A história da fuga ao fisco da Starbucks
Hoje Macau - 19 de Março de 2013
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No Reino Unido aconteceu um caso de fuga fiscal pela cadeia norte-americana de cafés Starbucks, que sucessivamente apresentava perdas no mercado britânico, mas passava a imagem de um negócio rentável. O trabalho especial é assinado pelo jornalista da agência Reuters, Tom Bergin, que ganhou um prémio.
O grupo Starbucks dizia aos seus accionistas que o negócio se mantinha rentável, apesar das perdas sucessivas. Esta aparente contradição terá acontecido graças à evasão fiscal e chamou a atenção para directrizes legais que têm sido utilizadas por multinacionais em todo o mundo. O grupo Starbucks destaca-se porque terá dito uma coisa aos seus accionistas, e outra completamente diferente às autoridades fiscais do Reino Unido.
A marca, com sede em Seattle, nos Estados Unidos, é apontada como sendo a segunda maior cadeia de café a nível mundial, logo após a McDonald’s. Desde que chegou ao Reino Unido, em 1998, a empresa já ter tido lucros na ordem dos 4,8 mil milhões de dólares americanos, gerados pelos 735 pontos de venda que possui no país. Contudo, pagou apenas 8,6 milhões em impostos.
Troy Alstead, director das operações financeiras da Starbucks, negou as acusações e frisou que a empresa segue rigorosamente as regras internacionais e que paga o nível adequado de impostos em todos os países onde mantém operações. Um porta-voz declarou à Reuters por email:
“nós procuramos ser bons contribuintes para pagar a nossa parte dos impostos de forma justa… não somos nós que criamos as regras fiscais, somos obrigados a cumpri-las. E é o que temos vindo a fazer”.
Michael Meacher, membro do Partido Trabalhista, disse que a prática da Starbucks vai “certamente contra os interesses dos países onde a marca opera e é algo extremamente injusto… eles estão a tentar brincar com o jogo do fisco. É vergonhoso.”
Não há nada que diga que o Starbucks tenha violado a lei. De facto, a média dos impostos – incluindo os impostos diferidos, que podem ou não ser pagos no futuro, foi de 31% em 2012, número muito maior que os 18,5% em média que, alegadamente, terão pago as grandes empresas americanas, segundo o grupo Citizens for Tax Justice (Cidadãos pela Justiça Fiscal).
Mas em termos de lucros no exterior, o Starbucks pagou apenas uma taxa média de impostos situada em 13%, uma das mais baixas no sector dos produtos de consumo. As autoridades fiscais do Reino Unido e dos EUA (IRS – Internal Revenue Service) não quiseram comentar a situação à Reuters, alegando regras de confidencialidade.
As perdas
Na folha de exercícios do ano de 2007, em finais de Setembro, as contas da cadeia de cafés no Reino Unido apresentaram perdas consecutivas anuais na ordem dos 10%. Contudo, em Novembro, o chefe de operações, Martin Coles, explicou aos accionistas que os ganhos do quarto trimestre levavam a que os lucros do Starbucks no Reino Unido estivessem a originar o financiamento expansionista da marca para outros mercados. O então director financeiro, Peter Bocian, disse que a unidade tinha tido margens operacionais de lucro de quase 15% por ano, o que equivale a um lucro de 50 milhões de libras.
Em 2008, a empresa apresentou perdas de 26 milhões de libras na cadeia do Reino Unido. No entanto, Schultz, CEO da marca, disse a um accionista que o negócio no país estava a correr tão bem que estava a planear pegar naqueles exemplos e aplicá-los nos Estados Unidos. Terá promovido Cliff Burrows, ex-chefe da cadeia no Reino Unido e da Europa, para dirigir a empresa nos Estados Unidos.
Em 2009, foram reclamadas perdas de 52 milhões de libras no ano financeiro até 27 de Setembro, mas o responsável disse aos accionistas que no Reino Unido a presença era “lucrativa”. Em 2010, a unidade registou 34 milhões de perdas, e foi dito que as vendas continuavam a crescer.
Em Setembro de 2011, o mesmo: foram reveladas perdas de 33 milhões de libras.
Quando a Reuters questionou Troy Alstead, CEO, sobre as contas apresentadas às autoridades fiscais britânicas, disse apenas que “o Reino Unido é muito conturbado”. Não explicou porque é que o negócio no país se transformou numa decepção, mas disse que a marca estava a tomar “acções muito agressivas” para melhorar o seu desempenho, incluindo alterações à estrutura de custos.
Meacher, politico britânico, afirmou que a experiência Starbucks “reflecte problemas mais vastos no sistema do Reino Unido, que permite que as empresas paguem menos impostos do que deveriam. Muitos activistas fiscais dizem que o fracasso é, em parte, devido às politicas: os sucessivos governos pediram às autoridades fiscais para assumir uma postura de incentivo aos negócios. O Reino Unido é dos poucos países ricos que não possuem uma legislação anti-evasão fiscal, algo que o Governo está agora a preparar”.
Os direitos de autor
Perante as contradições entre as contas da Starbucks no Reino Unido e os seus comentários perante investidores e accionistas, Alstead, CFO da marca, identificou dois factores em jogo, ambos relacionados com pagamentos entre empresas do mesmo grupo.
O primeiro diz respeito ao pagamento de direitos de autor sobre a propriedade intelectual a empresas ligadas à marca. A Starbucks, enquanto empresa de bens de consumo, adquiriu as mesmas regras de propriedade intelectual que possuem empresas como a Google ou a Microsoft.
Essas empresas foram identificadas pelo senador Carl Levin, presidente da comissão permanente de investigações do Senado norte-americano, que lidou de perto com a forma como as empresas americanas escondem milhões das autoridades fiscais, e que está ligado a paraísos offshore. Trata-se colocar a propriedade intelectual em espaços e depois cobrar a subsidiárias direitos de autor.
Como essas empresas da área da tecnologia, a Starbucks criou a sua unidade no Reino Unido e outras operações no exterior pagam uma taxa de direitos de autor à marca – cerca de 6% do total das suas vendas – para usarem a sua “propriedade intelectual” não só enquanto marca mas em todos os negócios. Estes pagamentos levaram à redução do lucro tributável no Reino Unido. A McDonald’s também fez uma medida semelhante, mas com uma taxa de pagamento inferior, na ordem dos 4 a 5%.
Essas taxas de direitos de autor terão sido pagas pelas unidades europeias d marca com sede em Amesterdão, Holanda, a Starbucks Coffe EMEA BV, descrita pela empresa como a sua sede na Europa, embora Michelle Gass, presidente da empresa na Europa, esteja realmente baseado em Londres.
Não está claro onde se atinge o limite do dinheiro pago pela Starbucks Coffee EMEA BV, ou quantos impostos foram pagos sobre ele.
Michael McIntyre, professor na Wayne State University Law School, disse que era raro essas taxas serem levadas para os Estados Unidos, onde os lucros das empresas são tributados em até 39%. Pelo contrário, advogados frisam que na Suíça os ganhos em direitos de autor podem ser tributados a uma taxa tão baixa como 2%.
Alocação de recursos
O segundo factor para a contradição nas contas tem ligação com a exigência de alocar alguns dos recursos gerados no Reino Unido para outras subsidiárias da sua cadeia de fornecimento. “O lucro fica onde o valor é criado. Isso é um princípio que se tem de assinar”, disse Alstead, CFO da marca.
Starbucks terá comprado café para o Reino Unido através de uma empresa de Lausanne, com sede na Suíça, a Starbucks Coffee Trading Co. Antes o feijão chegar ao Reino Unido eles são objecto de tratamento numa subsidiário com sede em Amesterdão.
Troy Alstead disse que as autoridades fiscais na Holanda e na Suíça exigem que a Starbucks faça alocação de alguns lucros das suas vendas no Reino Unido para estas unidades na Holanda e Suíça. Esta é uma exigência comum às multinacionais que estabelecem uma fixação de preços, medida conhecida como “preços de transferência”, aplicada a produtos que passam por entidades diferentes do mesmo grupo.
Especialistas dizem que estes “preços de transferência” também são uma maneira de uma empresa conseguir minimizar a sua factura fiscal.
Não está ainda claro como a Starbucks aloca esses custos. O que está claro é que, enquanto a sua subsidiária no Reino Unido passava por perdas, a operação holandesa tinha pequenos lucros. Nos últimos três anos, a unidade de Amesterdão teve um volume médio de negócios, em termos anuais, na ordem dos 154 milhões de euros, mas registou um lucro médio de 1,6 milhões de euros. Em média, 84% das receitas anuais da unidade holandesa aconteceram com a compra de bens, como os grãos de café, a electricidade para cuidar dos grãos e os materiais para as embalagens.
Os lucros das empresas são tributados a 24% no Reino Unido e 25% na Holanda, enquanto que os lucros ligados ao comércio internacional de produtos como o café são tributados a taxas tão baixas como 5% na Suíça, segundo advogados locais.
A Starbucks foi objecto de um inquérito fiscal no Reino Unido em 2009 e 2010, sobre as práticas da empresa quanto aos “preços de transferência”. O inquérito terá acontecido sem sobressaltos, tendo sido “feito sem recurso a qualquer outra acção”, disse um porta-voz da empresa. As autoridades fiscais britânicas recusaram-se a fazer comentários sobre este inquérito.
A terceira via
As contas da Starbucks no Reino Unido mostram uma terceira via usada para cortar no pagamento dos impostos: os empréstimos entre empresas. Esta é uma táctica comum para transferir lucros para países com uma tributação inferior, de acordo com um manual de orientação utilizado pelas autoridades fiscais do Reino Unido, que tentam limitar o uso da técnica.
Uma análise às contas indicam que a unidade da Starbucks no Reino Unido tem sido inteiramente financiada por dividas destes empréstimos, que terão suportado as empresas do grupo em dois milhões de libras de juros, em 2011. Como comparação, no McDonald’s do Reino unido, com 465 filiais, mais do que a cadeia de cafés, pagou apenas um milhão de libras para as empresas do grupo, no mesmo ano.
Esta história gerou polémica no país e chegou ao Governo, tendo os responsáveis máximos de multinacionais como a Google, Amazon e a própria Starbucks ido ao parlamento para prestar esclarecimentos quanto aos baixos impostos pagos, apesar da alta facturação.
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