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EUA: era de ouro da guerra suja

Em 2015 já há “missões especiais” de agentes clandestinos dos EUA em 105 países. Já operante na Austrália, Brasil, Canadá, Colômbia, El Salvador, França, Israel, Itália, Jordânia, Quênia, Polônia, Peru, Turquia e Reino Unido, o programa SOLO deve ser expandido, segundo Votel, para 40 países até 2019.

Por Nick Turse

redecastorphoto - 20 de Janeiro, 2015

http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2015/01/eua-era-de-ouro-da-guerra-suja.html

Na calada da noite, eles mergulham num V-22 Osprey. Pousam numa região remota de um dos países mais voláteis do planeta, destroem um vilarejo e, em poucas horas, estão envolvidos em tiroteio mortal. Era a segunda vez, em duas semanas, que a elite dos SEALs da Marinha dos EUA tentava resgatar o fotojornalista Luke Somers. E foi o segundo fracasso.


V-22 Osprey

Dia 6/12/2014, aproximadamente 36 dos top commandos dos EUA, pesadamente armados, operando com inteligência de satélites,drones, escutas clandestinas da mais alta tecnologia, equipados com óculos para visão noturna e apoiados por tropas de elite do Iêmen, postaram-se distantes apenas poucos passos de seis militantes da al-Qaeda na Península Árabe. Quando tudo acabou, Somers estava morto, bem como Pierre Korkie, professor sul-africano cuja soltura havia sido anunciada para o dia seguinte. Os comandos norte-americanos assassinaram também oito civis, segundo relatos de locais. A maioria dos militantes conseguiu fugir.

Esse episódio sangrento foi, dependendo de seu ponto de vista, o fim ignominioso de um ano ao longo do qual as Forças Especiais dos EUA foram ativadas em números recordes de ocasiões, ou o nada auspicioso começo de novo ano, já encaminhado para repetir, se não para ultrapassar, aqueles mesmos números.

Durante o ano fiscal que terminou dia 30/9/2014, as Forças de Operações Especiais dos EUA [orig. Special Operations Forces (SOF)] foram mandadas para 133 países – em números redondos, 70% das nações do planeta – segundo o tenente-coronel Robert Bockholt, oficial de Relações Públicas do Comando de Operações Especiais dos EUA [orig. Special Operations Command (SOCOM)]. Foi a coroação de período de três anos durante os quais as principais forças de elite dos EUA estiveram ativas em mais de 150 diferentes países em todo o mundo, sempre em missões que vão de raids noturnos para captura/ assassinato, até exercícios para treinamento. E esse ano pode ter batido novo recorde. Apenas um dia antes do raid que pôs fim à vida de Luke Somers – decorridos apenas 66 dias do ano fiscal de 2015 – as principais tropas de elite dos EUA já haviam posto seus coturnos em solo de 105 nações: aproximadamente 80% do total de 2014.

Apesar da escala massiva, essa guerra mundial secreta que os EUA travam hoje contra praticamente todo o planeta é desconhecida de muitos norte-americanos. Diferente da débâcle no Iêmen, a vasta maioria das operações clandestinas das forças especiais dos EUA permanecem absolutamente ocultas, longe de qualquer supervisão externa, longe de qualquer controle pela mídia ou pelos cidadãos. De fato, exceto por pequenas quantidades de informação distribuída na cobertura pela muito seletiva mídia militar (vídeo de 22/3/2014, no fim do parágrafo), por “vazamentos”oficiais que saem da Casa Branca, SEAL que tenham alguma coisinha para vender e alguns jornalistas escolhidos a dedo com notícias sobre eventos escolhidos a dedo, praticamente todas as ações e práticas desses operadores norte-americanos especiais jamais são examinadas de modo significativo – o que só faz aumentar a probabilidade de revides nunca previstos e outras consequências catastróficas.

Era de Ouro

“O comando está no seu zênite absoluto. Trata-se, de fato, de uma era de ouro das operações especiais”. São palavras do general Joseph Votel III, graduado em West Point e Ranger do Exército, ao assumir o comando do SOCOM em agosto passado.

A retórica do general pode soar grandiloquente, mas não é exagerada. Desde 11/9/2001, as forças de Operações Especiais dos EUA cresceram sob todos os critérios imagináveis, inclusive em números, em orçamento, no poder que tem sobre Washington e no lugar que ocupa da imaginação popular. O comando, por exemplo, mais que dobrou em termos de pessoal, dos cerca de 33.000 em 2001, para cerca de 70.000 hoje, incluindo-se o salto de cerca de mais 8.000 só durante o mandato do almirante William McRaven recentemente aposentado no comando do SOCOM.

Esses números, por impressionantes que sejam, não dão ideia plena da natureza e do alcance da expansão global dessas forças de elite norte-americanas nesses anos. Para tanto, é preciso percorrer a estrutura do Comando de Operações Especiais, verdadeiro emaranhado de siglas e sempre em ampliação. A coisa é de enlouquecer, mas é indispensável, para que se possa ter ideia realista da coisa de que estamos falando.

A parte do leão das tropas do SOCOM são Rangers, Boinas Verdes [orig. Green Berets] e outros soldados do Exército, seguidos por commandos a Força Aérea, os SEALs [palavra que significa (lit.) “foca” e designa os soldados da Marinha dos EUA, de terra, ar e mar, para operações especiais (NTs)], e pequeno contingente de Marines. Mas só se começa a ter ideia de o quanto e como o comando está em expansão, se se consideram todos os “comandos subunificados” entre os quais se distribuem esses “soldados especiais”:SOCAFRICA, autoexplicativo; SOCEUR, o contingente europeu; SOCKOR, devotado estritamente à Coreia; SOCPAC, que cobre o resto da região do Pacífico Asiático;SOCSOUTH, que executa serviços na América Central, América do Sul e Caribe; SOCCENT, o comando subunificado dos EUA. O Comando Central (CENTCOM) no Oriente Médio; o SOCNORTH, devotado à “defesa da pátria”; e os eternos viajantes “extremos” do Comando Unificado de Operações Especiais [orig. Joint Special Operations Command, JSOC] – subcomando clandestino (antes comandado por McRaven, depois por Votel), constituído de pessoal de cada um dos vários ramos do serviço, incluindo SEALs, tripulações táticas especiais da Força Aérea, e a Delta Force, do Exército, especializada em rastrear e assassinar suspeitos de terrorismo.

E não pense que fica por aí. Resultado do empenho de McRaven para criar “forças globais de Operações Especiais, de aliados e parceiros interagências”, há agora oficiais de ligação das Operações Especiais (ou SOLOs), embedded [ap. “incorporados”] em 14 embaixadas dos EUA para servir como conselheiros das forças especiais em várias nações aliadas. Já operante na Austrália, Brasil, Canadá, Colômbia, El Salvador, França, Israel, Itália, Jordânia, Quênia, Polônia, Peru, Turquia e Reino Unido, o programa SOLO deve ser expandido, segundo Votel, para 40 países até 2019. O comando, e especialmente o JSOC, também construiu laços próximos com a Central Intelligence Agency, o Federal Bureau of Investigation e a National Security Agency, dentre outros.

Shadow Ops [agentes clandestinos que agem nas sombras]

O alcance global do Comando de Operações Especiais, SOCOM, vai ainda mais longe, com número menor de elementos mais ágeis, que operam clandestinamente, a partir das bases que os EUA mantêm em áreas remotas do Sudeste da Ásia, de postos avançados no Oriente Médio, a campos austeros em plena África. Desde 2002, o SOCOM está também autorizado a criar suas próprias Forças-Tarefas Conjuntas [orig. Joint Task Forces], prerrogativa normalmente reservada a comandos de combate maiores, como o CENTCOM.


Força-Tarefa Filipinas de Operações Especiais Conjuntas - JSOTF-P

Considere-se, por exemplo, a Força-Tarefa Filipinas de Operações Especiais Conjuntas [Joint Special Operations Task Force-Philippines (JSOTF-P)], a qual, no pico, contava com cerca de 600 agentes norte-americanos para apoiar operações de contraterrorismo de aliados dos filipinos, contra grupos insurgentes como Abu Sayyaf. Depois de mais de uma década consumida em combates contra esse grupo, o número de agentes foi reduzido, mas o grupo continua ativo, embora a violência na região permaneça virtualmente inalterada.

Uma fase de redução da força tarefa foi de fato anunciada em junho de 2014. “JSOTF-Pserá desativada e a chamada operaçãoOEF-P [Operation Enduring Freedom-Philippines(Operação Liberdade Duradoura-F)] será concluída no ano fiscal de 2015” – disse Votel à Comissão das Forças Armadas do Senado, no mês seguinte “Um número menor de pessoal militar norte-americano operando como parte de uma Equipe de Ampliação de um PACOM[U.S. Pacific Command] continuará a melhorar as capacidades e habilidades das Forças Especiais das Filipinas (PSF, Philippine Special Forces] para que levem a bom termo suas missões CT [de contraterrorismo]...”

Mas meses adiante, a Força Tarefa de Operações Especiais-Filipinas permanecia do mesmo tamanho que antes, e operante. “JSOTF-P continua ativa, mas o número de pessoal lá alocado foi reduzido” – disse a porta-voz do Exército Kari McEwen ao repórter Joseph Trevithick de War Is Boring [lit. Guerra é tédio].

Outra unidade especial, a Força-Tarefa de Operações Especiais Conjuntas-Bragg [orig. Special Operations Joint Task Force-Bragg], permaneceu nas sombras durante anos, antes de pela primeira vez ser oficialmente mencionada pelo Pentágono, no início de 2014. O papel dela, segundo Bockholt, do SOCOM, é “treinar e equipar soldados norte-americanos a serem enviados para o Afeganistão para apoiar a Força-Tarefa de Operações Especiais-Afeganistão [orig. Special Operations Joint Task Force-Afghanistan]”. Essa última passou mais de uma década executando operações clandestinas ou “negras” [orig. black-ops], “para impedir atividades de insurgentes que ameaçassem a autoridade e a soberania (sic) do governo afegão.

“Operações negras” significa raids noturnos e missões de assassinar/ sequestrar – quase sempre articuladas com forças de elite afegãs – que levaram à morte de número ignorado de combatentes e de civis. Em resposta à indignação da população contra esses raids, o presidente Hamid Karzai do Afeganistão praticamente os baniu em 2013.

As Forças de Operações Especiais dos EUA deveriam ter sido transferidas para um papel de apoio em 2014, deixando no comando as tropas afegãs de elite. “Estamos tentando deixar que eles comandem o show”, disse o coronel Patrick Roberson da Força-Tarefa-Afeganistão, ao jornal USA Today. Mas, segundo LaDonna Davis, porta-voz da Força Tarefa, os operadores norte-americanos ainda comandavam missões no final do ano passado. A força recusa-se a dizer quantas missões foram comandadas pelos norte-americanos, nem em quantas operações seus comandos estiveram envolvidos, embora as Forças de Operações Especiais-Afeganistão tenham realizado, oficialmente 150 missões por mês, em 2014. “Não posso discutir o número específico de operações realizadas” disse o major Loren Bymer da Força-Tarefa de Operações Especiais-Afeganistão, a TomDispatch. “Mas os afegãos de fato atualmente lideram 96% das operações especiais, e nós continuamos a treiná-los, aconselhá-los e ajudar nossos parceiros, para garantir que sejam bem-sucedidos”.


ASSF - Afghan Special Security Force

E se você pensou que por aí acaba o quadro organizacional das forças especiais, a Força-Tarefa de Operações Conjuntas-Afeganistão tem cinco Grupos de Aconselhamento de Operações Especiais “focados em orientar e aconselhar nossos parceiros ASSF [Afghan Special Security Force]” – como disse Votel. “Para garantir que nossos parceiros ASSF continuem a dar combate a nossos inimigos, as Forças de Operações Especiais dos EUA tem de manter algum aconselhamento no plano tático depois de 2014, com unidades selecionadas em locais selecionados” – disse o mesmo Votel à Comissão das Forças Armadas do Senado.

Na verdade, em novembro passado o sucessor de Karzai, Ashraf Ghani, discretamente cancelou a proibição dos raids noturnos, reabrindo a porta para novas missões dos conselheiros norte-americanos, por lá, em 2015.

Mas haverá menos agentes das forças especiais dos EUA disponíveis para missões táticas. Segundo o então sub, agora vice-almirante Sean Pybus, vice-comandante do SOCOM, cerca de metade dos pelotões de SEALs mandados para o Afeganistão deveriam, até o final do mês passado, ser retirados e redirecionados para apoiar “o pivô para a Ásia, ou trabalhar no Mediterrâneo, ou no Golfo de Guiné, ou no Golfo Persa”. Mesmo assim o coronel Christopher Riga, comandante do 7º Grupo de Forças Especiais, cujos soldados serviram com a Força-Tarefa Combinada de Forças Especiais Conjuntas-Afeganistão perto de Kandahar no ano passado, jurou persistir. “Há muita luta em curso no Afeganistão, que continuará” – disse ele, numa cerimônia de entregas de medalhas ano passado. “Continuaremos a matar o inimigo, até que nos mandem sair”.

Acrescente a essas forças-tarefas os elementos do Comando Avante de Operações Especiais [orig. Special Operations Command Forward (SOC FWD)], pequenas equipes que, segundo os militares, “modelam e coordenam a cooperação e o engajamento de segurança de forças de operações especiais, em apoio ao comando das operações especiais no teatro, comando geográfico combatente e equipes e objetivos no país”. O SOCOM recusou-se a confirmar a existência de SOC FWDs, embora haja muitas provas oficiais sobre o tema, e a oferecer um número de quantas equipes estão hoje ativas pelo mundo. Mas as que já se sabem que existem estão plantadas em operações-negras prestigiadas em locais especiais, dentre elasSOC FWD-Paquistão, SOC FWD-Iêmen e SOC FWD-Líbano, além das SOC FWD-Leste da África, SOC FWD-África Central e SOC FWD-África Ocidental.

A África, de fato, converteu-se em local especial para missões clandestinas conduzidas por operadores especiais norte-americanos. “Essa unidade particular tem feito coisas impressionantes. Seja na Europa ou na África, em grande variedade de contingências, vocês contribuem de modo muito significativo” – disse o comandante do SOCOM, general Votel, aos membros do 352º Grupo de Operações Especiais em sua base na Inglaterra, no outono passado.

Os commandos aéreos de modo algum estão sós na exploração daquele continente. Ao longo dos últimos anos, por exemplo, os SEALs executaram uma operação bem-sucedida de resgate de prisioneiro na Somália, e um raid para sequestro que não deu certo. Na Líbia, commandos da Força Delta conseguiram capturar um militante da al-Qaeda num ataque matinal, e SEALs recuperaram um navio petroleiro carregado da Líbia, que o governo local, apoiado pelos EUA considerava roubado. Além disso, os SEALs comandaram uma missão fracassada de evacuação no Sudão do Sul, durante a qual vários agentes foram feridos quando o avião no qual estavam foi atingido por tiros de pistola de baixo calibre. Enquanto isso, uma força de elite de resposta rápida, conhecida como Naval Special Warfare Unit 10 (NSWU-10) estava envolvida com “países estratégicos” como Uganda, Somália e Nigéria.

Um esforço clandestino de treinar agentes especiais na Líbia implodiu, quando milícias ou “forças terroristas” atacaram duas vezes o acampamento, guardado por militares líbios, e saquearam grandes quantidades de equipamento norte-americano de alta tecnologia, centenas de armas – inclusive pistolas Glock e rifles M4 – além de equipamento para visão noturna e lêiseres especializados, que só podem ser vistos com aquele equipamento. Resultado disso, a missão foi desmantelada e o acampamento, abandonado. Depois se informou que havia sido tomado por uma milícia.

Em fevereiro do ano passado (2014), tropas de elite viajaram para o Niger, para três semanas de exercícios militares, como parte de Flintlock 2014, um exercício anula para agentes de contraterrorismo, que unia forças da nação anfitriã, Canadá, Chade, França, Mauritânia, Países Baixos, Nigéria, Senegal, Reino Unido e Burkina Faso. Vários meses depois, um oficial de Burkina Faso, que recebera treinamento contraterrorismo nos EUA, sob os auspícios da Universidade de Operações Especiais Conjuntas do SOCOM em 2012, tomou o poder num golpe de estado. Mas os agentes das Forças Especiais não foram incomodados. No final do ano passado, por exemplo, sob os auspícios do SOC FWD-África Ocidental, membros do 5º Batalhão, 19º Grupo de Forças Especiais, uniram-se a soldados da elite marroquina para treinamento, numa base nos arredores de Marrakech.

Um mundo de oportunidades

O envio de agentes para nações africanas, porém, não dá conta se não de pequena parte do rápido crescimento do alcance global do Comando de Operações Especiais. Nos últimos dias do governo Bush, sob comando do então chefe do SOCOM, almirante Eric Olson, sabe-se que forças de Operações Especiais foram enviadas para cerca de 60 países em todo o mundo. Em 2010, o número de países cresceu para 75, segundo Karen DeYoung e Greg Jaffe do Washington Post. Em 2011, o porta-voz do SOCOM, coronel Tim Nye, disse a TomDispatch que esse total alcançaria 120 países até o final do ano. Com o almirante William McRaven que assumiu em 2013, o então major Robert Bockholt disse a Tom Dispatch que o número já saltara para 134. Sob o comando de McRaven e Votel em 2014, segundo Bockholt, o total diminuiu quase nada, para 133. Mas o secretário de defesa anterior, Chuck Hagel, observou que sob o comando de McRaven – de agosto de 2011 a agosto de 2014 – as Forças de Operações Especiais passaram a estar presentes em mais de 150 diferentes países. “De fato, SOCOM e todos os militares norte-americanos estão mais engajados internacionalmente hoje, do que nunca antes – em mais locais e com variedade maior de missões” – disse Hagen em discurso de agosto de 2014.

Não estava brincando. Em apenas dois meses do ano fiscal de 2015, o número de países onde há agentes de Forças Especiais dos EUA já chegou a 105, segundo Bockholt.


Treinamento do SOCOM

O Comando das Operações Especiais, SOCOM, não quis comentar a natureza de suas missões ou as vantagens de operar em tantos países. O Comando não quis sequer indicar o nome de um único país para onde tivessem sido enviadas forças de operações especiais nos últimos três anos. Mas rápido exame de algumas operações, exercícios e atividades que já vieram à luz pinta quadro de um comando “viajante extremo”, comando globe-trotter, sempre às voltas com alianças em todos os pontos do planeta.

Em janeiro e fevereiro/2014, por exemplo, membros do 7º Grupo de Forças Especiais e o 160º Regimento de Aviação de Operações Especiais conduziram um mês de Treinamento Conjunto Combinado [orig. Joint Combined Exchange Training (JCET)] com vários grupos de Trinidad e Tobago, enquanto tropas do 353º Grupo de Operações Especiais reuniram-se a membros da Força Aérea da Tailândia, para Exercise Teak Torch em Udon Thani, Tailândia. Em fevereiro e março, os Boinas Verdes do 20º Grupo de Forças Especiais treinaram com tropas de elite da República Dominicana, como parte de outro JCET.

Em março, membros do Comando de Operações Especiais da Marinha e Unidade 1 Especial de Guerra Naval [orig. Marine Special Operations Command e Naval Special Warfare Unit 1 participaram de manobras no porta-aviões USS Cowpens, como parte do Multi-Sail 2014, exercício anual organizado para apoiar “a segurança e a estabilidade na região do Indo-Ásia-Pacífico”. Naquele mesmo mês, soldados, marinheiros, aviadores de elite participaram de um exercício cujo nome em código foi “Fused Response”, com militares do Belize. “Exercícios como esse constroem elos e confiança entre os militares dos EUA e do Belize” – disse, adiante, o tenente-coronel da Força Aérea Heber Toro, do Comando Sul de Operações Especiais. [segue-se longa relação de exercícios militares em várias partes do mundo]. [...]

Querem estar em toda parte

Para os chefes de operações especiais dos EUA, o globo é tão instável quanto interconectado. “Tenho certeza de que o que acontece na América Latina afeta o que acontece na África Ocidental, que afeta o que acontece no sul da Europa, que afeta o que acontece no sudoeste da Ásia” – disse McRaven ano passado na Geolnt, reunião anual de executivos da indústria-vigilância e pessoal militar. Solução que tinha a oferecer para esse instabilidade interconectada? Mais missões, em mais países – em mais do que em ¾ dos países do planeta, de fato – durante o mandato de McRaven. E o palco parece pronto para ainda mais do mesmo, no futuro próximo. “Queremos estar em todos os pontos” – disse Votel na Geolnt. Suas forças já estão bem a caminho disso, em 2015.


Seals (Marinha) em treinamento

“Nossa nação tem altas expectativas das Forças de Operações Especiais” – disse ele a agentes especiais na Inglaterra, no outono passado. – “Procuram-nos para as missões mais difíceis, nas mais difíceis condições”. A natureza e o local da maioria dessas “missões difíceis” porém são mantidos sob total segredo. E Votel, aparentemente, não tem interesse em lançar qualquer luz sobre a questão. “Desculpe, mas, não” – foi a resposta do SOCOM, quandoTomDispatch solicitou uma entrevista com o comandante das Operações Especiais, para saber de operações correntes e futuras. Na verdade, aquele comando não autorizou que seus subordinados participassem de uma discussão pública sobre o que eles fazem em nome dos EUA e com o dinheiro dos contribuintes norte-americanos. Não é difícil saber por quê.

Votel está agora sentado no topo de inúmeras narrativas de militares pós 11/9, que se meteram em incontáveis guerras que não venceram, revides de intervenções, atividade criminosa rampante, vazamentos repetidos de segredos embaraçosos, e todos os tipos de escândalos mais chocantes.

Graças a uma combinação perversa de jactância e secretismo, vazamentos cuidadosamente plantados, muito “marketing” e empenhado trabalho de “relações públicas”, o cultivo hábil de uma mística do Super-Homem (sempre com uma comovente pitada de atormentada fragilidade), e muita “matança premeditada” legal (“targeted killing”), as forças de Operações Especiais tornaram-se queridinhas da cultura popular norte-americana, enquanto o Commando foi o principal vencedor na luta de foice em Washington, pelo Orçamento.

É particularmente surpreendente, se se considera o que realmente acontece em campo: na África, foi armar e fantasiar militantes e dar treinamento ao líder de um golpe; no Iraque, as mais elitistas das forças de elite dos EUA estavam implicadas na tortura mais sórdida, na destruição de moradias, e na matança de inocentes; no Afeganistão, história semelhante, com repetidos relatos de mortes de civis; enquanto no Iêmen foi sempre mais do mesmo, como no Paquistão e na Somália. E até aqui mal se arranhou a superfície dos descaminhos dos agentes de Operações Especiais.

Em 2001, antes que as forças especiais [vestidas de preto] dos EUA tivessem começado sua guerra massiva, multifrentes, clandestinas contra o terrorismo, havia 33.000 membros do Comando de Operações Especiais e cerca de 1.800 membros da elite da elite, o Comando das Operações Especiais Conjuntas. Havia então, também, 23 grupos terroristas – do Hamás ao Exército Republicano Irlandês Real – como o Departamento de Estado reconhecia, incluída a al-Qaeda, cujo número de membros era estimado em alguma coisa entre 200 e 1.000. O grupo tinha base no Afeganistão e Paquistão, embora algumas pequenas células tivessem já atuado em vários países, incluindo Alemanha e EUA.

Depois de mais de uma década de guerras secretas, vigilância massiva, números jamais revelados de raids noturnos, detenções e assassinatos, sem mencionar os bilhões e bilhões de dólares consumidos, os resultados falam por eles mesmos. O SOCOM mais que duplicou de tamanho, e o secretivo JSOC talvez já tenha o tamanho que tinha o SOCOM em 2001. Desde setembro daquele ano, 36 novos grupos de terror surgiram inclusive incontáveis franquias, novos ramos e aliados da al-Qaeda. Hoje, esses grupos ainda operam no Afeganistão e Paquistão – há agora 11 afiliados reconhecidos da al-Qaeda no Afeganistão,cinco no Paquistão – bem como no Mali, na Tunísia, Líbia e Marrocos, Nigéria e Somália, Líbano e Iêmen, dentre outros países.


Países onde operam "franquias" da al-Qaeda

Um dos ramos nasceu da invasão dos EUA contra o Iraque, foi nutrido num campo de prisioneiros dos EUA e, agora conhecido como Estado Islâmico, controla larga fatia do Iraque e da vizinha Síria, um proto-califato no coração do Oriente Médio que era tudo com que sonhavam os jihadistas nos idos de 2001. Aquele grupo, só ele, reúne estimados 30,000 combatentes e já controla inclusive a segunda maior cidade do Iraque – apesar de ter sido incansavelmente perseguido, desde o nascimento, pelo JSOC. “Temos de continuar a sincronizar o deslocamento da Força de Operações Especiais pelo mundo”, diz Votel. “Todos temos de ser sincronizados, coordenados e preparados a partir do Comando”.

Abandonado bem fora de qualquer sincronia está o povo dos EUA, consistentemente deixado no escuro sobre o que os operadores especiais dos EUA andam fazendo e onde estão, para nem falar dos resultados pífios do que fazem e dos revides gerados pelo que fazem. Mas se a história ensina alguma coisa, não há dúvida de que os operadores ditos especiais, mascarados em negro da cabeça aos pés, farão de tudo para que prossiga, inalterada, essa “era de ouro” do Comando de Operações Especiais dos EUA.

Nick Turse recebeu Ph.D.em Ciências na Escola de Artes e Ciências (GSAS) da Columbia University. Como estudante de pós-graduação, Turse era professor assistente no Instituto Radcliffe de Estudos Avançados na Universidade de Harvard entre 2000-2001 e na New York University nos centros de estudos dos EUA para a Guerra Fria. Trabalhou como pesquisador associado da Escola Mailman de Saúde Pública do Centro de História e Ética na Universidade de Columbia. Em 2001, enquanto pesquisava no Arquivo Nacional dos EUA, descobriu registros de uma força-tarefa do Pentágono chamada Vietnam War Crimes Working Group que foi formado como resultado do massacre de My Lai. Esses registros se tornou o foco de sua tese de doutorado, Kill Anything That Moves: United States War Crimes and Atrocities in Vietnam, 1965-1973. Turse é atualmente o editor-chefe do sítio TomDispatch.com. Escreveu para publicações como o New York Times, Los Angeles Times, BBC, etc., sobre temas como o vídeo indústria de games, a arte de rua, a guerra no Afeganistão e a Guerra do Vietnã. É autor de várias obras de não-ficção sobre a política externa e militarismo.

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