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O número oficial de mortos em Gaza é uma mentira

Há dias a prestigiada revista The Lancet alertava para que o número de mortos entre os palestinianos vítimas da agressão sionista será muito superior ao que vem sendo mencionado nos media dominantes. Este texto argumenta no mesmo sentido. Os cúmplices mediáticos do genocídio sionista quereriam reduzir a percepção pública da medonha tragédia que está a acontecer. A dimensão não alterará o hoje generalizado entendimento de que o que está em curso é um genocídio. Mas altera a escala do monstruoso crime que, com a cumplicidade e o apoio dos EUA e da UE, está a ser cometido.

por Jonathan Cook (PT) | jonathancook.substack.com

ODiario.info - 6 de agosto, 2024

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fonte: jonathancook.substack.com

O número de mortos em Gaza que vem sendo referido é demasiado baixo, tendo em conta todas as métricas imagináveis. É preciso sublinhar este facto - tanto mais que os apologistas de Israel estão vigorosamente empenhados numa campanha de desinformação para sugerir que os números estão inflacionados.

A 6 de Maio, 7 meses após Israel iniciar o massacre, eram referidas 34 735 mortes. Isto corresponde a uma média de 4.960 palestinianos mortos por mês.

Hoje, passados quase três meses, o número de mortos referido situa-se nos 39 400 - ou seja, um aumento de 4 665.

Não é preciso ser-se estatístico para se dizer que, se o aumento fosse linear, o número esperado de mortes rondaria, nesta altura, as 49.600.

Assim, mesmo pelo cálculo mais simples, há um grande défice de mortes - um défice que precisa de ser explicado.

Essa explicação é fácil de dar: há muitos meses que Israel destruiu as instituições de Gaza e as suas infra-estruturas médicas, incluindo os hospitais, o que impossibilita as autoridades de saberem quantos palestinianos estão a ser mortos por Israel.

A quantificação do número de mortos começou a estagnar na primavera, por volta da altura em que Israel completou a destruição dos hospitais de Gaza e raptou grande parte do pessoal médico do enclave.

Há mais de um mês, a organização Save the Children indicou que cerca de 21.000 crianças em Gaza estavam desaparecidas, para além das 16.000 que se sabe terem sido mortas por Israel. É provável que muitas tenham sofrido solitárias e aterradoras mortes debaixo dos escombros - gradualmente sufocadas até à morte, ou morrendo lentamente de desidratação.

Mas, mais uma vez, é provável que mesmo estes números chocantes sejam uma subcontagem grave.

Os números lineares são inteiramente incongruentes com o panorama geral. Como?

1. Porque, para além dos contínuos bombardeamentos israelitas, os palestinianos tiveram de suportar mais três meses de uma fome cada vez mais intensa. Em cada dia de fome, morrem mais pessoas do que no dia anterior. As mortes numa situação de fome não são lineares, são exponenciais. Se ontem morreram 5 pessoas de fome, hoje morrerão 20 pessoas e amanhã 150. É assim que funcionam as fomes prolongadas. Quanto mais tempo se passa à fome, maior é a probabilidade de se morrer de fome.

2. Porque os palestinianos tiveram mais três meses de privação de cuidados médicos depois de Israel ter destruído os seus hospitais e instituições médicas. Se tiver uma doença crónica - diabetes, asma, problemas renais, tensão alta, etc. - quanto mais tempo for forçado a ficar sem cuidados médicos, maior será a probabilidade de morrer devido a uma doença não tratada. Mais uma vez, a taxa de mortalidade nestas circunstâncias é exponencial e não linear.

3. Porque sem cuidados médicos, todas as outras coisas que acontecem na vida quotidiana tornam-se mais perigosas. O parto é o exemplo mais óbvio, mas mesmo cortes e arranhões podem tornar-se uma sentença de morte. Assim, o facto de os palestinianos terem agora ainda menos acesso a cuidados médicos do que tinham nos primeiros seis meses da guerra de Israel em Gaza sugere que as pessoas estão a ser mortas por acontecimentos da vida em número ainda maior do que no início do massacre de Israel.

4. Porque, exactamente pelas mesmas razões, as pessoas feridas pelos bombardeamentos contínuos de Israel terão provavelmente piores resultados do que as pessoas igualmente feridas em ataques anteriores. Menos médicos significa menos hipóteses de tratamento, significa mais hipóteses de morrer devido aos ferimentos.

5. Porque sabemos que - dadas as condições insalubres, a falta de água e de alimentos, o estado de saúde debilitado da população e a destruição dos hospitais - estão a surgir epidemias. A OMS já alertou para um provável surto de poliomielite, mas haverá certamente outras doenças a surgir, como a cólera, a febre tifoide e a disenteria, que ainda não foram isoladas e identificadas. Até a constipação comum pode tornar-se mortal quando o estado de saúde das pessoas está tão comprometido.

Uma carta de investigadores enviada este mês à revista médica Lancet alertava para a provável subcontagem maciça de mortos em Gaza, mesmo confiando, como tinham de fazer, no número de mortos estabelecido.

O seu argumento é que as mortes indirectas - do tipo que enumerei acima - têm de ser tidas em conta, bem como as mortes directas causadas pelas bombas israelitas. De forma muito conservadora, estimam que o número total de pessoas que morrerão nos próximos meses - não só devido às bombas, mas também devido à falta de cuidados médicos, às condições insalubres e à fome - é de 186.000, ou seja, 8% da população.

Mas este número pressupõe que as actuais políticas de massacre e de fome de Israel parem imediatamente e que as organizações internacionais consigam trazer ajuda de emergência. Não há exactamente quaisquer sinais de que Israel vá permitir que isso aconteça - ou que os Estados ocidentais pressionem Israel nesse sentido.

Os investigadores médicos sugerem que uma estimativa menos conservadora poderia, em última análise, colocar o número de mortos em Gaza perto dos 600.000, ou seja, um quarto da população. Mais uma vez, isso pressupõe que Israel inverta imediatamente o rumo.

Não esquecer também que, por cada pessoa morta, numerosas outras ficam mutiladas ou gravemente feridas. De acordo com os números actuais, há mais de 91.000 palestinianos feridos, muitos dos quais com membros amputados. Mas, mais uma vez, é provável que se trate também de uma subcontagem maciça.

Por muito angustiantes que sejam estes números, são apenas números. Mas os mortos de Gaza não são números. Eram seres humanos, metade dos quais crianças, cujas vidas foram aniquiladas, o seu potencial apagado para sempre, os seus entes queridos deixados com uma dor que os consome. Muitas vítimas morreram sozinhas, em extrema dor, ou passaram por sofrimentos inimagináveis.

Nenhuma das suas vidas deve ser reduzida a frias estatísticas num gráfico. Mas se é esse o ponto em que nos encontramos, e infelizmente é, então, no mínimo, temos de chamar a atenção para o facto de os números dos cabeçalhos serem uma mentira, de a barbárie de Israel estar a ser grosseiramente minimizada e de estarmos a ser embalados num falso sentimento de complacência.

Jonathan Cookganhou o prémio Martha Gellhorn Special de jornalismo. Os seus livros incluem “Israel e o Choque das Civilizações: Iraque, Irão e o Plano para Refazer o Médio Oriente” (Pluto Press) e “Palestina em desaparecimento: experiências de Israel com o Desespero Humano” (Zed Books).

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