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Urânio Empobrecido: Munições perfurantes, choque tóxico

Os EUA continuam a usar balas com urânio empobrecido

Por Phil Butler

Resistir.info - 3 de Março, 2016

http://resistir.info/eua/du_27fev16.html

O dia 28 de Fevereiro de 2016 foi o 25º aniversário do término da Operação Tempestade no Deserto, a fase de combate da Guerra do Golfo, a primeira guerra contra o Iraque. Este conflito foi um ponto de viragem na história dos EUA e mundial, mas as guerras que se seguiram no Afeganistão e no Iraque transformaram estes teatros de guerra em vastos desertos tóxicos. A Tempestade no Deserto inaugurou a utilização de generalizada de munições de urânio empobrecido (depleted uranium, DU), um tópico acerca do qual poucos porta-vozes oficiais querem falar publicamente. Agora a Síria está a tornar-se o campo de batalha mais recente onde as "armas reais" de destruição em massa estão a ser a posicionadas. Ainda que o Pentágono tenha manifestado uma mudança de rumo quanto à sua decisão de utilizar munições DU, a evidência cristalina ainda não confirma qualquer esforço real de reduzir sua utilização indiscriminada. Deveria ser observado que durante a Tempestade no Deserto as forças dos EUA e Reino Unido reconheceram abertamente terem disparado cerca de 286 mil quilogramas de balas DU entre 1990 e 1991. A vasta maioria da munição perfurante foi disparada dos tanques US Abrams e M60, bem como dos aviões de combate a tanques A10 e Harrier. Num avanço rápido para os dias de hoje, deparamo-nos com um Iraque obliterado, uma África do Norte em vários estados de confusão tensa e uma Síria em chamas. Dentro de cadinho mortal, a sombra tóxica das munições de urânio empobrecido ameaça combatentes e igualmente inocentes. Os efeitos colaterais associados à exposição de elementos com DU incluem nascimentos defeituosos, aborto, cancros desconhecidos e mais ainda.

Examinar os efeitos da Tempestade do Deserto compõe uma horrenda convergência de industrialização do século XXI e uma nova espécie de argumentação ética. Se bem que as causas reais da chamada Síndrome da Guerra do Golfo (Gulf War Syndrome, GWS) ainda estejam a ser estudadas, os establishments militares e políticos não tomam posição sobre questões como a utilização do DU. Altamente eficazes em situações no campo de batalha, as balas extremamente pesadas de urânio empobrecido têm efeitos devastadores sobre alguns tipos de blindagem. Mas são as malignas características incendiárias da munição perfurante que tornam criminosa a sua utilização.

Como me contou Jeffrey Silverman, chefe de departamento do Veterans Today, durante o treino em Fort Knox os operadores dos tanques não foram instruídos quanto aos riscos para a saúde de tais munições, dizendo "o que você não sabe não o prejudica – e se soubessem quais eram os riscos para civis, muitos certamente teriam outras ideias quanto à utilização destas munições".

Silverman deveria saber, ainda em 2003, pois ajudou a conceber uma campanha de marketing social contra a utilização do urânio empobrecido no Afeganistão para o Islamic Relief com sede no Reino Unido – e efectuou muita investigação sobre o assunto. Como agora sabemos em retrospectiva, tanto no Afeganistão como na Tempestade do Deserto houve irradiação generalizada. No fim de 1991 toda fábrica, instalação militar e aviário estavam totalmente destruídos nos países atingidos. Os EUA e o Reino Unido claramente erradicaram não só a capacidade do país para funcionar como uma unidade como deixaram uma crise de saúde que só agora está a ser plenamente percebida.

Na época em que George Bush Júnior confirmava perante o público americano [a existência de] armas de destruição em massa (WOMD), o país de Saddam Hussein mal começava a recuperar-se da Idade da Pedra imposta pelos EUA. A utilização de munições de urânio empobrecido foi tão extensa que alguns peritos consideraram que levaria décadas avaliar adequadamente o seu custo humano. Defeitos de nascimento, cancros de toda a espécie, pó radioactivo e quimicamente tóxico e a infiltração de urânio nos lençóis freáticos fizeram um deserto de um deserto.

Assim, a desolação da terra arrasada de 2003 levou à irradiação subsequente. Esta reportagem de The Guardian fala de um período de três semanas no qual se estima que mais de 1000 toneladas de munições de urânio empobrecido foram utilizadas no Iraque pelas forças da coligação. A tragédia real para os americanos, contudo, foi o facto de que a liderança militar e estado-unidense sabia desde o princípio o impacto que estas armas teriam. Um relatório do US Army datado de 1990 apresenta claramente a munição de tungsténio como preferível à alternativa do DU. Além disso, o relatório "Kinetic Energy Penetrator Environmental and Health Considerations" submetido ao Exército fala especificamente da necessidade de uma "campanha de RP" para convencer o público da segurança do urânio empobrecido. Eis um excerto:

"O tungsténio apresenta a vantagem de que não exige esforços de relações públicas. Os esforços de RP quanto ao DU podem ser montados com êxito dada a informação actual. Embora a litigação não tenha sido um problema até à data, pode haver mais riscos de litigação associados ao DU do que ao tungsténio".

Aparentemente a administração Bush pouco se importou com a fricção internacional que a munição de urânio desencadearia, pois o relatório menciona a percepção negativa do público e a "reacção internacional adversa". A recomendação ao Exército é condenatória quando examinada à luz de hoje. Não só a administração de então ignorou o impacto negativo de RP como o Pentágono de 1991 de Bush pouco se importou em que a utilização da DU fosse "mais cara" do que balas revestidas com tungsténio. Aquilo era um mecanismo conveniente para se livrarem dos resíduos tóxicos de fábricas atómica e ganharem dinheiro com isso.

Pode-se apenas assumir que alguém importante na administração do Pentágono quis o Iraque envenenado e devastado. Pelo menos isto é uma suposição razoável, na minha opinião. O povo do Iraque deve agora viver com os resíduos mortais de cerca de 860 mil balas DU disparadas apenas pelas forças estado-unidenses. A maior parte dos agricultores e cidadãos comuns do Iraque não tem noção destas armas, da contaminação remanescente que permanecerá no solo iraquiano mais tempo do que o nosso sistema solar tem de vida. O urânio empobrecido tem uma semi-vida de 4,5 mil milhões de anos – e isto não é uma gralha, leu correctamente.

Sem dúvida os EUA e as forças da coligação destruíram o Iraque, do modo mais devastador possível. Um relatório do Middle East Research and Information Project revela esta destruição. Do lado que apoia o argumento do DU, think tanks como a Rand Corporation seguem sempre a "linha do partido", como fica claro neste relatório de 1999. A negação de qualquer conexão a doenças, face às provas esmagadora do sofrimento da Síndrome da Guerra do Golfo, é uma infâmia sobre a reputação da América.

A utilização de munições DU em pontos quentes por todo o mundo desacelerou recentemente e a recente (suposta) meia-volta na utilização do urânio empobrecido é promissora. Mas isto exigiu um esforço maciço de grupos de veteranos e de ONGs à escala mundial, para inclinar a balança. Este filme documentário intitulado "Urânio 238: A piscina suja do Pentágono" ("Uranium 238: The Pentagon's Dirty Pool") venceu o prémio de melhor curta-metragem no "First International Uranium Film Festival". A existência de um festival de filmes desta natureza deveria alertar o leitor para as centenas de movimentos internacionais para a proibição deste armamento. Ainda assim, tão recentemente como em 2015, o Pentágono ainda estava a "procurar" substitutos para balas DU. Encontrei esta notícia na Coligação Internacional para Proibir Armas com Urânio (International Coalition to Ban Uranium Weapons). Nela, o Departamento da Defesa dos EUA procurava: "Identificar e produzir um material de baixo custo que atingisse ou excedesse o desempenho em energia cinética do urânio empobrecido (DU) em aplicações perfurantes". Este relatório (PDF) da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade de Sarajevo pormenoriza a dispersão da munição PGU-14 durante ataques aéreos por aviões de combate A-10 próximo de áreas urbanas na Bósnia e Herzegovina em 1994 durante as operações "Deny Flight", "Allied Force" e "Deliberate Force", dentre outras incursões mais pequenas. O relatório é o mais minucioso e condenatório que pude encontrar, quanto às características e perigos das balas DU. No [momento do] impacto, os projécteis de urânio empobrecido transformam-se essencialmente em partículas inflamáveis de resíduos perigosos. As partículas incendiários são transformadas tanto em poeira como em aerosol, juntamente com fragmentos de alta velocidade que são radioactivos e/ou tóxicos. Descobri algo interessante e horrendo: que os melhores dados sobre a utilização de contaminação por DU vem sempre das vítimas. Além disso, a NATO e outros militares que utilizam balas DU raramente, sem é que alguma vez, divulgam informação que ajude países a descontaminar áreas atingidas por estas munições.

Entretanto, na Síria, os EUA têm agora 10 Warthogs a voarem em missões de destruição dos tanques de petróleo do ISIL. Os A10 estão armados com o canhão GAU-8 de 30 mm da General Electric, uma metralhadora conhecida por disparar balas de urânio empobrecido à velocidade de 3900 por minuto. O anúncio do novo papel do A10 em resposta à campanha aérea da Rússia contra o ISIL ficou ofuscado quando o Pentágono anunciou que o avião anti-tanque permaneceria em serviço depois de 2020. O secretário da Defesa, Ash Carter, informou a imprensa acerca da continuação do avião anti-tanque, o que atraiu o louvor imediato do Sen. John McCain, republicano do Arizona e presidente do Comité de Serviços Armados do Senado. Aos A-10s baseados na Turquia foram creditados os ataques contra a infraestrutura petrolífera do ISIL e suas fortalezas. E muito embora a retórica do Pentágono tenha enfraquecido o protesto contra estas armas, a sua utilização aparentemente não foi diminuída pelos EUA. Focando o A10 em particular, o canhão de 30 mm do avião actualmente tem três opções de munição: o PGU-14/B API Armor Piercing Incendiary ( DU ); o PGU-13-B HEI High explosive incendiary, e uma bala para treino de alvo designada PGU-15/B TP.

Quanto ao dano permanente que o urânio empobrecido já provocou, quatro estudos efectuados em 2012 mostram que o povo de Faluja tem "a mais alta taxa de dano genético em qualquer população já estudada". E quanto à teimosa determinação do governo dos EUA em aferrar-se ao urânio empobrecido apesar da devastação que as munições podem causar, o facto de que a General Dynamics e outros empreiteiros industriais-militares serem os únicos produtores merece escrutínio.

Quando eu estava em serviço activo na US Navy, o Grupo de Aproximação em Sistemas de Armas (Phalanx Close in Weapons System, CIWS) acabara de ser desenvolvido. Não houve surpresa para aqueles que se beneficiavam economicamente com tal munição. Além disso, não se deveria ficar chocado por acontecer de a General Dynamics ser a única produtora das balas de 20 mm MK149 DU dos sistemas de fogo embarcados do CIWS. Quanto ao outro fabricante DU, companhias como a Honeywell ou Orbital ATK ganham milhões com a manufactura de tais munições. Basta uma investigação rudimentar dos comunicados de imprensa da companhia para perceber como o negócio está a prosperar. E por simples acaso isto coincide com zonas de crise todo o mundo. Um comunicado de imprensa da Orbital, por exemplo, fala-nos de um novo escritório aberto no fim do ano passado na Arábia Saudita. A Orbital ATK recentemente foi premiada com um contrato de US$105 milhões para produzir a "próxima geração" de balas M1A1 Abrams anti-tanque, designadas M829A4, em 12 de Outubro de 2015. Agora é claro que o Pentágono e os planeadores políticos, aqueles que fazem a maior parte dos donativos de campanha, não têm qualquer intenção de eliminar seus stocks de urânio empobrecido dentro em breve, a menos que [não] possam encontrar a próxima frente de batalha para utilizá-lo.

Em conclusão

Os militares dos Estados Unidos, e seus parceiros da NATO, incluindo a Turquia, para eliminar seguramente os seus stocks maciços de velha munição DU precisam utilizá-lo sobre algum país inocente como dispositivo preferencial de remoção. E para tornar a situação ainda pior, adivinhe quem é pago para dar destino àquela velha munição. Adivinhou – fornecedores como a General Dynamics não só são pagos para desmontar a munição mais velha. E por doentio que isto soe, eles [os mesmos empreiteiros da defesa] ganham novos contratos para fornecer outra vez munição DU actualizada. Com base um artigo do Counterpunch , o ataque furioso de devastação, mentiras e conivência conectado a estas armas e munição é criminoso. As corporações dos EUA estão agora posicionadas para colher lucros inesperados. Elas não têm responsabilidade moral ou legal, irradiando e tornando tóxicas regiões inteiras, isso é apenas parte do negócio. Quem está a discutir os efeitos a longo prazo e inter-geracionais das munições DU? Oficialmente as questões de saúde e segurança ainda não são plenamente conhecidas e serão muito piores do que aquilo que soubemos do Agente Laranja durante o Vietname. Enquanto isso os sabichões só falam a uma distância segura do grau aceitável de danos colaterais. Tudo isso enquanto os EUA e o Reino Unidos continuam a fazer o que "sabem demasiado bem" ser um crime de guerra. Como cidadãos temos todos o dever de sermos os supervisores, pois é claro que a supervisão governamental não existe e aqueles em posição para tal foram subornados e estão moralmente em bancarrota. Aparentemente os "think thanks" de Washington e o Pentágono criaram uma guerra total, arrasam a Terra para irradiar todos os povos e regiões.

Por favor, provem-me que estou errado!

Phil Butler é Analista e cientista político, perito em Europa do Leste.
http://journal-neo.org/2016/02/27/armor-piercing-toxic-shocking-the-us-s-ongoing-depleted-uranium-manifesto/

http://resistir.info/eua/du_27fev16.html

Veja também:
-> DOSSIÊ: Urânio Empobrecido


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