O mundo ocidental retrocede cada vez mais para a irrealidade
Uma das curiosidades dos tempos que vivemos é constatar-se que, face à irracional e dementada escalada EUA/NATO/UE no conflito da Ucrânia, as vozes mais lúcidas que se manifestam nos EUA se situem - como é o caso de Paul Craig Roberts - entre meios conservadores. Efectivamente do que se trata é, cada vez mais claramente, contrapor racionalidade à completa ausência dela, contrapor o direito da vida humana à sobrevivência a um sistema monstruoso que preferiria a destruição do planeta à perspectiva da sua própria derrota.
por Paul Craig Roberts (PT) | paulcraigroberts.org
ODiario.info - 10 de dezembro, 2024
https://www.odiario.info/o-mundo-ocidental-retrocede-cada-vez/
Caros leitores,
Não vos parece estranho que a humanidade enfrente a possibilidade de extinção e não exista um movimento pela paz? Será que o nosso descuido vai tão longe que somos indiferentes à nossa existência? Até sites de media alternativos, como o Simplicius, minimizam a ameaça.
A 18 de Novembro de 2024, os EUA e a NATO dispararam de solo ucraniano mísseis contra a Rússia, apesar de o governo russo ter anunciado claramente que essa acção imprudente daria início a uma guerra entre o Ocidente e a Rússia. A imprensa ocidental noticiou que a Ucrânia disparou os mísseis fornecidos pelos EUA e pelo Reino Unido, mas isso é uma mentira. Os ucranianos não têm formação para operar o sistema de mísseis e não têm capacidade para os apontar. Os mísseis têm de ser operados por pessoal dos EUA/NATO.
Os mísseis foram interceptados pela defesa aérea russa. No entanto, o seu disparo colocou os EUA e a NATO em guerra com a Rússia. A Rússia respondeu com a demonstração de um novo míssil, para o qual o Ocidente não tem equivalente ou capacidade de dissuasão, para destruir completamente uma instalação de produção militar ucraniana. A esperança de Putin era que a demonstração do novo míssil hipersónico russo dissuadisse novos ataques. Mas isso não aconteceu. É irónico que a tentativa de Putin de limitar o conflito, confinando-o ao Donbas, tenha dado ao Ocidente a oportunidade de alargar grandemente a guerra.
Em 23 e 25 de Novembro, os EUA/NATO voltaram a disparar mísseis contra a Rússia. Estamos a aguardar a resposta russa.
Putin, um líder democraticamente eleito com um apoio popular incomparável ao de qualquer líder ocidental, incluindo Trump, está em desvantagem nas suas relações com o Ocidente devido ao seu humanitarismo. É lento a reconhecer o mal e responde após o acontecimento à ameaça ocidental à existência da Rússia, em vez de o fazer de forma proactiva. Toda a iniciativa cabe ao Ocidente.
É provável que Putin tenha reparado que cada nova ação imprudente apresentada pelo Ocidente como forma de ajudar a Ucrânia foi primeiro negada e depois aprovada. Passo a passo, sistema após sistema de armas, inicialmente negado foi aprovado, incluindo mísseis de longo alcance que Washington disse que nunca seriam enviados. Quando foram enviados, Washington disse que os mísseis nunca seriam autorizados a ser utilizados para além do campo de batalha.
Agora, os mísseis, que nunca seriam enviados ou usados para além do campo de batalha, foram usados 3 vezes para atacar dentro da própria Mãe Rússia. Esta acção irresponsável e imprudente do regime de Biden e da NATO foi levada a cabo perante a declaração clara do governo russo de que isso significa que os EUA e a NATO estão em guerra com a Rússia, e desafia a doutrina militar russa revista que permite agora à Rússia atacar qualquer país, independentemente de ser uma potência nuclear, com armas nucleares se o país atacar a Rússia com armas convencionais. A doutrina permite que todos os países da NATO, incluindo os EUA, sejam atacados com armas nucleares se qualquer país aliado, como a Ucrânia, atacar a Rússia com armas convencionais. No contexto do conflito na Ucrânia, atacar a Rússia significa ir para além da própria área do campo de batalha.
Com os três ataques com mísseis dentro da Mãe Rússia, para além do próprio campo de batalha, Washington e a NATO tornaram legal, segundo a doutrina de guerra russa, que o Ocidente receba um ataque nuclear russo. Como já escrevi anteriormente, só um governo insano em Washington abriria a porta à guerra nuclear. É a paciência de Putin para com o Ocidente que está a impedir uma guerra nuclear.
É provável que Putin mantenha a sua paciência com a insanidade do Ocidente até que Trump esteja no poder e Putin determine se um tratado de defesa mútua, negado pelo insano regime de Biden, é possível com o regime de Trump. Caso contrário, não há base para a esperança de Putin de evitar uma grande guerra. Mais cedo ou mais tarde, Putin terá de passar de um modo reactivo para um modo proactivo, se quiser proteger a Rússia. Na verdade, determinado a envenenar a relação com Trump, Washington poderia atacar a central nuclear de Kursk e enviar radioactividade sobre a Rússia ou atacar Moscovo. Qualquer uma destas opções poderia acabar com a paciência de Putin.
Não são muitas as nomeações de Trump que são muito promissoras no que respeita ao fim do conflito. O director do Serviço Federal de Segurança russo afirmou que a eleição de Trump “não é susceptível de conduzir a mudanças radicais na política de Washington”. Espera mais provocações.
A questão que se ignora é quantas mais provocações aceitará Putin antes de a sua humanidade ser anulada pelo seu compromisso com a Rússia?
Quando testemunhamos, como claramente testemunhamos, o Ocidente a empurrar Putin para esta decisão, como podemos concluir outra coisa senão que o Ocidente está a empurrar o mundo para o Armagedão nuclear? Segundo a Tass, o serviço noticioso russo, o Presidente eleito Trump não contactou Putin. Consequentemente, Trump poderá nunca ter as 24 horas de que diz dispor para pôr fim ao conflito. Nessa altura, o mundo poderá já ter acabado. Considero extraordinário que Trump não tenha feito qualquer tentativa para desactivar a situação perigosa.
Existem na Polónia e na Roménia bases de mísseis americanas na fronteira da Rússia com sistemas de mísseis que podem disparar armas nucleares contra a Rússia. Há muitos anos que Putin se queixa da ameaça que estas bases americanas representam. Washington não as retirou e Putin nada fez a esse respeito. Se os EUA e a NATO continuarem a disparar mísseis da Ucrânia para a Rússia, apesar dos avisos claros de Putin, este, se for realista, tem de reconhecer que as bases de mísseis polacas e romenas dos EUA são ameaças da mais alta ordem. Ambas, como afirmou recentemente a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, estão na lista de alvos a eliminar pela Rússia.
A resposta dos EUA, tal como foi expressa pelo Conselheiro de Comunicações de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, é a seguinte “Levamos muito a sério os compromissos assumidos com os nossos aliados da NATO ao abrigo do artigo 5º. São sólidos como uma rocha e isso não vai mudar”. Por outras palavras, se a Rússia se proteger da possibilidade de um ataque nuclear dos EUA, Washington lançará a Terceira Guerra Mundial. Os idiotas de Washington acreditam que ter bases de mísseis com capacidade nuclear nas fronteiras da Rússia com a Polónia e a Roménia vale uma guerra nuclear. Digam-me que isto não é loucura.
O que é extremo, a minha advertência baseada em factos, ou as acções irresponsáveis de pessoas delirantes em Washington, perdidas nas suas próprias narrativas falsas, na sua própria arrogância e crença errada na sua invencibilidade e acerto?
E a ilusão é mesmo essa. Aqui está Frederick Starr, presidente do Instituto do Cáucaso da Ásia Central do Conselho Americano de Política Externa, a proclamar que Putin perdeu o conflito com a Ucrânia e enfrenta um derrube interno. A frente interna de Putin está a desmoronar-se, diz ele: https://nationalinterest.org/feature/ukraine-and-russia’s-collapsing-home-front-213869
Quais são os factos? A frente ucraniana está a desmoronar-se. O colapso é tão completo que a NATO está a discutir o fornecimento de armas nucleares à Ucrânia. Putin tem o mais forte apoio público de todos os líderes da Terra, reeleito para o cargo há 25 anos com margens que nenhum líder ocidental pode esperar, nem mesmo Trump. Mas, de acordo com Frederick Starr, “Putin já perdeu a guerra e a única questão é saber que medidas para salvar a face podem ser extraídas através de um acordo”. Starr refere que a derrota de Putin é tão completa que a sua presidência está em risco.
A seguir, temos o The Telegraph, outrora um razoável jornal conservador inglês, a dizer hiper-disparates. Uma semana depois de a Rússia ter demonstrado em acção um novo sistema de armas com o qual o Ocidente “avançado” nem sequer sonhava, o Telegraph afirma que “Putin seria louco se enfrentasse o Ocidente porque a produção de armas modernas na Rússia é impossível sem componentes ocidentais”. Então, de onde veio o míssil Oreshnik?
Não conheço nenhum sistema de armas ocidental que não tenha um equivalente russo superior. É evidente que na Ucrânia as alardeadas armas ocidentais foram facilmente derrotadas. Foram efectivamente expulsas do campo de batalha.
Os “líderes” do mundo ocidental vivem na crença das suas próprias mentiras e propaganda. A sua propaganda assumiu o controlo do seu próprio pensamento, tornando-os ignorantes da realidade. Há algo de muito errado com os povos ocidentais que elegem para o cargo pessoas totalmente estúpidas, capazes de destruir a vida na Terra simplesmente com base na ignorância resultante da sua auto-doutrinação.
A menos que Trump consiga sobreviver ao Estado Profundo, estar à altura do desafio e fazer da paz a vitória a alcançar, o mundo parece condenado.
Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administraçao Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissoes do Congresso em 30 ocasioes em questoes de política econômica. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Geórgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduaçao na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.
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