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Retrato do Banco Mundial

Com informações precisas sobre as necessidades dos países mais pobres do mundo, a quem concede empréstimos, o Banco Mundial dispõe de um imenso poder sobre o planeta. Sua missão pode parecer franciscana. Mas quem decide são os banqueiros.

Por Jean Ziegler

Diplô Biblioteca - 01/10/2002

http://diplo.org.br/2002-10,a456

James Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, é ex-banqueiro de Wall Street, multibilionário, ideólogo e imperialista convicto – e um artista renomado

O Banco Mundial conheceu sua idade de ouro entre o final da década de 60 e o início da de 80(1). Foi dirigido por Robert McNamara, ex-secretário da Defesa dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson, de 1968 a 1981. Sob sua presidência, o volume anual de empréstimos do banco passou de um bilhão para 13 bilhões de dólares, o número de funcionários foi multiplicado por quatro e o orçamento administrativo, por 3,5. Com a ajuda de seu tesoureiro, Eugene Rotberg, McNamara conseguiria elevar em quase 100 bilhões de dólares os empréstimos concedidos aos vários mercados nacionais. Ironia da história: boa parte dessa quantia seria obtida junto a banqueiros suíços, os mesmos que dão guarida à maioria dos capitais ilícitos enviados por nababos, ditadores e classes parasitárias que existem na África, na Ásia e na América Latina.

Segundo Jerry Mander(2), McNamara matou mais gente quando presidiu o Banco Mundial do que, enquanto secretário da Defesa, era o preposto dos massacres que aconteciam no Vietnã. Eis como Mander descreve seu retrato: “Com vergonha do papel que desempenhara durante a guerra do Vietnã, quis reabilitar-se lançando-se à ajuda dos pobres do Terceiro Mundo. Como bom tecnocrata, meteu mãos à obra com a arrogância de um verdadeiro crente. ‘Percebo na quantificação uma linguagem que acrescenta precisão ao raciocínio. Sempre pensei que, quanto mais importante fosse um assunto, menos pessoas deveriam tomar a decisão’, diz ele em Avec le recul: la tragédie du Vietnam et ses leçons(3). Confiando nos números, McNamara forçou os países do Terceiro Mundo a aceitarem as condições subjacentes aos empréstimos do Banco Mundial e a transformarem sua economia tradicional com o objetivo de maximizar a especialização econômica e o comércio mundial. Aqueles que recusassem seriam abandonados à sua sorte.” Mais adiante, continua Mander: “Por sua iniciativa, inúmeros países não tiveram outra opção senão a de se submeterem às condições duras e humilhantes impostas pelo banco. McNamara já não destruía vilarejos, para depois os salvar, mas economias inteiras. Atualmente, encontram-se por todo o Terceiro Mundo enormes barragens afundadas na lama, estradas depauperadas que não levam a lugar algum, edifícios de escritórios vazios, florestas e campos devastados e dívidas monstruosas que jamais haverá condições de pagar. (...) Por maior que tenha sido a destruição semeada por esse homem no Vietnã, ele se superou durante sua gestão à frente do Banco Mundial.”

O Grupo do Banco Mundial

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial constituem as duas mais importantes das chamadas instituições de Bretton Woods O atual presidente do banco é um australiano de 68 anos, de cabeleira branca e olhar triste, chamado James Wolfensohn. Um homem excepcional por seu destino e seus talentos. Ex-banqueiro em Wall Street, multibilionário, ideólogo e imperialista convicto, é também um artista renomado. Começou por ser pianista e atualmente entrega-se à prática do violoncelo, além de desenvolver uma atividade intensa como escritor. Não por acaso, é conhecido por um apelido: “o Pianista”.

Enquanto os mercenários da Organização Mundial do Comércio (OMC) cuidam da circulação dos fluxos comerciais, os do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) cuidam dos fluxos financeiros. O FMI e o Banco Mundial constituem as duas mais importantes das chamadas instituições de Bretton Woods(4). O termo Banco Mundial, aliás, não é correto: oficialmente, a instituição chama-se “The World Bank Group” e abrange o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), a Associação Internacional para o Desenvolvimento (AID), a Companhia Financeira Internacional e o Centro Internacional para Gestão de Conflitos relativos a Investimentos.

Em suas próprias publicações, o grupo utiliza o termo “Banco Mundial” para designar o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento e a Associação Internacional para o Desenvolvimento. Será este o procedimento que também adotaremos. As duas outras instituições que fazem parte do grupo desempenham funções restritas, marginais com relação ao assunto em pauta.

“Credor de último recurso”

O World Bank Group tem um pouco mais de 10 mil funcionários. Trata-se, provavelmente, da organização inter-estatal que informa de maneira mais completa a opinião pública sobre suas próprias estratégias, intenções e atividades. De sua fortaleza de vidro e concreto no número 1818 da H Street Northwest, em Washington, escorre um fluxo praticamente contínuo de estatísticas, folhetos e análises teóricas.

Da fortaleza de vidro e concreto do Banco Mundial, em Washington, escorre um fluxo praticamente contínuo de estatísticas, folhetos e análises teóricas O Banco Mundial exerce um poder imenso sobre o planeta, desenvolvendo uma atividade prometéica e multiforme. Atualmente, é a única instituição que concede empréstimos aos países mais desfavorecidos. Na década passada, por exemplo, concedeu aos países do Terceiro Mundo créditos de longo prazo num montante superior a 225 bilhões de dólares. Avaliza a criação de infra-estrutura para créditos de investimento. Em alguns casos – como no Níger, por exemplo – também assume (em segunda posição, atrás dos doadores bilaterais) o déficit orçamentário de países particularmente pobres. Também financia, anualmente, centenas de projetos de desenvolvimento.

Na terminologia da linguagem bancária, a entidade é conhecida, por toda parte, como o “credor de último recurso” (lender of last resort), aquele que está em posição de impor ao devedor as condições que quiser. Quem, senão o Banco Mundial, iria conceder o mínimo crédito a países como o Chade, Honduras, Malawi, Coréia do Norte ou Afeganistão?

Justificativas para tudo...

Entre o Banco Mundial e Wall Street existe, evidentemente, uma aliança estratégica. Aliás, o banco socorreu inúmeras vezes certas instituições financeiras que se envolveram, por imprudência, em operações de especulação, aqui e ali, em outros continentes. Em sua prática diária, o banco funciona segundo critérios estritamente bancários. Seu estatuto exclui, taxativamente, qualquer tipo de condição – política ou outra. No entanto, sua prática é enfaticamente determinada por um conceito abrangente e ideológico que nada tem de bancário: o do “Consenso de Washington(5)”.

A cada ano, o banco publica uma espécie de catecismo: The World Development Report. Essa publicação goza de muito prestígio nos meios acadêmicos e nas Nações Unidas. Tenta apontar os grandes temas que, durante um certo período de tempo, irão ocupar as agências especializadas da ONU, as universidades e, mais além, a opinião pública. Esse relatório reflete a opinião pessoal do presidente, James Wolfensohn. Sua edição de 2001 atesta, na abertura, uma profissão de fé: “A pobreza num mundo rico constitui o maior desafio para a humanidade(6)”. Os ideólogos do Banco Mundial demonstram, tradicionalmente, uma admirável flexibilidade teórica. Apesar dos óbvios fracassos de sua instituição, nunca deixaram, durante as últimas cinco décadas, de multiplicar teorias justificativas. Têm resposta para tudo. São infatigáveis. Realizam um trabalho de Sísifo. Vale a pena observá-los de perto.

A teoria soberba do “desenvolvimento humano”

Durante a década passada, o banco concedeu aos países do Terceiro Mundo créditos de longo prazo num montante superior a 225 bilhões de dólares

Na época de McNamara, a teoria preferida pelo banco era a do “crescimento”. Crescimento = progresso = desenvolvimento = felicidade geral. Uma primeira onda de contestação ao tema teve origem em 1972, com os sábios do Clube de Roma: “O crescimento ilimitado leva à destruição do planeta.” A reação dos teóricos do banco não se fez esperar: “Vocês estão cobertos de razão, caros eruditos! O Banco Mundial concorda. A partir de agora, o banco irá pôr em prática o desenvolvimento integrado.” Em outras palavras: o banco não se limitará a avaliar o crescimento do Produto Interno Bruto de um país, mas também examinará as conseqüências produzidas por esse crescimento sobre outros setores da sociedade. Por conseguinte, as questões que o banco passaria a colocar aos países seriam: O crescimento deu-se de forma equilibrada? Que conseqüência trouxe o crescimento para a distribuição interna de renda? Um crescimento rápido do consumo de energia não poderia afetar as reservas energéticas do planeta? Etc...

Foram publicados outros relatórios com críticas ao capitalismo desenfreado, principalmente pelos grupos de pesquisa presididos, respectivamente, por Gro Hare Brundtland e por Willy Brandt. Essas críticas eram dirigidas ao “economismo” do Banco Mundial. Reivindicavam outros parâmetros, não econômicos, de desenvolvimento – principalmente de educação, saúde e respeito pelos direitos humanos – e censuravam o banco por não os levar em consideração. Este reagiu imediatamente. Produziu uma soberba teoria sobre a necessidade de “desenvolvimento humano”.

Um discurso comovente

Uma nova etapa de contestação surgiria com o movimento ecológico, que cresceu e ganhou influência nos países europeus e na América do Norte. Para desenvolver as forças produtivas de uma sociedade – diziam os ambientalistas –, não basta ficar de olho nos indicadores clássicos, nem nos famosos parâmetros do desenvolvimento humano. Também é necessário prever, a longo prazo, as chamadas intervenções de desenvolvimento, principalmente sobre o meio ambiente. Os ideólogos do banco sentiram imediatamente que mudava a direção do vento. A partir de então, seriam adeptos fanáticos do “desenvolvimento sustentável” (sustainable development).

Sua prática é enfaticamente determinada por um conceito abrangente e ideológico que nada tem de bancário: o do “Consenso de Washington” Em 1993, foi realizada, em Viena, a Conferência Mundial de Direitos Humanos. Em choque com os norte-americanos e alguns países europeus, as nações do Terceiro Mundo impuseram o reconhecimento de “direitos econômicos, sociais e culturais”. Essa revolução obedecia a uma convicção elementar: um analfabeto está pouco ligando para a liberdade de imprensa. Antes de se preocupar com direitos civis e políticos – portanto, os direitos democráticos clássicos –, é indispensável atender aos direitos sociais, econômicos e culturais. James Wolfensohn, incansável, divulgou relatório após relatório, declaração após declaração. O Banco Mundial, como não podia deixar de ser, estaria na vanguarda da luta pela concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Em setembro de 2000, na cidade de Praga, “o Pianista” chegou até a fazer um discurso comovente sobre o assunto.

Os missi dominici do “Pianista”

Uma das últimas piruetas dos intelectuais orgânicos do Banco Mundial refere-se ao empowered development, que viria a ser a exigência de um desenvolvimento econômico e social controlado pelas próprias vítimas do subdesenvolvimento. No entanto, nenhuma das sucessivas declarações de intenções do banco conseguiu, até hoje, disfarçar de forma convincente uma evidência: a do fracasso espetacular de todas as estratégias de “desenvolvimento” postas em prática por sua iniciativa. O que fazer? Idéias são o que nunca faltou ao banco. Agora, talvez apele para circunstâncias atenuantes. Ou poderia apelar para a fatalidade.

O título da conferência pronunciada pelo vice-presidente – responsável pelas Relações Exteriores do Banco Mundial – no dia 8 de abril de 2002, na sala XI do Palácio das Nações, em Genebra, era: “Quando chegará aos pobres a ajuda para o desenvolvimento?” Resposta do eminente vice-presidente: “Impossível saber.”

Para anunciar ao mundo a boa nova, James Wolfensohn conta com os serviços de um certo número de arautos cuidadosamente escolhidos. O que os jesuítas são para a Igreja católica, são os missi dominici do “Pianista” para o Banco Mundial: esses “enviados do senhor” executam as mais diversas missões. Vejam-se alguns exemplos.

Da luta contra a pobreza... ao Ministério

Apesar dos óbvios fracassos da instituição, os ideólogos do banco nunca deixaram, durante as últimas cinco décadas, de ter justificativas para tudo

Em Lagos, capital da Nigéria, gigante do petróleo e uma das sociedades mais corruptas do mundo, James Wolfensohn instalou uma agência de “boa governança” (good governance) com o objetivo de combater a corrupção. Seu preposto coleta informações sobre casos de corrupção junto a pessoas privadas, movimentos sociais, organizações não-governamentais, igrejas, sindicatos e funcionários públicos revoltados. Observa falsificações nas licitações envolvendo as grandes empreiteiras da região, propinas pagas a ministros por diretores locais de empresas multinacionais, abusos de poder praticados por este ou aquele chefe de Estado mediante pagamento em moeda corrente... Em suma, registra os fatos, documentando-os, e tenta compreender o emaranhado de percursos utilizados por corruptos e corruptores. Em que resulta todo esse conhecimento? Mistério...

Wolfensohn também designou um vice-presidente especificamente encarregado da luta contra a pobreza absoluta. Também ele se documenta e se informa... Até o final de 2000, esse cargo era ocupado por Kemal Dervis, um economista de cerca de cinqüenta anos de idade, amistoso e sofisticado, que foi educado na Suíça. Embora muçulmano, fez os estudos para o vestibular numa escola particular católica, o Collège Florimont, em Petit-Lancy, próximo a Genebra. No início de 2001, deixou o Banco Mundial e tornou-se ministro da Economia e das Finanças da Turquia, cargo que ocupou até agosto deste ano.

Don Alfredo, “o Embelezador”

Na época de McNamara, a teoria preferida pelo banco era a do “crescimento”. Crescimento = progresso = desenvolvimento = felicidade geral

Alfredo Sfeir-Younis é outra personagem totalmente atípica que trabalha a serviço de Wolfensohn. Dirige, desde novembro de 1999, a agência do Banco Mundial em Genebra, representa o banco junto à sede européia da ONU e junto à sede da OMC. Não é uma personalidade banal. Eis como o descreveu o jornalista André Allemand: “Com o carisma um pouco discreto de um Richard Gere barbudo, o recém-nomeado representante do Banco Mundial descreve uma organização em plena mutação filosófica, voltada para os mais desfavorecidos e que procura energicamente eliminar a pobreza do mundo(7).” O jornalista apelidou-o “O Embelezador”.

Sfeir-Younis é chileno, de origem libanesa, cosmopolita e um diplomata nato. Filho de uma família rica da qual um ramo se fixou no Chile, ele é sobrinho de Nasrallah Sfeir, o patriarca da Igreja Maronita. Desde 1967, quando seu pai foi nomeado embaixador do Chile em Damasco, e depois em Beirute, o jovem Alfredo assistiu de perto a todas as convulsões, guerras e turbulência naquela região do Oriente Médio.

“O Embelezador” é um pioneiro. Foi o primeiro economista ambiental (environmental economist) a entrar para o Banco Mundial. Atualmente, já existem 174. Durante sete anos, trabalhou – muitas vezes em condições difíceis – na região africana do Sahel. Defensor convicto de posições antifascistas, fez oposição à ditadura de Pinochet. Como budista, pratica a meditação.

Um socialista convicto

Diante das críticas dirigidas ao “economismo” do Banco Mundial, este produziu uma soberba teoria sobre a necessidade de “desenvolvimento humano”

Mas a especialidade de Don Alfredo é a linguagem ambígua: “As atuais dificuldades econômicas decorrem, em primeiro lugar, da distribuição da riqueza, e não tanto de problemas relacionados com a produção e o consumo... O mundo padece da falta de uma governança global.” Essas três linhas levariam qualquer pastor calvinista suíço ao êxtase. Eis aqui um irmão! Finalmente, um dirigente de um banco que não fala o tempo todo de crescimento, de produtividade e de maximização de lucros! Mas o que o ingênuo leitor dessas mesmas linhas não sabe é que o arauto do “Pianista” em Genebra é um defensor ardoroso do stateless global governance (governança mundial sem Estados) e do Consenso de Washington...

Don Alfredo é um peso-pesado. Influente, mas também pau para toda obra: em certas ocasiões, obedecendo a ordens do “Pianista”, ele assume o papel de agente dos serviços secretos, como fez durante a Conferência da OMC em Seattle, em 1999: “Em dezembro do ano passado, eu estava nas ruas de Seattle, encarregado de registrar para a minha organização as reivindicações feitas pelos manifestantes(8).”

Os dilemas de Wolfensohn

Sem ironia, é possível afirmar: alguns desses ideólogos são sedutores. Sua vivacidade intelectual e sua cultura são envolventes. Alguns até são honestos. Alfredo Sfeir-Younis e Mats Karlsson, para ficar só neles, são homens profundamente simpáticos. O problema é que se, por um lado, suas teorias se modificam e se adaptam, sua prática, por outro, não muda: decorre da pura racionalidade bancária, implicando na exploração sistemática dos povos envolvidos e na abertura forçada dos países aos predadores do capital globalizado.

Porque, como a OMC e o FMI, o Banco Mundial também é um dos pilares do dogma neoliberal. Sejam quais forem as circunstâncias ou os países devedores, o banco impõe os princípios do Consenso de Washington. Promove a privatização dos bens públicos e dos Estados. Impõe o império dos novos senhores do mundo.

Uma das últimas piruetas dos intelectuais orgânicos do banco é o empowered development: um desenvolvimento controlado pelas vítimas do subdesenvolvimento

Em janeiro de 2000, a terra tremeu! O principal e mais próximo arauto de James Wolfensohn, Joseph Stiglitz, economista-chefe e primeiro vice-presidente do Banco Mundial, pede sua demissão denunciando, publicamente, a estratégia de privatizações desenfreadas e a ineficiência das instituições de Bretton Woods9. Wolfensohn não podia deixar de ficar apreensivo. Chegou mesmo a questionar algumas coisas: entram capitais, os empréstimos saem, barragens são construídas, distribuindo mais energia elétrica... mas as pessoas continuam morrendo de fome por toda parte. A malária volta, a galope, por todo o Terceiro Mundo, matando um milhão de pessoas por ano, escolas são fechadas, aumenta o analfabetismo, hospitais são deixados ao descalabro, pacientes morrem por falta de medicação... E a Aids faz uma devastação.

O poder decisivo e soberano

Alguma coisa não está funcionando. Então, Wolfensohn questiona, viaja, convida militantes de movimentos sociais à sua mesa, escuta-os, reflete e tenta compreender o gigantesco fracasso de seu banco(10). Dessas dúvidas do “Pianista” nasceria um novo organograma11. O Departamento Social (Social Board), com maior número de funcionários, passaria a ser consultado por qualquer chefe de projeto. Esse departamento tem por missão examinar e avaliar as conseqüências humanas e sociais – junto à sociedade do país envolvido – de qualquer intervenção do banco: construção de rodovias, de uma barragem, transposição de um rio, construção de um porto, de um complexo fabril etc.

De que forma essa nova rodovia irá afetar a vida nos vilarejos que irá atravessar? Que reflexos terá um novo complexo fabril para o mercado de trabalho da região? O que acontecerá com os camponeses expulsos pela desapropriação de terras que antecede a construção de uma barragem? O plantio extensivo de culturas destinadas à exportação exige a destruição de milhares de hectares de florestas: em que medida irá isso afetar o clima da região? São inúmeras as questões examinadas pelo Departamento Social. Mas ele não tem poder algum. Ainda que suas conclusões sejam completamente negativas, ainda que preveja desastre após desastre, não conseguirá impedir a construção do complexo fabril, o desmatamento ou o desvio do curso do rio.

A decisão dos banqueiros é definitiva e soberana.

(Trad.: Jô Amado)

1 - O banco começou a funcionar em 1946.
2 - Ler o seu depoimento, “Face à la marée montante”, in Le Procès de la mondialisation, de Edward Goldsmith e Jerry Mader, ed. Fayard, Paris, 2001, p. 42.
3 - Editions du Seuil, Paris, 1996.
4 - Bretton Woods é um vilarejo do Estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, onde se reuniram, em 1944, delegações dos países aliados ocidentais. Ali foram elaborados os princípios, e foram criadas as instituições, que iriam proporcionar a reconstrução da Europa e uma nova ordem econômica mundial.
5 - Conjunto de acordos não-oficiais, concluídos durante as décadas de 80 e 90, entre as principais empresas transnacionais, os bancos de Wall Street o Federal Reserve (banco central norte-americano) e os organismos financeiros internacionais, sob os auspícios do governo norte-americano.
6 - Prefácio de James Wolfensohn, The World Development Report, ed. Oxford University Press, 2001, p.5.
7 - La Tribune de Genève, 8 de junho de 2000.
8 - La Tribune de Genève, 8 de junho de 2000.
9 - Ler, de Joseph Stiglitz, La Grande Désillusion, ed. Fayard, Paris, 2002.
10 - Ler, por exemplo, a entrevista de Wolfensohn ao jornal Libération, 10 de julho de 2000.
11 - Ler o capítulo “Banque mondiale et développement social”, de Laurence Boisson de Chazournes, in Maîtriser la mondialisation, de Pierre de Senarclens, ed. Presses de la Fondation nationale des sciences politiques, Paris, 2001.

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