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Patrice Lumumba e a luta contra o imperialismo em África

Patrice Lumumba, à frente de um amplo movimento das massas operárias e camponesas foi uma das principais expressões do nacionalismo burguês africano, da sua luta e das suas limitações até ser covardemente torturado e assassinado

Causa Operária - 08 de fevereiro de 2009

http://www.pco.org.br/historia/o-assassinato-de-patrice-lumumba-e-a-luta-contra-o-imperialismo-colonial-na-frica/iziz,e.html

O atual conflito na República Democrática do Congo soma-se a inúmeros outros conflitos recorrentes no continente africano. A imprensa capitalista, orientada pelos monopólios internacionais que se apropriam das matérias-primas da África, atribui estas guerras a fatores puramente regionais e como um resultado natural das mazelas vividas por um povo "não civilizado" e "bárbaro".

Estas guerras, no entanto, não começaram a partir do nada e muito menos de forma espontânea, mas são o resultado e a continuação de um longo histórico de guerras patrocinadas pelo imperialismo.

A libertação das colônias africanas e as lutas revolucionárias contra o imperialismo ganham vulto após a II Guerra, como enfraquecimento do capitalismo. Um dos mais importantes capítulos deste processo revolucionário é a luta do antigo Congo belga contra as potências coloniais da Bélgica e da França, dirigida por Patrice Émery Lumumba.

A briga pelo domínio das reservas minerais congolesas continua em pleno vigor. A recente prisão do rebelde tutsi Laurent Nkunda, patrocinado pelos EUA, manteve no Leste do país uma acirrada disputa contra o governo do presidente Joseph Kabila. Esta interminável disputa comprova que o fim da exploração e da destruição destes povos depende do fim do domínio imperialista. O atual capítulo na luta nacional foi estabelecido com a derrota da revolução congolesa e a derrota da burguesia nacional, sobre a qual se estabeleceu a longa e tétrica ditadura de Mobuto Sese Seko.

O Congo belga

O então Estado Livre do Congo - livre apenas no nome - esteve sob a tutela pessoal do rei belga Leopoldo II, que literalmente ganhou o território em uma decisão aprovada pela Conferência de Berlim de 1885, época em que o colonialismo europeu tomou a liberdade de dividir entre si todo o continente africano. Segundo Lênin, este é o período da passagem do capitalismo para a sua última etapa, a etapa imperialista na qual conclui-se a divisão dos mercados e das fontes de matérias-primas entre os principais países imperialistas. O rei da Bélgica possuía uma “colônia pessoal” 80 vezes maior do que a própria Bélgica.

Sob sua direção, instalou milhares de postos militares e campos de trabalhos forçados. Em apenas 20 anos, a população congolesa diminui de 25 milhões de pessoas para 15 milhões, um dos piores genocídios da história. Empresários belgas e norte-americanos (Rockefeller) rechearam seus bolsos com a exploração de borracha, madeira e azeite.

Em 1908, após uma série de rebeliões populares, o Estado Livre do Congo deixou de ser uma propriedade pessoal e passou a ser administrado como uma colônia da Bélgica, que muda o nome do país para Congo Belga.

No início dos anos 40, enormes transformações atingiram a colônia. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Congo foi a principal fonte mundial de borracha e de minerais essenciais para o equipamento bélico usado pela coligação imperialista dirigida pelos EUA. Para se ter uma idéia, o urânio usado pelos EUA nas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki foram retirados de uma mina congolesa.

A necessidade da exploração para sustentar a guerra deu um grande salto no desenvolvimento das forças produtivas no país, formando uma pequena mas moderna classe operária ao lado de milhões de camponeses, que formavam a grande maioria da população. Só em 1941, o Congo possuía 500 mil trabalhadores, a segunda maior concentração operária da África.

Como conseqüência direta das disputas entre os países imperialistas, uma enorme onda de lutas revolucionárias tomou a maior parte das regiões mais pobres do mundo. Movimentos de libertação nacional e revoluções ocorreram na China, em Cuba, Bolívia, Argélia, Vietnã e outros países. Mais de 50 países na Ásia e na África proclamaram sua independência após um tsunami revolucionário que tomou conta do mundo após a guerra mundial.

O velho sistema colonial imperialista, como resultado direto da crise histórica capitalista expressa primeiro no colapso de 29 e, depois, na hecatombe da guerra mundial, havia se desintegrado por completo. O imperialismo francês perdia todas as suas colônias na África, assim como o governo britânico perdia a Índia. Esta situação revolucionária, que se manifestava na rebelião das massas dentro da colônia, levou a Bélgica a mudar sua estratégia e conceder uma falsa independência ao Congo, a única esperança que as empresas viam para manter o controle sobre as minas congolesas sem possuir mais uma colônia.

A independência foi reconhecida pela Bélgica em 30 de junho de 1960. Lumumba assumiria o cargo de primeiro-ministro e Joseph Kasavubu a presidência. Mas, passados apenas dez semanas de sua posse, um golpe liderado pelo general Moise Tshom depôs o líder da independência, que foi imediatamente capturado e assassinado.

Entre a militância e as prisões

Quando a Bélgica já não podia mais conter o levante das massas revoltadas, o rei belga, Balduino I, foi pessoalmente a Leopoldville proclamar a independência do Congo na esperança de conter a maré revolucionária e preservar o status quo imperialista. Porém, todo este empenho fora frustrado pela radicalização constante das massas, que levou a burguesia local, cuja ala esquerda era representada pelo novo primeiro-ministro Patrice Lumumba, a ensaiar uma ruptura com a metrópole. Em seu discurso de posse, Lumumba deixou bem clara esta situação:

"Durante os 80 anos de governo colonial sofremos tanto que ainda não podemos afastar as feridas da memória. Nos obrigaram a trabalhar como escravos por salários que nem sequer nos permitem comer o suficiente para espantar a fome, ou se vestir, ou encontrar moradia, ou criar nossos filhos como seres queridos que são. Temos sofrido ironias, insultos e golpes dia após dia simplesmente porque somos negros. As leis de um sistema judicial que só reconhece a lei do mais forte nos tiraram as terras. Não há igualdade; as leis são brandas com os brancos mas cruéis com os negros. Os condenados por opiniões políticas ou crenças religiosas sofreram horrivelmente; exilados em seus próprio país, a vida tem sido pior que a morte. Nas cidades, os brancos puderam ter magníficas casas e os negros capengos barracos; os brancos não nos permitiam entrar no cinema, nos restaurantes ou nas lojas para europeus; fomos obrigados a viajar dentro das cargas ou aos pés dos brancos sentados em cabines de luxo. Quem poderá se esquecer dos massacres de tantos dos nossos irmãos ou das celas em que eram metidos os que não se submetiam à opressão e a exploração? Irmãos, assim tem sido a nossa vida".

Apesar da independência, na prática, os militares belgas continuavam controlando o exército e a polícia, as empresas estrangeiras continuavam a controlar as minas e a CIA atuava conjuntamente com a inteligência belga para manter o país sob sua influência. O novo governo era, portanto, pouco mais que uma fachada da manutenção do regime colonial e a tentativa de Lumumba e do nacionalismo burguês de romper com esta situação levaria a uma crise geral.

Patrice Lumumba

Nascido em plena dominação belga, no dia 2 de julho de 1925, em Onalua, Patrice Lumumba estudou na infância em escolas religiosas católicas e protestantes, única maneira até então de se ter acesso à educação escolar. Suas primeiras experiências políticas viriam anos mais tarde, como trabalhador dos Correios, participando ativamente do Sindicato Independente dos Trabalhadores. Isso lhe valeu a primeira detenção pelas autoridades belgas, onde permaneceu encarcerado por dois anos.

Dentro da prisão, teve seu primeiro contato com movimentos pela independência que culminariam na formação do Movimento Nacional Congolês (MNC) em 1958, primeiro partido político nacional pela independência, que dois anos mais tarde levaria seu líder fundador ao poder. O MNC era a expressão de um nacionalismo burguês africano, ou seja, das tendências incipientes à formação de uma burguesia nacional, que buscava se emancipar do domínio colonial, mas que se mostraria incapaz de fazê-lo.

O MNC agrupava os setores da burguesia e da pequena burguesia mais progressistas do Congo e procurou fazer uma campanha pela superação das disputas regionais e separatistas para unificar e fortalecer o país contra o imperialismo. Além de Lumumba, muitos de seus partidários foram perseguidos e mortos pelo governo colonial.

Mobilizando o povo para forçar a Bélgica a garantir a independência do Congo, o MNC tentou impulsionar uma transição social e política pela via institucional e pacífica, portanto não organizaram nenhuma força armada para combater as tropas coloniais.

Este fato demonstrava claramente as limitações do nacionalismo para levar adiante a revolução pela independência nacional e a sua política de progredir através da colaboração com o regime colonial e o imperialismo belga.

Duzentos dias até a morte

Ascendido como principal líder nacional, grandes mobilizações revolucionárias de massas em todo o país obrigaram o imperialismo belga a acelerar o processo de independência do Congo. Tirado da prisão, Lumumba foi levado ao poder após a realização de eleições para a escolha do novo governo. O MNC obteve a maioria dos votos e no dia 23 de junho forma-se o primeiro governo nacional com Joseph Kasavubu como presidente e Patrice Lumumba como primeiro-ministro.

Este governo era uma espécie de governo de frente-popular, voltado para um acordo com o imperialismo e a contenção da mobilização das massas, ainda que fosse uma versão mais radical das frentes populares constituídas nos países imperialistas.

Desde o primeiro momento em que Lumumba assumira o poder, o imperialismo belga e norte-americano se esforçava para explorar as fraquezas do nacionalismo burguês, e derrubar o governo eleito para impor uma derrota às tendências revolucionarias das massas. Os capitalistas belgas, vendo seu futuro ameaçado, promoveram uma rebelião de alguns setores do exército liderados por Moise Thombe que resultaria na proclamação da independência da província de Katanga, a região mais rica em diamantes do país. A Bélgica envia tropas a Katanga com a desculpa de proteger seus cidadãos, mas foram enviadas, na realidade, para consolidar o movimento secessionista.

Diante desta situação, o novo governo congolês pediu a presença de tropas das Nações Unidas para restabelecer a ordem. Estas se recusam a enfrentar os soldados belgas, então Lumumba solicitou ajuda da União Soviética. Ao mesmo tempo tenta também reunir os principais líderes africanos em Kinshasa contra o movimento golpista, mas, ao invés disso, Lumumba é destituído do governo pelo presidente Kasavubu no dia 5 de setembro de 1960.

Em 14 de setembro de 1960, o coronel Mobutu Joseph Désiré, ex-sargento da polícia colonial e então coronel do exército durante o governo Lumumba, usado pelo imperialismo norte-americano, toma o controle do Estado e inicia uma onda de terror contra as organizações políticas.

Lumumba toma um avião até Kisangani, sua cidade natal, onde possuía mais apoio, mas ao chegar é preso pelos militares. Estava decretada sua sentença de morte.

Depois de ter sido levado a Leopoldville, partiu para Katanga, onde os separatistas apoiados pelos EUA, pela ONU e pela Bélgica o torturaram e assassinaram , aos 35 anos, no dia 18 de janeiro de 1961.

Um golpe após o outro

Com a intervenção militar das Nações Unidas - que contou inclusive com a presença de tropas brasileiras - Thombe renunciou ao poder e fugiu, porém um ano mais tarde, com a ajuda da Bélgica e dos EUA, aproveitando-se da retirada das tropas da ONU, seria novamente conduzido ao poder. Pela última vez é deposto em 1964 em um golpe militar liderado por Mobutu Joseph Désiré.

Sob sua direção, o Congo se transformou numa espécie de guardião imperialista e potência militar contra-revolucionária da África Central. Decreta o fechamento da Assembléia Nacional e assume para si todos os poderes legislativos, executivos e judiciais, passando a governar com partido único, estabelecendo uma ditadura bonapartista dependente e apoiada pelo imperialismo.

Mobutu também não só muda mais uma vez o nome do país, que passa a se chamar República do Zaire, como muda seu próprio nome para Mobutu Sese Seko Koko Ngbendu wa za Banga (ou o todo-poderoso guerreiro que, por sua resistência e inabalável vontade de vencer, vai de conquista em conquista deixando fogo à sua passagem). Todo este nacionalismo de pura aparência, típico das ditaduras militares dos países capitalistas atrasados, mal conseguia ocultar a complwta entrega das riquezas do país ao imperialismo que era a base do seu governo e da sua ditadura.

Foi a partir do Congo que o revolucionário Ernesto Che Guevara escreveria a famosa carta endereçada a Fidel Castro renunciando a todos os seus cargos e à sua nacionalidade cubana para dedicar-se a "novos campos de batalha". No final de 1964, Che Guevara deixou o governo cubano para liderar uma guerrilha fracassada contra a ditadura de Mobutu Sese Seko.

Durante toda a década de 1980, líderes tribais tentam consolidar uma ampla oposição política para tirar Mobutu Sese Seko do poder, mas vários de seus dirigentes são presos, exilados e assassinados. Com a ajuda do imperialismo norte-americano, que visava sua introdução no mercado de diamantes, o governo é obrigado a adotar um regime pluripartidário, elegendo em outubro de 1991 o premiê oposicionista Etienne Tshisekedi, que se recusa a jurar obediência a Mobutu e é substituído do cargo. É, no entanto, reconduzido ao posto após uma nova crise política levar à uma insurreição das tropas em 1993. Mais de mil pessoas são mortas durante essa rebelião.

Os EUA e a União Européia se aliam a Tshisekedi, que reivindica um governo de união nacional como solução da crise.

Em 1994 é realizado o monstruoso genocídio em Ruanda. Dezenas de milhares de hutus e tutsis fogem para o Zaire, desestabilizando o país com o início de uma disputa étnica impulsionada pelo imperialismo francês e norte-americano.

Os tutsis iniciam uma rebelião liderada por Laurent-Désiré Kabila, que tem o apoio da Uganda e do novo regime tutsi em Ruanda.

Em 1997, a guerra civil tomou todo o país, com Mobutu muito doente, mas ainda no poder. A guerrilha conquista as regiões mais importantes, incluindo Mbuji-Mayi, a "capital dos diamantes". E em maio de 1997, os rebeldes ocupam a capital Kinshasa sem nenhuma resistência militar. Kabila então assume o poder e muda o nome do país para República Democrática do Congo, enquanto que Mobutu refugia-se em Togo.

Sob a presidência de Kabila, os partidos e manifestações públicas foram proibidos e a aliança com Uganda e Ruanda é rompida. Em 1998, um novo levante se espalha, desta vez por forças tutsis, que se concentram no Norte do país, na região de Kivu.

A capital esteve prestes a cair e Kabila pede ajuda a Angola, Zimbábue e Namíbia, que enviam tanques e aviões contra os rebeldes. O levante é sufocado em apenas duas semanas, mas Kabila é obrigado a se comprometer e realizar eleições diretas em 1999.

Em 2001, Kabila é assassinado pelo seu próprio guarda-costas. Joseph Kabila, seu filho, assume o poder e inicia um processo de conciliação com a guerrilha. Eleições são realizadas em 6 de dezembro de 2006, com ele mesmo sendo eleito. Estas foram as primeiras eleições em 40 anos de história de conflitos e guerras.

Lumumba foi assassinado sob ordens expressas da CIA e do presidente norte-americano Dwight Eisenhower em uma operação conjunta com a Bélgica. Posteriormente, a Comissão Church, presidida pelo senador Frank Church, revelou que Foster Dulles, na época diretor da CIA, entrou em contato com seus agentes instalados em Leopoldville e ordenou a “remoção” de Patrice Lumumba do poder.

As investigações desta comissão provaram que em menos de dois meses após a independência do Congo, Eisenhower assinou em uma reunião secreta na Casa Branca uma ordem para assassiná-lo. Um dos agentes encarregados foi Frank Carlucci, futuro secretário de Defesa no governo de Ronald Reagan.

Para apagar provas e ocultar o envolvimento da CIA, o corpo de Lumumba foi desenterrado e dissolvido com ácido.

A independência do Congo do imperialismo belga foi a expressão de uma situação revolucionária em todo o mundo com os movimentos de libertação nacional e a desintegração do regime colonialista na Ásia e na África após a Segunda Guerra Mundial, processo que continua até os dias de hoje.

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