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O genocídio de Gaza como política explícita: Michael Hudson identifica tudo

Quando alguém com a estatura intelectual de Michael Hudson se pronuncia, com tanta dureza e sem poupar nas palavras, sobre o genocídio em curso do povo palestiniano, isso adquire um peso especial. Três ideias centrais: uma, que o que se passa agora não é mais do que a Solução Final de um objectivo formulado desde 1945: uma Palestina geograficamente existente mas de onde o seu povo seria eliminado. Outra, que os EUA e Israel são igualmente responsáveis por este crime contra a humanidade. Outra, que este genocídio é mais uma etapa da tentativa de imposição ao mundo da “ordem baseada em regras” definidas pelos EUA, ou seja, da sua dominação seja por que meios for. Todavia, observa Hudson, o que está a acontecer é o oposto do que pretendiam. A grande maioria dos países do mundo volta-lhes as costas, e procura construir um novo modelo global de relacionamento e convivência entre países e povos.

por Pepe Escobar (PT) | Strategic Culture Foundation

ODiario.info - 17 de abril, 2024

https://www.odiario.info/o-genocidio-de-gaza-como-politica/

Naquele que pode ser considerado o podcast mais crucial de 2024 até ao momento, o Professor Michael Hudson - autor de obras seminais como Super-Imperialism e o recente The Collapse of Antiquity , entre outros - estabelece clinicamente os antecedentes essenciais para compreender o impensável: um genocídio do século XXI transmitido em directo 24/7 para todo o planeta.

Numa troca de e-mails, o Prof. Hudson detalhou que agora está essencialmente a “desabafar” sobre como, “há 50 anos, quando trabalhei no Hudson Institute com Herman Kahn [o modelo para o Dr. Strangelove de Stanley Kubrick], membros da Mossad israelita estavam ali em formação, incluindo Uzi Arad. Fiz duas viagens internacionais com ele, e ele descreveu-me praticamente o que aconteceu hoje. Tornou-se chefe da Mossad e é agora conselheiro de Netanyahu”.

O Prof. Hudson mostra como “o plano básico de Gaza é como Kahn concebeu na Guerra do Vietname a divisão em sectores, com canais a separar cada aldeia, tal como os israelitas estão a fazer com os palestinianos. Também já nessa altura, Kahn apontou o Balochistão como a área para fomentar a perturbação no Irão e no resto da região”.

Não é por acaso que o Balochistão tem sido o território privilegiado da CIA durante décadas e, recentemente, com o incentivo adicional da perturbação, por todos os meios necessários, do Corredor Económico China-Paquistão (CPEC) - um nó de conectividade fundamental da Iniciativa Chinesa “Uma Faixa, Uma Rota” (BRI).

O Prof. Hudson liga então os pontos principais: Hudson liga os pontos principais: “Na minha opinião, o que os EUA estão a fazer com Israel é um ensaio geral para avançar para o Irão e o Mar do Sul da China. Como sabe, não há Plano B na estratégia americana por uma razão muito boa: se alguém criticar o Plano A, é considerado como não sendo um jogador de equipa (ou mesmo um fantoche de Putin), por isso os críticos têm de sair quando vêm que não vão ser promovidos. É por isso que os estrategas americanos não param para repensar o que estão a fazer”.

Isola-os em locais estratégicos e depois mata-os

Na nossa troca de e-mails, o Prof. Hudson observou que “foi isto basicamente o que eu disse” em referência ao podcast com Ania K, com base nas suas notas (aqui está a transcrição completa e revista (aqui a transcrição completa e revista). Apertem os cintos: a verdade nua e crua é mais letal do que o impacto de um míssil hipersónico.

Sobre a estratégia militar sionista em Gaza:

“A minha formação nos anos 70, no Hudson Institute, com Uzi Arad e outros estagiários da Mossad. A minha área era BoP, mas participei em muitas reuniões em que se discutia a estratégia militar e voei duas vezes para a Ásia com Uzi e fiquei a conhecê-lo.

A estratégia dos EUA e de Israel em Gaza baseia-se, em muitos aspectos, no plano de Herman Kahn que foi aplicado no Vietname na década de 1960.

Herman concentrava-se na análise de sistemas. Começar por definir o objectivo global e, depois, como atingi-lo?

Primeiro, isola-os em Locais Estratégicos. Gaza foi dividida em distritos, exigindo passes electrónicos para entrar de um sector para outro, ou para Israel judaica para trabalhar.

Primeira coisa: matá-los. Idealmente por bombardeamento, porque isso minimiza as baixas internas para o teu exército.

O genocídio a que assistimos hoje é a política explícita dos fundadores de Israel: a ideia de “uma terra sem povo” significa uma terra sem pessoas não judias. Estes deviam ser expulsos - começando mesmo antes da fundação oficial de Israel, na primeira Nakba, o holocausto árabe.

Dois primeiros-ministros israelitas eram membros do bando de terroristas Stern. Fugiram da sua prisão britânica e juntaram-se para fundar Israel.

O que estamos a ver hoje é a Solução Final para este plano. Também se enquadra nos desejos dos EUA de controlar o Médio Oriente e as suas reservas de petróleo. Para a diplomacia dos EUA, o Médio Oriente É (em maiúsculas) petróleo. E o ISIS faz parte da legião estrangeira dos EUA desde que foi organizado pela primeira vez no Afeganistão para combater os russos.

É por isso que a política israelita tem sido coordenada com a dos EUA. Israel é a principal oligarquia cliente dos EUA no Médio Oriente. A Mossad é sobretudo quem gere o ISIS na Síria e no Iraque, e onde quer que os EUA possam enviar terroristas do ISIS. O terrorismo e mesmo o actual genocídio são centrais para a geopolítica dos EUA.

Mas, como os EUA aprenderam na Guerra do Vietname, as populações protestam e votam contra o Presidente que supervisiona esta guerra. Lyndon Johnson não podia fazer uma aparição pública sem que multidões a gritar contra ele. Tinha de se esgueirar pela entrada lateral dos hotéis onde discursava.

Para evitar um embaraço como o de Seymour Hersh ao descrever o massacre de My Lai, bloqueia-se o acesso dos jornalistas ao campo de batalha. Se estiverem lá, matamo-los. A equipa Biden-Netanyahu tem tido como alvo particular os jornalistas.

Portanto, o ideal é matar a população passivamente, para minimizar o bombardeamento visível. E a linha de menor resistência é matar a população à fome. Essa tem sido a política israelita desde 2008".

E não esquecer de os matar à fome

Hudson faz uma referência directa a um artigo de Sara Roy no The New York Review of Books, citando um telegrama da Embaixada dos EUA em Tel Aviv para o Secretário de Estado em 3 de novembro de 2008. O telegrama diz: “Como parte do seu plano global de embargo contra Gaza, os funcionários israelitas confirmaram aos [funcionários da embaixada], em várias ocasiões, que tencionam manter a economia de Gaza à beira do colapso, ainda que sem a empurrar para o precipício.”

Para o Prof. Hudson, isto conduziu a Israel “destruir barcos de pesca e estufas de Gaza para a privar de se alimentar pelos seus meios”.

A seguir, juntou-se aos Estados Unidos para bloquear a ajuda alimentar das Nações Unidas e de outros países. Os EUA retiraram-se rapidamente da agência de ajuda humanitária da ONU assim que as hostilidades começaram fazendo-o imediatamente após a conclusão do TIJ de genocídio plausível. O país era o principal financiador desta agência. A esperança era que isso fizesse recuar as suas actividades.

Israel deixou simplesmente de deixar entrar a ajuda alimentar. Criou longas, longas filas de inspeção, ou seja, uma desculpa para reduzir a velocidade dos camiões para apenas 20% do ritmo anterior a 7 de outubro - de um ritmo normal de 500 por dia para apenas 112. Para além de bloquear os camiões, Israel tem tido como alvo os trabalhadores humanitários - cerca de um por dia.

Os Estados Unidos tentaram evitar ser condenados fingindo construir um cais para descarregar alimentos por via marítima. A intenção era que, na altura em que o cais fosse construído, a população de Gaza já estaria morta à fome.”

Biden e Netanyahu como criminosos de guerra

O Prof. Hudson traça sucintamente a ligação chave de toda esta tragédia: “Os EUA estão a tentar culpar uma pessoa, Netanyahu. Mas esta tem sido a política israelita desde 1947. E é a política dos EUA. Tudo o que está a acontecer desde 2 de outubro, quando a mesquita de Al-Aqsa foi invadida por colonos israelitas, o que levou à retaliação do Hamas [Inundação de Al-Aqsa] em 7 de outubro, foi coordenado de perto com a administração Biden. Todas as bombas que têm sido lançadas, mês após mês, bem como o bloqueio da ajuda das Nações Unidas.

O objectivo dos EUA é impedir que Gaza tenha os direitos sobre o gás offshore que ajudariam a financiar a sua própria prosperidade e a de outros grupos islâmicos que os Estados Unidos consideram inimigos. E para mostrar aos países vizinhos o que lhes será feito, tal como os EUA fizeram à Líbia pouco antes de Gaza. O resultado final é que Biden e os seus conselheiros são tão criminosos de guerra como Netanyahu”.

Hudson sublinha que “o embaixador dos EUA na ONU, Blinken e outros funcionários dos EUA disseram que a decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre o genocídio e apelando a que pare não é vinculativa. Depois, Blinken acabou de dizer que não está a ocorrer nenhum genocídio.

O objectivo dos EUA com tudo isto é acabar com a orientação do direito internacional tal como a ONU o representa. Este deve ser substituída pela “ordem baseada em regras” dos EUA, sem quaisquer regras publicadas.

A intenção é tornar os EUA imunes a qualquer oposição às suas políticas com base em princípios legais de direito internacional ou leis locais. Mãos totalmente livres - o caos.

Os diplomatas norte-americanos olharam para o futuro e viram que o resto do mundo está a preparar-se para se retirar da órbita dos EUA e da NATO europeia.

Para fazer face a este movimento irreversível, os Estados Unidos estão a tentar desarmá-lo, liquidando todos os vestígios das regras internacionais que estiveram na base da fundação da ONU e, na verdade, do princípio Vestefaliano de 1648, de não ingerência nos assuntos de outros países.

O efeito real, como de costume, é exactamente o oposto do que os EUA pretendiam. O resto do mundo está a ser forçado a criar a sua própria Nova ONU, juntamente com um novo FMI, um novo Banco Mundial, um novo Tribunal Internacional de Haia e outras organizações controladas pelos EUA.

Assim, o protesto do mundo contra o genocídio israelita em Gaza e na Cisjordânia - não esquecer a Cisjordânia - é o catalisador emocional e moral para a criação de uma nova ordem geopolítica multipolar para a Maioria Global.”

Desaparecer ou morrer

A questão fundamental continua a ser: o que acontecerá a Gaza e aos palestinianos. O Prof. Hudson é sombriamente realista: “Tal como Alastair Crooke explicou, agora não pode haver uma solução de dois Estados em Israel. Tem de ser ou tudo israelita ou tudo palestiniano. E a situação actual é totalmente israelita - o sonho desde o início, em 1947, de uma terra sem não-judeus.

Gaza continuará a existir geograficamente, juntamente com os seus direitos sobre o gás no Mediterrâneo. Mas será esvaziada e ocupada pelos israelitas”.

Sobre quem “ajudaria” a reconstruir Gaza, já há alguns interessados: “Empresas de construção turcas, Arábia Saudita a financiar empreendimentos, Emirados Árabes Unidos, investidores norte-americanos - talvez Blackstone. Será investimento estrangeiro. Se olharmos para o facto de que os investidores estrangeiros de todos estes países estão à procura do que podem obter do genocídio contra os palestinianos, percebemos porque não há oposição ao genocídio”.

O veredicto final do Prof. Hudson sobre “o grande benefício para os EUA” é que “não podem ser apresentadas queixas contra os EUA - e contra qualquer das guerras e mudanças de regime que estão a planear para o Irão, China, Rússia e para o que foi feito em África e na América Latina.

Israel, Gaza e Cisjordânia devem ser vistos como uma abertura da Nova Guerra Fria. Um plano para, basicamente, financiar o genocídio e a destruição. Os palestinianos ou emigram ou são mortos. Essa tem sido a política anunciada há mais de uma década”.

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan.

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