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Operação Condor: Advogado uruguaio pede a prisão de Kissinger

Gustavo Salle entrou com um pedido, junto à Justiça uruguaia, de captura internacional, prisão e extradição do ex-secretário de Estado dos EUA, acusando-o de “autor intelectual” da Operação Condor, ação articulada entre ditaduras latino-americanas que causou a morte e o desaparecimento de milhares de pessoas.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

Data: 15/02/2007

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PORTO ALEGRE - O advogado uruguaio, Gustavo Salle, solicitou à Suprema Corte de Justiça que faça um pedido de captura internacional, prisão e extradição do ex-secretário de Estado dos Estados Unidos (1973-1977), Henry Kissinger, como "autor intelectual" do Plano Condor, operação coordenada de repressão das ditaduras do Conesul contra militantes de esquerda, informa matéria da agência italiana ANSA. Segundo o advogado declarou à ANSA, existem “provas semi-plenas" nos processos de investigação sobre as violações dos direitos humanos durante as ditaduras do Conesul. Essas provas – ainda incompletas - vinculam, segundo ele, Kissinger com a autoria intelectual do Plano Condor, durante as décadas de 70 e 80.

Salles é advogado de defesa de Bernardo Arnone, um militante de esquerda do Partido por la Victoria del Pueblo de Uruguay (PVP), desaparecido em 1976 e também do caso que levou à prisão no ano passado cinco oficiais do exército e dois ex-policiais pelo desaparecimento, também em 1976, dos militantes do PVP, Alberto Mechoso e Adalberto Soba.

A Operação Condor consistiu em um sistema de cooperação entre as ditaduras militares do Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Brasil para perseguir e executar opositores desses regimes. O pretexto era o argumento clássico da Guerra Fria: "deter o avanço do comunismo internacional". Auxiliados técnica, política e financeiramente por oficiais do Exército dos Estados Unidos, os militares sul-americanos passaram a agir de forma integrada, trocando informações sobre opositores considerados perigosos e executando ações de prisão e/ou extermínio. A operação deixou cerca de 30 mil mortos e desaparecidos na Argentina, entre 3 mil e 7 mil no Chile e mais de 200 no Uruguai, além de outros milhares de prisioneiros e torturados em todo o continente.

Na contabilidade macabra de mortos e desaparecidos, o Brasil registrou o menor número de vítimas durante a ditadura militar, comparado com o que aconteceu nos outros países da região. No entanto, documento secretos divulgados recentemente no Paraguai e nos EUA mostraram que os militares brasileiros tiveram participação ativa na organização da repressão em outros países, como, por exemplo, na montagem do serviço secreto chileno, a Dina. Esses documentos mostram que oficiais do hoje extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) ministraram cursos de técnicas de interrogatório e tortura para militares chilenos.

Os militares que coordenaram a Operação Condor também receberam "apoio técnico" de especialistas norte-americanos, ligados à CIA e à Escola das Américas, instituição criada para formar militares do continente na "guerra ao comunismo". Essa Escola tornou-se uma espécie de universidade da tortura na América Latina. Segundo o relatório "Brasil, nunca mais", pelo menos 1.918 prisioneiros políticos declararam ter sido torturados entre 1964 e 1979, no Brasil. Esse documento descreve 283 diferentes formas de tortura utilizadas pelos órgãos de segurança na época, muitas delas ainda adotadas em delegacias contra presos comuns.

A atuação de Kissinger no Comitê 40

O advogado Gustavo Salle garante que existem provas que incriminam Kissinger, lembrando que ele presidiu entre 1969 e 1976 o "Comitê 40", uma organização "de caráter semi-clandestino de ligação entre a Casa Branca e a CIA para realizar a desestabilização de governos que não estavam de acordo com os interesses norte-americanos”. "É um fato absolutamente objetivo a existência de gravações e outras provas que envolvem Kissinger com os golpes de Estado na América do Sul e sua eventual participação nos assassinatos dos generais chilenos Carlos Prats e Orlando Letelier e o possível envenenamento do ex-presidente Eduardo Frei", afirmou Salle.

Segundo ele, “existem elementos suficientes para provar a autoria intelectual e execução por parte de Kissinger de um plano imposto pelos EUA no âmbito da doutrina de segurança nacional, dentro da Guerra Fria e no teatro de operações que foi a América do Sul, com militares sul-americanos". A Suprema Corte de Justiça do Uruguai deverá avaliar a possibilidade de solicitar provas ou determinar o arquivamento do pedido.

Nos últimos anos, foram divulgados diversos documentos relativos ao funcionamento da Operação Condor. Em 1992, documentos da polícia secreta do Paraguai, mostraram detalhes do funcionamento da Operação Condor, registrando como acordos entre os governos militares legitimavam a busca, captura, trocas de prisioneiros, torturas, desaparecimentos e assassinatos de militantes políticos, independente de suas nacionalidades.

O seqüestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Gumercindo Diaz, em Porto Alegre foi um caso emblemático desse modo de operação. Em novembro de 1978, Celiberti e Diaz viajaram a Porto Alegre para denunciar os crimes políticos da ditadura uruguaia. Ao chegarem na capital gaúcha, os dois, mais os filhos de Lilian, foram seqüestrados por uma equipe de policiais brasileiros e uruguaios. Após alguns dias presos no RS, os quatro foram levados para o Uruguai. Na época, o caso foi denunciado pelos jornalistas Luiz Cláudio Cunha e João Batista Scalco, da revista Veja.

As prisões de Flávio Koutzi e Flávia Schilling, ambos brasileiros, detidos na Argentina e no Uruguai, respectivamente, foram outros casos que envolveram a atuação coordenada dos aparatos de repressão. Segundo os documentos encontrados no Paraguai, a colaboração entre as ditaduras do Cone Sul já existia desde 1965. Como resultado dessa operação, milhares de cidadãos, trabalhadores, agricultores e dirigentes políticos foram mortos ou dados como desaparecidos. Segundo os documentos conhecidos até hoje, o Paraguai funcionou como o centro de operações do sistema.

O julgamento de Kissinger

O jornalista britânico Christopher Hitchens publicou um livro sobre a participação de Kissinger nestes episódios. “O julgamento de Kissinger”, publicado no Brasil pela Boitempo Editorial, faz uma série de acusações contra o ex-secretário de Estado dos EUA. No prefácio da obra, ele afirma: “Quando surgiu no que hoje parece ser a pré-histórica primavera de 2001, este livro provocou certo desprezo de alguns setores, e por duas razões. Alguns se recusaram a acreditar que as evidências apresentadas contra Henry Kissinger pudessem ser verdadeiras. Outros, ainda que admitindo a veracidade dos documentos oficiais, mesmo assim duvidavam da simples idéia de colocar figura tão poderosa ao alcance da lei.”

Hitchens chama a atenção, entre outras coisas, para a preocupação manifestada por Kissinger , no livro “Os EUA precisam de uma nova política externa?”, com os riscos de uma nova doutrina legal de jurisdição universal, como o que está tentando-se construir no Tribunal Penal Internacional. Em maio de 2001, registra o autor, Kissinger estava em Paris quando foi surpreendido pela visita de um policial francês que o convocou a comparecer no dia seguinte à Justiça para depor sobre o desaparecimento de cinco cidadãos franceses no Chile. Na tarde do mesmo dia, Kissinger saiu da França para evitar o depoimento.

Uma das acusações detalhadas por Hitchens em seu livro é aquela feita pela Corte Federal dos EUA, que apontou o ex-secretário de Estado como responsável pela execução sumária do general chileno René Schneider. O Arquivo de Segurança Nacional intimou-o a devolver cerca de 50 mil páginas de documentos públicos sobre o caso.

“Um velho amigo que ajudou a mudar o mundo”

A trajetória de Kissinger teve um episódio polêmico recente no Brasil. Em uma conferência realizada em Washington, em 2005, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso saudou Henry Kissinger como um “velho amigo” que “ajudou a mudar o mundo”. Na ocasião, Fernando Henrique afirmou:

“A combinação entre pensamento é ação é algo que sempre admirei em qualquer pessoa. Henry Kissinger é um homem de alto intelecto. E ele é, inegavelmente, um homem de ação. Ele é uma dessas raras espécies de homens que podem traduzir pensamento estratégico em políticas públicas e medidas concretas, de um modo exitoso. Sua produção acadêmica só encontra paralelo na contribuição à política externa dos EUA, ajudando a mudar o mundo, especialmente nos anos 70”.

Em fevereiro de 2002, quando era presidente da República, Fernando Henrique tentou homenagear Kissinger com a medalha da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul (condecoração destinada a estrangeiros que se tenham tornados dignos de reconhecimento da nação brasileira). Kissinger desistiu de viajar a São Paulo, onde receberia a medalha, após a divulgação de um abaixo-assinado de repúdio à visita e da convocação de um ato de protesto.

(*) Com informações da Agência ANSA

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