Esquerda.net - 22 de Março, 2013
Em 15 de março de 2003, George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, tendo Durão Barroso como anfitrião, reuniram-se nos Açores e lançaram o ultimato que desencadeou a invasão do Iraque, mesmo sem o mandato das Nações Unidas. Dez anos depois, apenas Barroso se mantém em funções políticas, apesar de fora do seu país.
Tony Blair queixa-se das ofensas que ouve na rua
O ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair reconheceu numa entrevista recente à BBC que dez anos depois da invasão do Iraque ainda encontra pessoas “muito ofensivas” em relação a ele, e que desistiu de convencê-las de que a decisão de invadir foi correta. O entrevistador perguntara-lhe se se importava de que as pessoas o chamassem de mentiroso, de criminoso de guerra, e se era difícil andar na rua com tranquilidade.
A verdade é que Blair já passou pelo menos por quatro ocasiões em que cidadãos tentaram dar-lhe voz de prisão, executando uma “prisão cidadã” por crimes contra a paz. A iniciativa foi lançada pelo site Arrest Blair que lista quatro objetivos a obter com as “prisões cidadãs”: 1) lembrar que a justiça ainda não foi feita; 2) mostrar a Blair que os assassinatos maciços de que ele é responsável não serão esquecidos; 3) pressionar as autoridades do Reino Unido e dos países por onde ele passa a processá-lo por crimes contra a paz; 4) desencorajar outros a repetirem o mesmo crime.
Criminoso de guerra
As acusações de que Blair é um criminoso de guerra têm-se multiplicado e quem o faz não são só os ativistas antiguerra. Personalidades mundiais, como o arcebispo Prémio Nobel da Paz Desmond Tutu, um dos líderes do movimento antiapartheid na África do Sul, dizem o mesmo. Tutu foi mesmo mais longe: no final de 2012 defendeu que Tony Blair e George W. Bush fossem levados diante do Tribunal Penal Internacional de Haia por terem mentido sobre a existência de armas de destruição maciça. Tutu argumentou que o número de vítimas provocado pela invasão e a guerra que se seguiu são mais que suficientes para que Blair e Bush sejam julgados no TPI.
David Miliband, ex-secretário dos Negócios Estrangeiros e deputado trabalhista, irmão do atual líder do Labour, é da opinião que “a pior coisa que aconteceu a Tony Blair foi a eleição de George W. Bush, pela direção em que este levou o mundo”. O problema é que Blair chegou a argumentar que a sua proximidade a Bush lhe tinha permitido influenciar as decisões, mas a verdade é que todas as testemunhas dos bastidores da invasão agora confirmam que Blair limitou-se a dizer que qualquer que fosse a decisão de Bush, o Reino Unido apoiá-la-ia.
Blair não reconhece que o seguidismo em relação a Bush foi um erro, mas não é acompanhado pelos que lhe estavam próximos na altura. No início de março deste ano, John Prescott, que era o vice-primeiro-ministro de Blair, disse que a guerra que ele próprio apoiou “não pode ser justificada”. Prescott disse que tentou justificar a decisão, mas não conseguiu: “Não pode ser justificada como intervenção”, reconheceu.
Fim de linha em 2007
A invasão do Iraque foi o início do fim da carreira de Blair. O primeiro-ministro britânico ganharia ainda as eleições de maio de 2005, mas a maioria trabalhista de 160 deputados reduziu-se para 66. Em 27 de junho de 2007, Blair renunciou ao cargo e também ao mandato de deputado. Logo depois, foi confirmado como enviado da ONU ao Médio Oriente anunciando um novo plano de paz para a região, que nunca saiu do papel. A dedicação de Blair ao novo cargo também não foi melhor. Exemplo disso foi que nos primeiros nove dias da invasão de Israel a Gaza, o ex-primeiro-ministro manteve-se totalmente alheio, tendo porém sido visto na inauguração de uma loja Armani em Knightsbridge. Assessores de Blair disseram depois que ele se mantivera em contacto telefónico com líderes mundiais desde o início do conflito.
Fortuna pessoal
Calcula-se que a fortuna pessoal de Blair seja de 60 milhões de libras, a maioria acumulada depois que chegou ao cargo de primeiro-ministro. Em janeiro de 2008, o ex-líder trabalhista foi contratado como conselheiro do banco de investimentos JPMorgan Chase e como conselheiro para questões relacionadas às alterações climáticas do Zurich Financial Services. Além disso, Blair cobra 250 mil dólares por uma palestra de 90 minutos. Em julho de 2010 foi revelado que os seus guarda-costas custam às finanças públicas britânicas 250 mil libras ao ano.
Bush entrou no ranking dos piores presidentes dos EUA
Quando terminou o seu mandato na Presidência dos Estados Unidos, em janeiro de 2009, George W. Bush voou para o Texas e desde então tem vivido discretamente numa casa em Preston Hollow, nos arredores de Dallas.
As aparições públicas têm sido raras: participação via vídeo no programa de TV Colbert Report, ao funeral do senador Ted Kennedy, intervenções em seminários de Motivação, participação, a pedido de Obama e junto com Bill Clinton, num fundo para ajudar o Haiti.
Em 2010, admitiu ter autorizado o uso de técnicas de tortura como o afogamento e afirmou que voltaria a fazê-lo “se fosse para salvar vidas”.
Em fevereiro de 2011, desistiu de uma visita que pretendia fazer à Suíça, temendo as ameaças de protestos durante um discurso que pretendia fazer em Geneva e sobretudo temendo a possibilidade de ser detido por ter autorizado o uso de tortura, violando as convenções internacionais sobre essa prática.
No outono de 2012, a revista New York revelou que o ex-presidente descobrira recentemente a vocação da pintura, e que pintara dois autorretratos a tomar banho e no chuveiro. Mais tarde, revelou-se que tinha cerca de 50 retratos de cães.
A rede de TV a cabo C-SPAN realizou em 2000 e atualizou em 2009 um ranking dos presidentes da República dos Estados Unidos, que colocou George W. Bush entre os piores presidentes da história do país, junto com Warren G. Harding, Andrew Johnson, Franklin Pierce e James Buchanan.
Duas mentiras derrotaram Aznar
Em dezembro de 2008, o ex-presidente do governo de Espanha, José María Aznar, reconheceu que não havia armas de destruição maciça no Iraque. “O mundo inteiro pensava que havia armas de destruição maciça e não havia, sei-o agora”, disse Aznar num ciclo de conferências. “Quando eu não sabia, ninguém sabia”, justificou.
Um ano antes já tinha dito que não se arrependia de ter envolvido o seu país na guerra do Iraque, porque foi “um dos momentos mais influentes da história do país”.
“Nunca me vou arrepender de a Espanha ter vivido um dos momentos mais influentes da sua história e não me arrependo disso. Arrepender-me-ia de não ter estado à altura das circunstâncias”, disse, defendendo que era fundamental estar “ao lado dos aliados mais fortes possível”.
Nova mentira
Em março de 2004, o PP de Aznar perdeu as eleições depois de o chefe do governo atribuir à ETA a responsabilidade dos atentados que provocaram a morte de 191 pessoas e mais de 1500 feridos. Muitos cidadãos consideraram que o governo mentia acerca da autoria do atentado para que não se considerasse que este era uma represália da Al-Qaeda pelo envio de tropas espanholas para o Iraque.
Assim, duas mentiras – as armas de destruição maciça e a atribuição à ETA da responsabilidade do 11-M – selaram o futuro de Aznar.
“Ecologismo é o novo comunismo”
Derrotado nas eleições, Aznar foi presidir a Fundación para el Análisis y los Estudios Sociales (FAES), foi nomeado presidente de honra do PP e tornou-se membro do Conselho de Estado.
Em junho de 2006, o ex-chefe do governo espanhol foi nomeado para o Conselho de Administração do grupo News Corporation, de Rupert Murdoch, que lhe paga 220 mil dólares anuais pelo cargo.
Aznar foi também nomeado presidente para a América Latina da J.E. Robert, empresa dedicada a grandes operações imobiliárias nos Estados Unidos e na Europa e também entrou no Comité Assessor da Centaurus Capital, uma empresa de capital de risco especializada em hedge funds, cargo que abandonaria em 2009.
As suas intervenções políticas posteriores foram marcadas fortemente pelo conservadorismo. Em outubro de 2008, por exemplo, afirmou que o ecologismo é o novo comunismo, mostrando-se cético em relação aos perigos das alterações climáticas.
Barroso disse que foi enganado
Em novembro de 2007, numa entrevista à TSF e ao Diário de Notícias, Durão Barroso afirmou que na Cimeira dos Açores foi enganado: “Houve informações que me foram dadas, a mim e a outros, que não corresponderam à verdade. Tive documentos na minha frente dizendo que o Iraque tinha armas de destruição maciça. Isso não correspondeu à verdade”, disse.
Ainda assim, Barroso defendeu que Portugal nada tinha a lamentar sobre o papel que assumiu, e a prova disso seria a sua própria situação. "Portugal, ao dizer que sim ao seu aliado norte-americano, não perdeu espaço com isso, nem tem que estar arrependido. Eu fui, depois dessas decisões, convidado a ser Presidente da Comissão Europeia, e tive o consenso de todos os países europeus."
A 29 de junho de 2004, Barroso anunciou a sua demissão da chefia do governo português, para assumir o cargo de 12º presidente da Comissão Europeia, sucedendo neste cargo a Romano Prodi.
Foi substituído no governo por Pedro Santana Lopes, mas, passados poucos meses, o presidente Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições antecipadas, vencidas por José Sócrates.
Em 2011, o ex-presidente francês Jacques Chirac publicou um segundo volume das suas memórias, "Le temps présidentiel", onde criticou Durão Barroso pela sua posição pró-americana na guerra no Iraque, afirmando que avisou diversas vezes, pessoalmente, tanto Bush como os seus aliados, das consequências negativas da guerra e da decisão de atacar o Iraque sem mandato das Nações Unidas.
http://www.esquerda.net/dossier/os-senhores-da-guerra-dez-anos-depois/27161