que assumiu o governo americano[7]. Razão propagandística também o governo do presidente John F. Kennedy buscou para invadir Cuba, em 1962, e uma força tarefa do Pentágono propôs, como pretextos, a explosão de um navio norte-americano em Guantánamo[8], para atribuir a culpa ao governo de Fidel Castro, que poderia também ser acusado, com provas fraudadas de interferência eletrônica, por qualquer falha no lançamento da nave espacial Mercury, bem como pela derrubada sobre Havana de um avião civil de passageiros, cuja explosão a CIA acionaria pelo rádio[9]. Somente não perpetrou a invasão, unilateralmente, por temer que a URSS, como represália, invadisse Berlim ou a Turquia. Mas a URSS desintegrou-se e não importa ao presidente George W. Bush se a acusação para atacar o Iraque é plausível ou não. Também deve pensar que “ao vencedor não se pergunta depois se ele disse ou não a verdade”, verdade esta que poderia, aliás, ser plantada depois da ocupação do Iraque.


Invasão do Iraque em 2003

A guerra contra o Iraque constitui a primeiro ato na implementação da estratégia de segurança nacional, segundo a doutrina de “preemptive attacks” , que o governo do presidente George W. Bush oficializou em documento de 33 páginas - The National Security Strategy of the United States of América – divulgado em setembro de 2002, como se representasse uma resposta ao atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. O atentado contra as Torres Gêmeas do World Trade Center e o Pentágono, porém, serviu mais uma vez como “razão propagandística”, justificativa para o estabelecimento de um estado de guerra permanente, atendendo aos interesses do complexo industrial-militar-petrolífero, ao mesmo tempo em que, após repudiar o acordo de Kyoto e denunciar o tratado anti-balístico (ABM) com a URSS, Bush não apenas retirou a assinatura dos EUA do tratado que criou a Corte Penal de Haia, para julgar crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e outros crimes de guerra, como tratou de pressionar os outros países, com ameaças, com o objetivo de isentar os soldados americanos e não os submeter à sua jurisdição.

Em realidade, a doutrina de “preemptive attacks” foi formulada, no início dos anos 90, por um pequeno círculo de teóricos conservadores, entre os quais Paul Wolfowitz, e I. Lewis “Scooter” Lybby, que há muito tempo pressionavam no sentido de que os EUA alargassem a função das armas nucleares, a fim de garantir sua superioridade militar e exercer influência econômica, política e estratégica. Em 1992, o então secretário de Defesa, Dick Cheney, emitiu um documento, elaborado, em larga medida, por Paul. D. Wolfowitz, que era seu sub-secretário, definindo que a primeira missão política e militar dos EUA, após a Guerra Fria, consistia em assegurar que nenhum poder rival emergisse na Europa, Ásia e na extinta URSS[10]. Na época, o presidente George Bush, pai de George W., não acolheu a idéia. Bill Clinton elegeu-se presidente, em 1993, e os lobbies (Munitions Industrial Base Task Force, The Heritage Foundation e outros) acusaram-no de continuar o desmantelamento sistemático da defesa nacional, que o presidente Ronald Reagan reconstruíra nos anos 80, e que a força militar, por ele proposta, era muito pequena para defender os interesses dos EUA. E, em 3 de junho 1997, um grupo composto por Jeb Bush, irmão de George W. Bush, Dick Cheney, Francis Fukuyama, o teórico do fim da história com a vitória do liberalismo, I. Lewis Libby, Paul Wolfowitz, Donald Rumsfeld e outros, a mesma caterva que se assenhoreou do poder em 2000/2001, emitiu uma declaração, lançando o Project for the New American Century (Projeto para o Novo Século Americano) com a proposta de aumentar os gastos com defesa, fortalecer os vínculos democráticos e desafiar os “regimes hostis aos interesses e valores” americanos, promover a “liberdade política” em todo o mundo, e aceitar para os EUA o papel exclusivo em “preservar e estender uma ordem internacional amigável (friendly) à nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios”. Se Hitler e os nazistas pretenderam impor Deutschland über alles, i. e., a Alemanha para todos, George W. Bush e os radicais de direita que o cercam querem impor America for all.

Esses radicais da direita, que o presidente George W. Bush representa, estão intimamente vinculados aos interesses não apenas da indústria petrolífera, como muitos imaginam, mas também do complexo industrial-militar. George W. Bush é ligado à empresa de energia CEO, assim como Dick Cheney, seu vice-presidente, que é acionista da a firma Halliburton (petróleo, defesa, construção) e cuja esposa, Lynn Cheney, é vice-presidente e diretora da firma Lockheed Martin; o secretário de Estado, general Colin Powel, é acionista da General Dynamics; Donald H. Rumsfeld, secretário de Defesa, é director de Gilead Sciences (biotecnolopgia); Paul Wolfowitz, secretário-adjunto de Defesa, é co-presidente da task force de Nunn-Wolfowitz, Hughes Electronics; Dov Zakheim, sub-secretário de Defesa, é vice-presidente de Systems Planning Corporation (firma de consultoria na área de defesa); o U.S. Trade Representative, Robert Zoellick, que negocia el ALCA, é integrante del Consejo Consultivo da Enron, empresa de energia que fradou os balanços e não pagou os impostos federais entre 1996 e 1999; e Condoleezza Rice, assesora de Segurança, pertenece à direção da Chevron; Otto J. Reich, que passou secretário de Estado-Assistente a enviado espacial para América Latina, foi lobbyist da Lockheed Martin e promovia a venda dos aviões de combate F-16. E não apenas esses, mas quase todos, senão todos os outros membros do governo de George W. Bush representam os interesses dessas corporações, que integram o complexo industrial-militar-petrolífero, cujos lucros aumentam com o clima de guerra, gastos com defesa e conquista de áreas de petróleo, no Mar Caspio (Afeganistão) e no Golfo Pérsico (Iraque), beneficiando seus acionistas. Essas indústrias bélicas necessitam experimentar os novos armamentos e tecnologias em guerra real e gastar os estoques que possuem e receber novas encomendas do governo americano. Além do mais, a derrota de Saddam Hussein permitirá que os EUA ocupem o Iraque, controlem as reservas de petróleo e consolidem sua predominância na região. Depois será a vez da Síria, do Irã, do Egito, da Líbia e de outros países, de modo a aplicar plenamente o que os ideólogos neo-conservadores dos institutos de estudos de Washington, chefes civis do Pentágono, articulistas do Wall Street Journal e os acionistas das empresas petrolíferas e de material bélico entendem como “requirements of freedom” (requisitos de liberdade), não só à África e à América Latina, mas ao “entire Islamic world” (o mundo islâmico inteiro), estabelecendo “uma ordem internacional amigável (friendly) à nossa segurança, nossa prosperidade e nossos princípios”, ou seja, à segurança, prosperidade e princípios dos EUA[11].

Inspirado por Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolfwitz e outros participantes do projeto The New American Cantury, o presidente George W. Bush pretende redefinir o quadro estratégico do Oriente Médio, o que implica o controle das reservas de petróleo, evitando que a OPEP, nas transações internacionais, abandone o padrão dólar e adote o padrão euro, mudança já efetuada por Saddam Hussein, em novembro de 2000, quando o euro valia cerca de 80 centavos de dólar, não sofrendo, portanto, prejuízos, com desvalorização da moeda americana, da ordem de 15% frente à moeda comum da União Européia, no ano 2002. O Iraque converter-se-á então em laboratório, ou melhor, em cobaia, com a implantação de um simulacro de democracia, fácil de manipulação através do processo eleitoral, a exemplo do que aconteceu na Iugoslávia e em outros países, inclusive na América do Sul (Peru). O presidente George W. Bush imagina que esse país, democratizado e aberto ao capitalismo americano, tornar-se-á estável e próspero, com repercussão sobre todo o mundo islâmico. Com efeito, depois do Iraque, será a vez da Síria e, em seguida, do Irã, da Líbia, do Egito, nos quais os EUA se dispõem a intervir, a pretexto de combater o terrorismo, a fim de consolidar sua predominância no mundo islâmico inteiro e dar maior segurança a Israel. Esse objetivo Paul Wolfowitz, um dos teóricos do projeto The New American Century, evidenciou, logo após o atentado de 11 de setembro de 2001, ao defender a tese de que não bastava capturar e prender os talibans, mas de remover os sistemas de apoio, “ending states who sponsor terrorism”, apontando o Iraque como primeiro alvo da campanha, com o argumento de que a campanha seria mais fácil do que no Afeganistão[12]. Ilusão. O ex-presidente Bill Clinton, em Madrid, comentou que há tipos como Paul Wolfowitz que crêem que depois da guerra contra o Iraque tudo se resolverá no Oriente Médio. E, qualificando essa idéia como naïf, salientou que, nos últimos 50 anos, todas as guerras que os EUA promoveram ou das quais foram fracassos a curto, médio e longo prazo[13]. Com efeito, os EUA não ganharam a guerra da Coréia. Perderam a guerra contra Cuba, sim, porque a invasão da Baía dos Porcos, em 1961, foi planejada e comandada pelos americanos, que treinaram os exilados cubanos e lhes forneceram as armas e todos os equipamentos para a sua realização. O bloqueio de Cuba não conseguiu derrubar Fidel Castro, que há 44 anos se mantém no poder. E do Vietnã os americanos tiveram de fugir, derrotados, apesar de toda a sua tecnologia. Nem a guerra do Golfo, em 1991/92, os EUA venceram. Apenas expulsaram as forças do Iraque que haviam invadido o Kwait.

A ironia é que os meios do poderio militar dos EUA cresceram, enormemente, mas por isso mesmo se tornaram quase inúteis. Salvo em paises insignificantes, como Granada, as forças armadas americanas podem apenas destruir, mas não alcançam seus objetivos. É o que está a ocorrer no Afeganistão. A luta continua e, mais cedo ou mais tarde, recrescerá e os custos da ocupação, em vidas e recursos financeiros, aumentarão cada vez mais. A guerra contra o Iraque pode ter resultados catastróficos, mesmo que os EUA aniquilem o regime de Saddam Hussein. O diplomata francês Charles-Maurice de Talleyrand-Perigord (1754-1838), príncipe de Bénévent, que serviu tanto Luís XVI quanto a Napoleão Bonaparte e a Luiz XVIII, disse certa vez que “on peut tout faire avec les bayonnettes excepté s’y asseoir”. Os EUA já não usam baionetas, porque tudo podem fazer com os mísseis nucleares. Só não podem sentar-se sobre eles e torná-los o fundamento de um Estado moderno. Conforme o presidente de Egito, Hosni Mubarak, advertiu, a guerra contra o Iraque provavelmente acarretará uma situação de “desordem e caos”, nos paises árabes, desestabilizando-os, pois nenhum governante terá condições de reprimir o ressentimento popular. Não se pode descartar a hipótese de uma erupção revolucionária contra o governo do general Pervez Musharraf, no Paquistão, e o seu arsenal atômico cair sob o controle dos extremistas islâmicos. Entretanto, convencidos do seu poderio econômico e militar, os governantes americanos quase sempre demonstraram enorme incapacidade de prever a conseqüências de suas políticas, a longo prazo, pois só percebem seus interesses imediatos. Como o próprio Henry Kissinger reconheceu, foi a administração do presidente Ronald Reagan (1981-1989) que restaurou as relações econômicas e diplomáticas com o Iraque e encorajou os aliados dos EUA, na Europa, a fornecer equipamentos militares a Saddam Hussein, por considerar que o Irã era a maior ameaça aos seus interesses[14]. Foi o próprio Donald H. Rumsfeld, secretário de Defesa de George W. Bush, que durante o conflito Irã-Iraque (1980-88) foi a Bagdad (dezembro de 1983), onde promoveu o entendimento com Saddam Hussein, e o governo norte-americano, inclusive depois que George H.W. Bush, o pai, assumiu a presidência (1989-1993) autorizou a venda ao Iraque de numerosos produtos com aplicação civil e militar, inclusive produtos químicos venenosos e vírus biológicos mortais, tais como anthrax e a peste bubônica[15]. Vinte anos depois, em 2003, ele um dos que mais pressionam, dentro da administração de George W. Bush, em favor da guerra contra o Iraque.


O presidente iraquiano Saddam Hussein cumprimenta Donald Rumsfeld, então enviado especial do presidente Ronald Reagan - Bagdade, 20 de dezembro de 1983

A belicosidade, arrogância, prepotência, a coação que o governo americano exerce sobre os demais estados, para que o apóiem na aventura, bem como sobre o Conselho de Segurança da ONU, tratando da desmoralizá-lo, como irrelevante, e ameaçando agir unilateralmente, caso não se submeta à sua vontade, produziram, entretanto, efeitos contrários aos seus objetivos. Pesquisa promovida pela instituto Gallup International, entre julio e agosto de 2002, em 36 países dos cinco continentes demonstrou o efeito negativo da política exterior dos EUA[16]. Também um estudo realizado entre junho e setembro de 2002 pelo Pew Research Center for the People & the Press, sob da ex-secretária de Estado Madeleine Albright e em que mais de 38 mil pessoas foram entrevistadas, em 44 países, revelou que o descontentamento com os EUA cresceu e a sua imagem deteriorou-se em todos os continentes - entre seus aliados da OTAN, na América Latina e nos países em desenvolvimento, bem como no Leste Europeu e, de forma dramática, nos países muçulmanos[17]. E em janeiro de 2003, pesquisa da revista americana Time, ente seus leitores, revelou, que 67.4 % consideravam os EUA como a maior ameaça à paz mundial, enquanto apenas 21.0 % reputavam o Iraque e 11%, a Coréia do Norte. Também 71,9% dos leitores entendiam que a guerra contra o Iraque visava ao controle das reservas de petróleo e somente 6,4% aceitavam a versão de que o objetivo consistia no desarmamento de Saddam Hussein[18]. Assim se confirma a previsão de Henry Kissinger, segundo a qual não importa como os próprios norte-americanos percebam seus objetivos, “uma explícita insistência na predominância unirá gradualmente o mundo contra os EUA e os forçará a imposições que eventualmente os deixarão isolados e esgotados”[19]. É o que presidente George W. Bush está a conseguir, tornando os EUA uma superpotência irresponsável, fora da lei, e incompatibilizando-os com todo o resto do mundo, o que a intensa propaganda comunista, centrada no “imperialismo ianque”, não logrou, ao longo de mais de 40 anos de Guerra Fria. Que o presidente George W. Bush, com sua doutrina de guerra preventiva e recursos às armas nucleares, não converta Hitler em santo e faça os feitos do nazismo parecerem uma obra humanitária.

Notas:

[1] Carta de Oswaldo Aranha a Getúlio Vargas, Washington, 02/12/52. Escrita há 50 anos passados, quando Oswaldo Aranha era embaixador do Brasil em Washington, sua frase tornou-se, na atualidade, mais do que nunca real.
[2] Schirer, William L.. The rise and fall of the Third Reich. New York: Fawcett Crest, 1992, pp. 267-273.
[3] Fest, Joachim C.. Hitler. London,: Pinguin Books, 1973, pp. 593-595. Fest, Joachim C.. The face of the Third Reich. London: Pinguin Books, 1979, p. 82.
[4] O hino nacional da Alemanha foi escrito pelo poeta August Heinrich Hoffmann von Fallersleben (1798 – 1874), no século passado e verso - Deutscheland über Alles – se referia à unificação da Alemanha, ocorrida em 1871. Porém, foi deturpado pelos nazistas, que lhe deram um sentido expansionista.
[5] Allen, Mike &DeYoung, Karen. “ Bush: U.S. Will Strike First at Enemies”, in The Washington Post, 02/06/2002.
[6] Ibid.
[7] Woodward, Bob. Bush at War New York: Simon & Shuster, 2002, p. 83.
[8] Seria uma reprodução do afundamento do Maine, que possibilitou aos EUA declarar guerra à Espanha, em 1898, e intervir em Cuba.
[9] “Sinto ter de dizer. Mas éramos uma democracia e penso que, quando Presidentes se iludem, pensando que podem arriscar vidas e conduzir tais operações arrogantes sem nada dizer ao povo americano, escondendo os fatos da população, é um comportamento disparatado” - declarou o ex-secretário de Estado, o general(reformado) Alexander Haig, que participara da Operation Mongoose contra Cuba e fora Secretário de Estado na Administração Reagan, ao revelar esses planos para a invasão de Cuba, durante uma reportagem apresentada no programa de televisão Nightline, da rede ABC nos EUA, por Aaron Brown, no dia 29. 1. 1998, sob o título “How to Star a War: The Bizarre Tale of Operation Mongoose”, O National Security Archives, da George Washington University, solicitou então a desclassificação do documento sobre a Operação Mongoose, com base no Freedom of Information Act (FOIA) e ele foi desclassificado em 2001, naturalmente antes do 11 de setembro. Department of Defense, [Operation Mongoose, Pretexts for Overt Invasion], c. March 1962, Top Secret, 7 pp.
[10] Miller, Judith Keeping. “ U.S. No. 1: Is It Wise? Is It New?”. The New York Times, 26/10/2002
[11] Eis a íntegra do texto de lançamento do The Project for the New American Century:
“The Project for the New American Century is a non-profit educational organization dedicated to a few fundamental propositions: that American leadership is good both for America and for the world; that such leadership requires military strength, diplomatic energy and commitment to moral principle; and that too few political leaders today are making the case for global leadership. The Project for the New American Century intends, through issue briefs, research papers, advocacy journalism, conferences, and seminars, to explain what American world leadership entails. It will also strive to rally support for a vigorous and principled policy of American international involvement and to stimulate useful public debate on foreign and defense policy and America's role in the world”. William Kristol, Chairman
State of Principles, June 3, 1997
American foreign and defense policy is adrift. Conservatives have criticized the incoherent policies of the Clinton Administration. They have also resisted isolationist impulses from within their own ranks. But conservatives have not confidently advanced a strategic vision of America's role in the world. They have not set forth guiding principles for American foreign policy. They have allowed differences over tactics to obscure potential agreement on strategic objectives. And they have not fought for a defense budget that would maintain American security and advance American interests in the new century.
We aim to change this. We aim to make the case and rally support for American global leadership.
As the 20th century draws to a close, the United States stands as the world's preeminent power. Having led the West to victory in the Cold War, America faces an opportunity and a challenge: Does the United States have the vision to build upon the achievements of past decades? Does the United States have the resolve to shape a new century favorable to American principles and interests?
We are in danger of squandering the opportunity and failing the challenge. We are living off the capital -- both the military investments and the foreign policy achievements -- built up by past administrations. Cuts in foreign affairs and defense spending, inattention to the tools of statecraft, and inconstant leadership are making it increasingly difficult to sustain American influence around the world. And the promise of short-term commercial benefits threatens to override strategic considerations. As a consequence, we are jeopardizing the nation's ability to meet present threats and to deal with potentially greater challenges that lie ahead.
We seem to have forgotten the essential elements of the Reagan Administration's success: a military that is strong and ready to meet both present and future challenges; a foreign policy that boldly and purposefully promotes American principles abroad; and national leadership that accepts the United States' global responsibilities.
Of course, the United States must be prudent in how it exercises its power. But we cannot safely avoid the responsibilities of global leadership or the costs that are associated with its exercise. America has a vital role in maintaining peace and security in Europe, Asia, and the Middle East. If we shirk our responsibilities, we invite challenges to our fundamental interests. The history of the 20th century should have taught us that it is important to shape circumstances before crises emerge, and to meet threats before they become dire. The history of this century should have taught us to embrace the cause of American leadership.
Our aim is to remind Americans of these lessons and to draw their consequences for today. Here are four consequences:
• we need to increase defense spending significantly if we are to carry out our global
responsibilities today and modernize our armed forces for the future;
• we need to strengthen our ties to democratic allies and to challenge regimes hostile to our interests and values;
• we need to promote the cause of political and economic freedom abroad;
• we need to accept responsibility for America's unique role in preserving and extending an international order friendly to our security, our prosperity, and our principles.
Such a Reaganite policy of military strength and moral clarity may not be fashionable today. But it is necessary if the United States is to build on the successes of this past century and to ensure our security and our greatness in the next.
Elliott Abrams, Gary Bauer, William J. Bennett, Jeb Bush, Dick Cheney, Eliot A. Cohen, Midge Decter, Paula Dobriansky, Steve Forbes, Aaron Friedberg, Francis Fukuyama, Frank Gaffney, Fred C. Ikle, Donald Kagan, Zalmay Khalilzad, I. Lewis Libby, Norman Podhoretz, Dan Quayle, Peter W. Rodman, Stephen P. Rosen, Henry S. Rowen, Donald Rumsfeld, Vin Weber, George Weigel, Paul Wolfowitz
[12] Woodward, Bob. Bush at War New York: Simon & Shuster, 2002, p. 60.
[13] El País , Madrid, 28-01-2003.
[14] Kissinger, Henry. Does América need a Foreign Policy?. New York: Simon & Shuster, 2001, p. 304.
[15] Dobbs, Michael. “U.S. Had Key Role in Iraq Buildup - Trade in Chemical Arms Allowed Despite Their Use on Iranians, Kurds”, The Washington Post December 30, 2002; Page A01.
[16] “Rechazo a la política exterior de EE.UU”. La Nacion, Buenos Aires, 15/09/2002.
[17] Sotero, Paulo. “Imagem dos EUA se deteriora, mostra pesquisa - Opinião no exterior sobre americanos é mais negativa do que há dois anos”. O Estado de São Paulo, 05/12/ 2002. Brian Knowlton Fuerte deterioro de la imagen de los EE.UU. en el mundo (International Herald Tribune) in La Nacion, Buenos Aires, 05/12/2002. “Estados unidos contra los Estados Unidos” La Nación, Buenos Aires, 08/12/2002
[18] Time 09/01/.2003.
[19] Kissinger, Henry. Does América need a Foreign Policy?. New York: Simon & Shuster, 2001, p. 468.

Luiz Alberto Moniz Bandeira - Cientista político, professor titular (aposentado) da Universidade de Brasília e autor de várias obras, entre as quais "Formação do Império Americano (Da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque)", que lhe valeu ser eleito pela União Brasileira de Escritores, com o patrocínio da Folha, Intelectual do Ano 2005

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