Plutocracia.com

Bookmark and Share

Os cinco estágios do colapso, atualização 2019

por Dmitry Orlov | Club Orlov

Blog do Alok - 20 de fevereiro, 2019

http://blogdoalok.blogspot.com/2019/02/os-cinco-estagios-do-colapso.html#more

O colapso, em cada estágio, é processo histórico que exige tempo para completar a própria trajetória, conforme o sistema adapta-se às circunstâncias sempre mutáveis, compensa as próprias debilidades e encontra vias para continuar a funcionar, seja no nível que for. Mas o que muda repentinamente é a fé, ou, para pôr em termos mais empresariais, o sentimento.

Grande parte da população ou uma classe política completa dentro de um país ou todo o mundo podem funcionar baseados num certo conjunto de pressupostos, por muito mais tempo do que a situação garantiria, mas então, num curto período de tempo, mudar-se para um conjunto diferente de pressupostos. O que sustenta o status quo daí em diante é a inércia das instituições. A inércia das instituições impõe limites à velocidade na qual os sistemas conseguem mudar sem colapsar completamente. Além desse ponto, o povo tolerará as velhas práticas, até que se consiga encontrar substitutos para elas.

Estágio 1: Colapso financeiro. Ninguém mais acredita que sejam “só negócios, como sempre” [“Business as always”]

Em contexto internacional, a maior mudança no sentimento no mundo tem hoje a ver com o papel do EUA-dólar (e, em menor extensão, do euro e do yen – as duas outras moedas de reserva, do tripé de ferramentaria dos banqueiros centrais globalistas). O mundo está passando a usar moedas locais, troca moedas [ing. currency swaps] e serve-se de mercados apoiados no ouro. O agente catalisador dessa mudança de sentimentos veio do próprio governo dos EUA, que pôs abaixo o próprio poleiro ao usar sanções unilaterais – ao se servir do próprio controle sobre transações baseadas no EUA-dólar para obrigar outros países a buscar alternativas. Agora, lista crescente de países já veem como meta estratégica conseguir livrar-se das algemas do EUA-dólar.

Rússia e China usam o rublo e o yuan para seu comércio, sempre crescente; o Irã vende petróleo à Índia e recebe em rúpias. A Arábia Saudita já começou a aceitar o yuan em troca de seu petróleo.

Essa mudança tem vários efeitos devastadores. Se o dólar deixou de comandar o comércio internacional, outras nações já não precisam manter como reserva grandes quantidades de dólares. Consequentemente, desaparece a necessidade de comprar grandes quantidades de papéis do Tesouro dos EUA. E torna-se desnecessário manter altos superávits comerciais com os EUA, comerciando, essencialmente, com prejuízo. Além do mais, diminui a atratividade dos EUA como mercado de exportação; o custo das importações para os EUA aumenta; e sobe a inflação. Segue-se uma espiral viciosa, na qual encolhe a possibilidade de o governo dos EUA tomar empréstimos internacionais para financiar o fosso escancarado entre seus vários déficits. O governo dos EUA entra então em inadimplência soberana [ing. Sovereign default].

Os EUA talvez ainda pareçam poderosos, mas a própria precária situação fiscal, combinada à negação obsessiva de que a bancarrota é – e é – inevitável, faz dos EUA uma espécie de Blanche DuBois da peça “Um Bonde Chamado Desejo” de Tennessee Williams. Blanche é aquela que “sempre dependeu da gentileza de estranhos”, sempre tragicamente incapaz de perceber a diferença entre gentileza e desejo. No caso dos EUA, é o desejo de garantir vantagem e segurança nacional e de minimizar o risco, livrando-se de parceiro comercial pouco confiável.

Não se pode adivinhar se virá rapidamente ou se a passagem será lenta e impossível de calcular. É possível pensar o sistema financeiro em termos de um análogo no mundo físico, com massas de fundos viajando a uma dada velocidade e com uma dada inércia (p = mv) e sob forças que atuam naquela massa para acelerá-la numa trajetória diferente (F = ma). Também se pode pensar o sistema financeiro em termos de estouro de manada, quando os animais disparados e em pânico podem mudar repentinamente de direção. Os recentes movimentos abruptos nos mercados financeiros, nos quais trilhões de dólares de valor ‘teórico’ puramente especulativo foram varridos do mundo em semanas, aproximam-se mais do modelo do estouro de manada.

Estágio 2: Colapso comercial. Acaba-se a fé em “o mercado resolverá tudo”.

Dentro dos EUA realmente não há alternativa além do mercado. Há alguns enclaves rústicos, na maioria comunidades religiosas, capazes de se autoalimentar, mas são raros. Para todos os demais não há outra saída que não seja tornar-se consumidor. Na medida em que se possa dizer que os EUA têm uma cultura, é cultura comercial, na qual a bondade de alguém baseia-se nas boas pilhas de dinheiro que lhe pertençam. É cultura que pode morrer se se tornar irrelevante (quando todos estão mortalmente falidos), mas até lá a maior parte dos portadores dessa cultura também já estarão muito provavelmente mortos. Como alternativa, pode ser substituída por cultura mais humana que não seja completamente apoiada no culto ao deus dinheiro – talvez, me atrevo a pensar, mediante uma volta a uma ética pré-protestante, pré-católica, que valorize a alma das pessoas, mais que objetos de valor?

Estágio 3: Colapso político. Acaba-se a fé em “o governo cuidará de você”.

No momento tudo isso ainda é turvo, mas eu diria que muita gente nos EUA está desatenta demais, estressada demais e preocupada demais com os próprios vícios e obsessões, para dar muita atenção ao reino da política. Dos que realmente prestam atenção, bom número parece aderido à ideia de que os EUA não são absolutamente algum tipo de democracia, mas um tanque de areia reservado às elites no qual interesses das empresas transnacionais e oligárquicos constroem e põem abaixo os castelos de areia uns dos outros.

A extrema polarização política, na qual dois partidos pró-capitalistas e pró-guerra virtualmente idênticos fingem que batalham pela virtude, mostrando talvez um sintoma do estado de extrema decrepitude de todo o arranjo político: o povo é obrigado a assistir aos rolos de fumaça que sobem e a ouvir a barulheira ensurdecedora, na esperança de que, assim, ninguém perceba que as engrenagens já não se movem.

O fato de que o que não passa de futrica palaciana – a barulheira da confusão entre Casa Branca, as duas casas do Congresso e um macabro grande inquisidor chamado Mueller [nos EUA; no Brasil, é chamado Sergio Fernando Moro (NTs)] – tomou o centro do palco faz lembrar, estranhamente vários colapsos políticos anteriores, como a desintegração do Império Otomano ou a queda e consequente degola de Luís XVI. O fato de Trump, como os dignitários otomanos, povoar o próprio harém com mulheres do leste europeu só acrescenta sua pitada de exotismo. Isso posto, a maioria nos EUA parece cega para a natureza dos próprios governantes, cegueira de um tipo que os franceses, com seu movimento dos Coletes Amarelos (para dar um exemplo), absolutamente não têm.

Estágio 4: Colapso social. Acaba-se a fé em “o seu próprio povo cuidará de você”.

Já digo há alguns anos que, por dentro, o colapso social dos EUA está já em andamento, praticamente consumado, apesar de as pessoas crerem que não, que se trata de outra coisa completamente diferente. É muito difícil definir “seu próprio povo”. Os símbolos estão por aí ainda – a bandeira, a Estátua da Liberdade e uma predileção por drinks com gelo e pratos enormes de comida frita gordurosa –, mas o cadinho parece ter sofrido fusão do núcleo e derreteu na direção da China. Atualmente, metade dos lares dentro dos EUA falam em família outra língua que não é o inglês, e considerável parte dos restantes falam variantes do inglês que não são mutuamente inteligíveis nos contatos com falantes da variante padrão do inglês norte-americano falado na televisão e em conferências nas grandes universidades.

Ao longo de sua história como colônia britânica e como nação, os EUA sempre foram dominados pelo ethnos anglo. A palavra “ethnos” não é rótulo étnico. Não se baseia estritamente em genealogia, linguagem, cultura, habitat, forma de governo ou qualquer outro fato único nem qualquer grupo de fatores. Fatores, isolados ou agrupados, podem ser importantes numa ou noutra medida, mas para que um ethnos se viabilize, tudo depende exclusivamente da própria coesão, da mútua inclusividade e de haver objetivos comuns para todos os incluídos num determinado ethnos. O ethnos anglo chegou ao ápice logo depois da 2ª Guerra Mundial, durante a qual muitos grupos sociais misturaram-se na caserna, e os membros mais inteligentes receberam o prêmio de se educarem e serem socialmente promovidos, graças à GI Bill [de 1944, “Lei de Reintegração dos Veteranos de Guerra”].

Liberou-se um potencial fantástico, quando o privilégio – que sempre foi a maldição do ethnos anglo – foi temporariamente substituído pelo mérito, quando os veteranos de guerra mais talentosos, fosse qual fosse a classe original, ganharam a oportunidade de receber educação de boa qualidade e ascensão social graças à “Lei de Reintegração dos Veteranos de Guerra”. Falando como lingua franca uma nova variante de inglês baseada no falar de Ohio, esses ianques – homens, racistas, sexistas e chauvinistas e, pelo menos dentro da própria cabeça, vitoriosos – estavam prontos para refazer todo o mundo à sua própria imagem.

Começaram por inundar o mundo com petróleo (naquele momento a produção de petróleo nos EUA estava no auge) e com as respectivas máquinas para queimá-lo. Esses atos apaixonados de etnogênese não são frequentes, mas tampouco são raros: os romanos que conquistaram toda a bacia do Mediterrâneo; os bárbaros que saquearam Roma; os mongóis que adiante conquistaram quase toda a Eurásia; e os germanos que por um breve momento possuíram amplo Lebensraum [al. orig. “habitat”, “espaço vital”] são outros exemplos.

Chegou a hora de perguntar: o que resta hoje desse orgulho anglo-ethnos conquistador? Só se ouvem gritinhos de feministas sobre “masculinidade tóxica”, e minorias de todos os matizes em manifestações contra “whitesplaining” [lit. “brancos explicam”], e ouvimos em resposta uns poucos sussurros mas, principalmente, silêncio. Aqueles ianques orgulhosos, conquistadores e viris, que se encontraram e confraternizaram com o Exército Vermelho no Rio Elba dia 25/4/ 1945 – que fim levaram? Ter-se-iam convertido em tristes pequenos sub-ethnos de garotões efeminados bombados, que depilam os pelos pubianos e precisam ter autorização por escrito para fazer sexo, de medo de serem acusados de estupro?

Será que o anglo-ethnos persistirá como relíquia, assim como os ingleses deram jeito de se manterem agarrados à sua família real (que tecnicamente já não são sequer aristocratas, agora que começaram a praticar a exogamia com plebeias)? Ou aquela gloriosa história de rapina, saque e genocídio do ethnos anglo será varrida numa onda de depressão, doença mental e abuso de opiáceos, e derrubadas as estátuas de seus heróis/criminosos de guerra? Só o tempo dirá.

Estágio 5: Colapso cultural. Acaba-se a fé na “bondade da humanidade”.

O termo “cultura” nada significa para muitos, mais é mais produtivo observar as culturas, que discursar sobre elas. Culturas expressam-se mediante comportamentos humanos estereotipados, facilmente observáveis em público. Não falo dos estereótipos negativos frequentemente usados para identificar e rejeitar recém-chegados, mas os estereótipos positivos – padrões culturais de comportamento –, que servem como requisitos para a adequação social e a inclusão. Pode-se facilmente aquilatar a viabilidade de uma cultura, a partir dos comportamentos estereotipados dos membros daquela cultura.

• O povo existe como? Como reino contínuo único, inclusivo e soberano? Ou como enclaves potencialmente conflitantes, segregados por renda, etnia, nível de educação, filiação política e assim por diante? Ou só se veem muros, portões, pontos de controle, câmeras de segurança e avisos de “Entrada proibida”? A lei da terra é imposta igualmente para todos? Ou há bairros bons e bairros ruins, e zonas nas quais não se põe o pé, onde até a polícia tem medo de entrar?

• As pessoas médias que se cruzam pelas ruas conversam espontaneamente umas com as outras e sentem-se bem quando se veem numa só grande multidão? Ou vivem distantes umas das outras, isoladas, com medo, sempre preferindo esconder o rosto por trás do fulgurante retângulo do smartphone, ciumentamente protegendo seu espaço pessoal e pronto para tomar como assalto qualquer toque ou contato?

• As pessoas continuam bem-humoradas e tolerantes umas com as outras quando fortemente pressionadas? Ou se escondem por trás de uma fachada de polidez tensa e superficial, e explodem em fúria à mais leve provocação? As conversas acontecem em tom suave, com gentileza e respeito? Ou são gritarias, berros, chuva de grosserias e palavrões? As pessoas vestem-se bem por mútuo respeito umas às outras? Ou para ostentar riqueza, como gente desclassificada e baixa – mesmo que tenham muito dinheiro?

• Observe o modo como agem as crianças deles e delas: têm medo de estranhos e deixam-se prender num mundinho minúsculo onde só cabem eles e elas mesmas? Ou são abertos para o mundo, sempre prontos a tratar o próximo desconhecido como pressuposto irmão ou irmã, tia, tio, avô ou avó, sem que seja preciso fazer uma cerimônia de apresentações? E os adultos, arrogantemente ignoram os filhos uns dos outros? Ou agem espontaneamente como uma única família?

• Se veem um acidente na estrada, correm espontaneamente para resgatar uns os outros, antes de a coisa explodir? Ou, nas palavras imortais de Frank Zappa, “puxam o telefone e chamam outros otários” que “correm e se metem e aumentam ainda mais a desgraça geral”?

• Se há inundação ou incêndio, os vizinhos acolhem os que perdem a casa? Ou deixam-nos onde estão, até que alguma autoridade apareça para metê-los num ônibus e levá-los para algum alojamento improvisado do governo?

Tanto se podem apresentar estatísticas, quanto relembrar casos da própria experiência, para avaliar o estado e a viabilidade de uma cultura, mas seus próprios olhos e outros sentidos trazem todas as provas necessárias para que você mesmo determine e decida quanta fé ainda seria possível investir na “bondade da humanidade” das pessoas à sua volta.

Traduzido pelo Coletivo Vila Mandinga

Dmitry Orlov, nascido em 1962 em Leningrado (hoje São Petersburgo), é um engenheiro russo-estadunidense e escritor sobre temas relacionados com “o potencial declive económico, ecológico, político e o colapso nos Estados Unidos”, ao que ele chamou de “crise permanente”. Orlov argumenta que esse colapso será o resultado de enormes orçamentos militares, do déficit do governo, de um sistema político irresponsável e do declínio progressivo da produção de petróleo

http://blogdoalok.blogspot.com/2019/02/os-cinco-estagios-do-colapso.html#more


Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias
Regras da Comunidade


Lista de artigos

e-mail: info@plutocracia.com
http://plutocracia.com/

| Termo de Responsabilidade |