Ao final, como seria previsível, o Dono do Circo deu uma de TACO (“Trump Always Chickens Out”)
Ao final, como seria previsível, o Dono do Circo deu uma de TACO (“Trump Always Chickens Out”, ou “Trump Sempre Amarela”).
Ele entrou em pânico devido a três desdobramentos cruciais de base realista:
1. A mensagem iraniana sobre estar se preparando para fechar o Estreito de Hormuz. A CIA havia avisado Trump de que a China se opunha visceralmente ao bloqueio do Estreito. Essa foi uma das razões, segundo um veterano do Deep State, para Trump ter se decidido a, mesmo assim, lançar sua “espetacular” (sic) operação teatral em Fordow. Mas quando o espectro de um Hormuz bloqueado destruindo a economia global se tornou real, ele deu uma de TACO.
2. O aviso iraniano expresso no bombardeio da base de Al-Udeid, no Catar, a jóia militar da coroa imperial no Oeste Asiático. Até mesmo fontes atlanticistas em Doha confirmam que os danos infligidos à base – evacuada – foram “monumentais”, e que pelo menos três mísseis atingiram seu alvo. Teerã, indubitavelmente, estava dizendo: podemos atingir vocês a qualquer hora, em qualquer lugar, com as armas que bem entendermos. E seus lacaios do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) jogarão a culpa em você.
3. É possível afirmar que a razão principal teria sido a de que os genocidas de Tel Aviv estarem – rapidamente - ficando sem interceptadores; e que, na verdade, todo o sistema da rede de defesa aérea está com problemas. No último ataque significativo dos mísseis iranianos contra a Palestina ocupada, na manhã de segunda-feira, a taxa de interceptação caiu para menos de 50%, e o Irã passou a tomar como alvo a rede elétrica de Israel. A nova diretriz do Irã – ofensiva estratégica, não paciência – teve como objetivo paralisar por completo a economia israelense. Além disso, os genocidas já haviam pedido a Teerã que “pusesse fim à guerra”. Teerã respondeu que a hora ainda não havia chegado. Daí os genocidas pedirem socorro a Papai Trump.
A cadeia de acontecimentos que levou ao cessar-fogo continua obscura. Um importante fator acelerador foi Putin ter se encontrado pessoalmente com o chanceler iraniano Araghchi no Kremlin, na segunda-feira.
Falando em nome do Aiatolá Khamenei, Araghchi pode ter pedido um sólido fornecimento de armas e, principalmente, de sistemas de defesa, embora isso venha a levar tempo, em especial tendo em vista que a parceria estratégica recentemente aprovada tanto pela Duma quanto pelo Majlis de Teerã não é – oficialmente – uma aliança militar.
Mas segundo fontes de Moscou que foram informadas sobre a reunião, Putin de fato colocou a Rússia no centro de uma possível resolução, deixando Washington de lado, portanto. A Equipe Trump 2.0 se enfureceu. Trump se gabou de que tanto o Irã quanto Israel haviam, quase que simultaneamente, ligado para ele pedindo que providenciasse um cessar-fogo. Bobagem: só Tel Aviv ligou. Como Putin mais uma vez deixou claro que a Rússia apoiaria o Irã, ele, de forma indireta, ofereceu a Trump uma rampa de saída.
Como é típico dele, o Dono do Circo entrou na conversa tentando vender um cessar-fogo com sua marca registrada, bem ao estilo reality show. E isso apenas dois dias depois de anunciar, exultante, que o programa nuclear iraniano havia sido “obliterado” (ele insiste em afirmar isso, embora a inteligência dos Estados Unidos admita que o programa talvez tenha sido atrasado em alguns meses”).
Um tabu supremo foi quebrado
O Irã aprendeu algumas lições importantes da forma mais dura possível, pagando um preço horrendo. Teerã foi demasiadamente transparente e razoável ao tratar com um bando de gângsters: desde permitir o monitoramento pela Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), que acabou mostrando ser um processo de coleta de preciosas informações de inteligência para Israel, que seriam usadas na escolha de alvos, até acreditar na diplomacia e em honrar compromissos, que foram ignorados sem a menor cerimônia.
Não há diplomacia quanto se trata de lidar com o Leviatã/Beemote imperial – principalmente quando ele, horrorizado, contempla o apagamento de suas pegadas por todo o Sul Global.
Em termos internos, entretanto, o Irã está subindo de nível. Há, pelo menos, três facções em confronto: o Aiatolá Khamenei e seu círculo mais próximo mais o Corpo de Guarda da Revolução Islâmica (CGRI); os reformistas, encarnados na mansa presidência de Pezeshkian; e aquilo que pode ser interpretado como os nacionalistas seculares, que querem um Irã forte, mas não uma teodemocracia.
Agora o CGRI detém todo o poder. A defesa da pátria contra o eixo sionista, que inclui o Império, cristalizou um sentimento generalizado de unidade e orgulho nacional. Todos os setores da população iraniana – 90 milhões, alguém diga para o patético Marco Rubio – se congregaram em torno da bandeira.
Em termos conceituais, o cessar-fogo – que ninguém sabe por quanto tempo irá durar – é desfavorável ao Irã, uma vez que sua crescente capacidade de contenção está agora perdida. Israel terá suas defesas aéreas febrilmente substituídas, enquanto o Irã, sozinho, precisará de meses, e até mesmo anos, para reconstruir.
O modus operandi imperial continua o mesmo. O Dono do Circo viu que uma monstruosa humilhação era iminente – algo como um Vietnã israelense e, por essa razão, anunciou um cessar-fogo unilateral e fugiu.
Entretanto, a configuração para as próximas batalhas mudou. Se Washington se decidir novamente por escalar, ou vir a recorrer à prática testada de usar o terror por procuração, o Irã, como o líder de fato da Resistência, irá contra-atacar de forma resoluta. O mito da invencibilidade genocida foi destruído para sempre. O Sul Global inteiro viu, e agora leva esse fato em séria consideração.
Continua aberta a sérios debates a questão de se Teerã acabará por se seguir um modelo Coreia do Norte para se contrapor à imposição – até agora fracassada – de um modelo Líbia e/ou Síria. O enriquecimento de urânio irá continuar. Acrescido de uma reviravolta de enredo tipo filme noir: ninguém sabe onde está o urânio.
Como se pode prever, o Império do Caos não vai parar. Só quando todo o Sul Global se unir com vontade férrea e forçá-lo a parar. As condições - ainda - não estão colocadas.
Nas atuais circunstâncias, o verdadeiro cessar-fogo seria entre os Estados Unidos e o Sul Global, institucionalmente liderado pela Rússia-China, pelos BRICS e várias outras organizações multipolares. A chance de as classes dominantes dos Estados Unidos honrarem um cessar-fogo prolongado, se isso vier a acontecer, são menos que zero.
Quanto ao cessar-fogo Irã-Israel, esse não é o fim da guerra. Ao contrário, trata-se do dúbio final da primeira batalha aberta. Os cães e hienas da guerra estarão de volta, mais cedo ou mais tarde. Haverá sangue – vez após vez. Mas, ao menos, um tabu supremo foi quebrado: aquele culto à morte do Oeste Asiático pode ser ferido de morte.
Tradução de Patricia Zimbres
Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan.
https://www.brasil247.com/blog/o-kabuki-do-cessar-fogo