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Activos EUA-UE promovem revolução colorida na Geórgia

Mais de 25.000 ONG estão activas na Geórgia e a maioria depende de financiamento da Europa e dos EUA. Um novo projecto de lei destinado a travar a ingerência ocidental desencadeou furiosos protestos antigovernamentais explicitamente encorajados por Washington.

por Kit Klarenberg (PT) | The Grayzone

ODiario.info - 29 de maio, 2024

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Foto: Grayzone

Na capital da Geórgia, Tbilisi, paira uma sombria atmosfera política, que se torna mais ameaçadora de dia para dia. Ao Primeiro-Ministro Irakli Kobakhidze foi dito por um comissário da UE de que irá sofrer o mesmo destino de Robert Fico, o dirigente eslovaco que ainda luta pela vida depois de uma tentativa de assassinato por um ultra partidário ucraniano. Os legisladores norte-americanos estão a tentar sancionar os membros do partido no poder, o Georgian Dream, e, no parlamento, a 14 de Maio, o deputado da oposição Tako Charkviani ameaçou: “Acreditem em mim, vai haver uma revolução colorida na Geórgia”.

A causa deste tumulto é um projecto de lei conhecido como a lei da “transparência da influência estrangeira”, que obrigaria as organizações a revelar publicamente o seu financiamento estrangeiro. Há semanas que as ruas de Tbilissi se enchem de dezenas de milhares de manifestantes que exigem que as autoridades abandonem a lei, que, na sua opinião, comprometerá o caminho da Geórgia para a adesão à UE. Apesar da condenação veemente por parte dos funcionários da UE e dos EUA, o projecto de lei foi agora aprovado. Desde então, os EUA ameaçaram impor restrições à concessão de vistos aos legisladores que apoiaram a legislação, e os manifestantes não dão sinais de desistir.

Não se pode duvidar da sinceridade dos cidadãos que continuam a ocupar os espaços públicos de Tbilisi, por receio de que as acções do seu governo sabotem as aspirações da Geórgia à UE. Mas há indícios claros de que muitos foram gravemente enganados sobre a natureza da nova lei, com alguns alegadamente convencidos de que ela irá impor uma vigilância em massa e obrigar o público a denunciar os seus vizinhos como “agentes estrangeiros”.

A tentativa de desinformar os georgianos sobre a lei é liderada principalmente por meios de comunicação social estrangeiros e pelas próprias ONG financiadas por estrangeiros. Actualmente, mais de 25.000 ONG estão activas na Geórgia e quase todas recebem financiamento estrangeiro. Muitas são financiadas pela UE, que financia mais de 130 “projectos activos” separados e 19.000 pequenas e médias empresas no país. Os serviços secretos americanos, USAID, e a NED, fachada da CIA, são também importantes financiadores do sector.

Juntos, estes elementos apoiados por estrangeiros estão a mobilizar os seus constituintes para as ruas para uma nova ronda de protestos que, em última análise, visa derrubar o governo e substituí-lo por um que sirva os interesses de Bruxelas e Washington.

Complexo industrial de ONGs financiadas pelo Ocidente

Muitas ONG financiadas por estrangeiros estão explicitamente preocupadas com a integração da Geórgia na UE, na NATO e noutras estruturas “euro-atlânticas”. Entre elas está o Shame Movement, que tem estado na linha da frente dos recentes distúrbios em Tbilisi. Os registos das subvenções da NED indicam que recebeu pouco menos de 80.000 dólares em 2021 para “envolver jovens activistas regionais”, ajudar os jovens georgianos a enfrentar “desafios” políticos e defender “a responsabilidade governamental”.

Estranhamente, uma entrada do NED indicando que o Shame Movement também recebeu mais de US $ 90.000 naquele ano “para promover a responsabilidade democrática e a supervisão efectiva do parlamento georgiano” foi removida. A organização estava encarregue de seguir “os votos e as declarações de todos os deputados e de manter perfis online detalhando esta informação”. Estaria esta iniciativa, em última análise, preocupada em criar uma “lista de alvos” de deputados que votam de forma “errada”, na perspectiva do Ocidente?

O Shame Movement esteve igualmente envolvido na agitação de 2023, quando o Georgian Dream tentou implementar legislação comparável à lei da “transparência da influência estrangeira”, apenas para capitular depois de vastas e violentas multidões ameaçarem invadir o parlamento, cenas igualmente marcadas por incessantes ataques hostis de funcionários ocidentais.

Na altura, um relatório do Wall Street Journal tornava muito clara a aversão da organização ao governo, citando um porta-voz do Shame Movement que descrevia o Georgian Dream como um intermediário do Kremlin “com o objectivo de aproximar a nação da Rússia e de a afastar da UE”. O governo “não pode dizer que é a favor da Rússia e contra a integração na UE, porque iria sofrer uma enorme reação do público, por isso estão a tentar ferver-nos lentamente como a um sapo. Estão a tentar e a fazer tudo o que podem para sabotar o processo de integração da Geórgia na UE”.

No país e no estrangeiro, a linha de propaganda ocidental segundo a qual o Georgian Dream serve os interesses russos ou é, de alguma forma, um peão do Kremlin, tem sido repetida com uma frequência crescente desde que eclodiram as manifestações contra a “transparência da influência estrangeira”. As provas do contrário têm sido sumariamente ignoradas pelos formadores de opinião ocidentais, tendo o influente grupo de reflexão sobre política externa Carnegie Endowment, sediado em Washington, chegado ao ponto de apagar um relatório pormenorizado que desmascarava completamente a acusação.

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Os escritórios de Tbilisi do Centro de Informação sobre a NATO e a UE, uma iniciativa patrocinada pela NATO que afirma que o seu objectivo é “envolver a nossa população nos processos de integração europeia e euro-atlântica da Geórgia e obter o seu apoio bem informado” - Foto: Grayzone

Na realidade, desde que tomou posse em 2012, o Georgian Dream tem conseguido um equilíbrio delicado entre o reforço dos laços ocidentais e a manutenção de uma coexistência civilizada com a vizinha Rússia. Para aderir à UE, o governo passou por todos os obstáculos impostos por Bruxelas, satisfez todas as condições de adesão e obteve formalmente o estatuto de candidato em Dezembro de 2023. No entanto, desde Fevereiro de 2022, este processo tornou-se uma dança sempre difícil, com o aumento constante da pressão externa para impor sanções a Moscovo e enviar armas para a Ucrânia.

O cumprimento rigoroso dos regimes de sanções ocidentais e as condenações públicas da invasão russa são evidentemente inadequados para Bruxelas, Kiev, Londres e Washington. Em Dezembro de 2022, Garibashvili afirmou que o governo ucraniano tinha exigido repetidamente a Tbilisi que abrisse uma “segunda frente” no conflito por procuração contra a Rússia. A sua recusa foi recebida com uma repreensão firme, o que, por sua vez, resultou na classificação do Georgian Dream como um representante do Kremlin e, portanto, um alvo legítimo para operações de mudança de regime.

Ao contrário do que aconteceu em 2023, o governo recusou-se a recuar na aplicação da “transparência da influência estrangeira” perante a condenação ocidental e as violentas multidões que inundaram as ruas da capital georgiana. Em 3 de Maio, o Primeiro-Ministro Kobakhidze emitiu uma declaração inflamada, acusando os EUA de orquestrarem dois golpes de Estado falhados em Tbilisi desde 2020.

Estes esforços, afirmou, foram “levados a cabo através de ONG financiadas por fontes externas” e inspirados por “falsas declarações” feitas por Kelly C. Degnan, embaixador dos EUA em Tbilisi até ao ano passado. Kobakhidze referia-se ao diplomata que acusou o Georgian Dream de ser um fantoche do Kremlin. Estas alegações “serviram para facilitar a violência por parte de actores financiados por estrangeiros”, afirmou. Referindo-se às queixas da Casa Branca sobre as reacções da polícia local às manifestações em curso, observou ironicamente: “Não exprimi as minhas preocupações… sobre a repressão brutal” dos estudantes que protestavam em solidariedade com a Palestina, dois dias antes, em Nova Iorque.

Configurando o teatro da revolução colorida

O líder georgiano de longa data e antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros soviético, Eduard Shevardnadze, abriu as portas às ONG que procuravam uma aberta no seu país, permitindo que organizações da sociedade civil financiadas por estrangeiros operassem no país sem grande ou mesmo alguma supervisão. Na altura um queridinho do Ocidente, com este acto assinou a sua própria sentença de morte política. Tal como um artigo do sítio Web da USAID, entretanto apagado referia, as ONG apoiadas pelo Ocidente passaram a “promover valores democráticos e liberais”, o que prejudicou gravemente o seu governo.

“Por exemplo, em 1999, o financiamento dos EUA ajudou os georgianos a elaborar e a apoiar uma Lei da Liberdade de Informação, que o governo adoptou. Essa lei permitiu aos meios de comunicação social e às ONG investigar os orçamentos do governo, forçar o despedimento de um ministro corrupto e dar às pessoas a sensação de que deviam regular o governo”, continua o relatório. Foram também afectadas somas avultadas à formação de “advogados, juízes, jornalistas, membros do parlamento, ONG, líderes de partidos políticos” na arte da revolução colorida.

Isto conduziu à Revolução Rosa de 2003, que derrubou Shevardnadze e instalou Mikheil Saakashvili, um político preparado pelos EUA e aprovado pessoalmente pelo bilionário George Soros, um dos pesados da CIA. Um participante na insurreição, citado no artigo suprimido da USAID, reconheceu que “sem a assistência estrangeira, não tenho a certeza de que teríamos conseguido o que conseguimos… A USAID apoiou a sociedade civil e criou uma rede de pessoas com espírito cívico”. Noutro local, um colaborador de Saakashvili declarou que Washington tinha “ajudado pessoas boas a livrarem-se de um governo mau e corrupto”.

As ONG financiadas por estrangeiros exercem uma influência tóxica e descomunal em Tbilisi, tendo “colonizado durante muito tempo a maior parte das áreas das políticas e serviços públicos”, como refere um ensaio de 2 de Maio do LeftEast. Estas organizações “recebem o seu mandato de organismos internacionais, que elaboram e pagam listas de reformas políticas para a Geórgia”, e “não têm incentivo para considerar o impacto dos projectos que implementam porque não são responsáveis perante os cidadãos em cujas vidas desempenham um papel tão intrusivo”.

Embora esta situação “tenha corroído a capacidade de ação dos cidadãos georgianos, bem como a soberania e a democracia do país”, a lei sobre a “transparência da influência estrangeira” não abordará, de facto, estas questões, argumentam os autores. Em vez disso, a legislação preocupa-se em combater “uma pequena mas poderosa camarilha” de ONG bem financiadas, alinhadas com Saakashvili e o seu Movimento Nacional Unido (MNU), que “se envolvem em políticas abertamente partidárias” para minar o governo do Georgian Dream. Como é visível na actual vaga de protestos, esta conduta incentiva os partidos da oposição enquanto clama pelo derrube do governo.

Criminosos de guerra da Legião Georgiana planeiam golpe

Saakashvili dirige ostensivamente o MNU a partir da prisão em Tbilisi. Tendo fugido da Geórgia e fixado residência na Ucrânia como governador de Odessa, a convite pós-Maidan de Petro Poroshenko, depois de perder o poder em 2012, regressou em Outubro de 2021. À sua chegada, foi preso por ter ordenado ataques violentos contra rivais políticos e por ter ajudado um dos seus ministros a encobrir um homicídio hediondo que dirigiu pessoalmente. A Presidente Zourabichvili prometeu que “nunca” perdoará o antigo líder.

Sondagens recentes situam o apoio público do partido em apenas 9,6% - significativamente inferior aos 31,4% do Georgian Dream. Apesar da sua fraca popularidade, os apoiantes de Saakashvili parecem determinados a tirá-lo da prisão, abe m ou a mal. Em Setembro de 2023, as autoridades de segurança da Geórgia avisaram que estava a ser preparado localmente “um golpe à la Euromaidan”. Entre os conspiradores nomeados, contavam-se georgianos de etnia georgiana que trabalhavam para o governo ucraniano: Giorgi Lortkipanidze, vice-chefe dos serviços secretos militares de Kiev; Mikhail Baturin, antigo guarda-costas de Saakashvili; e Mamuka Mamulashvili, comandante da notória Legião Georgiana.

Mamulashvili está directamente implicado no massacre de manifestantes da Maidan em Kiev, na Ucrânia, em Fevereiro de 2014, que foi decisivo para destituir o Presidente Viktor Yanukovych e instalar um governo nacionalista preparado para a guerra com a Rússia. O senhor da guerra georgiano terá trazido os atiradores para Kiev para criar o “caos” abrindo fogo sobre as multidões, fornecendo-lhes armas para o efeito. Desta vez, segundo as autoridades de segurança, os activistas antigovernamentais, treinados perto da fronteira da Ucrânia com a Polónia, montariam uma “cidade de tendas” em Tbilisi, muito semelhante à que foi erguida na Praça Maidan, em Kiev. Em seguida, teria lugar um atentado bombista de falsa bandeira no local, desencadeando uma revolta violenta em massa.

Alegadamente planeado para um período entre Outubro e Dezembro de 2023, o sangrento plano nunca se concretizou. No entanto, a polícia descobriu activistas de um grupo apoiado pelo governo dos EUA chamado CANVAS a operar em Tbilisi nessa altura, o que sugere que algo de maligno estava de facto a acontecer. O CANVAS nasceu do Otpor, um grupo de jovens dissidentes criado pela NED e que foi fundamental para o derrube do líder jugoslavo Slobodan Milosevic em 2000. Depois disso, os seus activistas começaram a treinar agentes de mudança de regime em todo o mundo, pagos por Washington.

Entre os beneficiários da experiência do CANVAS encontravam-se membros do Kmara, um movimento de resistência juvenil na vanguarda da Revolução Rosa de 2003, directamente inspirado no Otpor, logótipo e tudo. Este acontecimento moldou a política e a sociedade da Geórgia desde então e está bem presente na mente de muitos cidadãos, sendo as suas conotações históricas vistas tanto de forma positiva como negativa. A deputada da oposição Tako Charkviani sabia, sem dúvida, exatamente o que estava a fazer quando prometeu com veemência uma nova revolução colorida em Tbilisi.

Kit Klarenberg é jornalista investigativo que explora o papel dos serviços de inteligência na formação de políticas e percepções.

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