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Ataque ao Irã seria ataque à Rússia

por Pepe Escobar | Asia Times

O Empastelador - 4 de agosto, 2019

https://oempastelador.blogspot.com/2019/08/ataque-ao-ira-seria-ataque-russia.html

A Rússia está avançando meticulosamente nos movimentos sobre o tabuleiro de xadrez eurasiano, movimentos que têm de ser observados em conjunto, com Moscou propondo ao Sul Global abordagem diametralmente oposta às sanções, ameaças e guerra econômica que lhes faz o ocidente. Aqui vão três exemplos recentes.

Há dez dias, via um documento oficialmente aprovado pela ONU,[1] o Ministério de Relações Exteriores da Rússia apresentou um novo conceito de segurança coletiva para o Golfo Persa.

Moscou destaca que “o trabalho prático de lançar o processo para criar um sistema de segurança no Golfo Persa” deve começar com “consultas bilaterais e multilaterais entre partes interessadas, incluindo países da região e também de fora dela,” além de organizações como o Conselho de Segurança da ONU, Liga Árabe, Organização de Cooperação Islâmica e Conselho de Cooperação do Golfo.

O passo seguinte deve ser um conferência internacional sobre segurança e cooperação no Golfo Persa, seguida do estabelecimento de organização dedicada à tarefa – com certeza nada que se assemelhe à imprestável Liga Árabe.

A iniciativa russa deve ser interpretada como uma espécie de contrapartida e ainda mais como complemento da Organização de Cooperação de Xangai, que finalmente começa a desabrochar como corpo de segurança, econômico e político. Conclusão inevitável é que os principais agentes da OCX – Rússia, China, Índia, Paquistão e, em futuro próximo, Irã e Turquia – serão fortes agentes influenciadores na direção da estabilidade regional.

O Pentágono não vai gostar.

Manobras, baby, manobras

Quando o comandante da Marinha Iraniana Hossein Khanzadi visitou recentemente São Petersburgo para a celebração do Dia da Marinha Russa, o Comandante do Estado-maior das Forças Armadas do Irã e o Ministério da Defesa da Rússia assinaram um memorando de entendimento sem precedentes.

Khanzadi acertou ao destacar que o memorando “pode ser considerado ponto de virada nas relações entre Teerã e Moscou ao longo da trajetória de defesa.”


Imagem: Soldados iranianos participam de comemorações do Dia Nacional do Golfo Persa no Estreito de Ormuz, 30/4/2019. Foto: AFP / Atta Kenare

Resultado direto disso é que Moscou e Teerã, antes de março de 2020, farão um exercício de manobras navais conjuntas no – e onde poderia ser?! – Estreito de Ormuz. Como Khanzadi disse à agência de notícias IRNA: “O exercício pode ser feito na parte norte do Oceano Índico, que flui para o Golfo de Omã, no Estreito de Ormuz e também no Golfo Persa.”

A Marinha dos EUA, que planeja uma “coalizão internacional” para garantir a “liberdade de navegação” no Estreito de Ormuz – liberdade que o Irã sempre, historicamente, garantiu – não vai gostar. Nem a Grã-Bretanha, que prefere “coalizão europeia”, mesmo com o Brexit aproximando-se.

Khanzadi também observou que Teerã e Moscou estão profundamente envolvidas em como reforçar a cooperação de defesa no Mar Cáspio. Já houve no passado exercício de manobras no Cáspio, mas nunca, até agora, no Golfo Persa.

Exercício conjunto

O Distrito Militar Oriental da Rússia participará do exercício antiterroristas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSA) na Tailândia e na China, no início do próximo mês. Segundo o Distrito Militar Oriental, o treinamento é parte das “preparações para uma fase prática de exercício de manobras antiterrorismo da ANSA na China.” Dentre outras coisas, significa que soldados russos estarão usando armamento pesado chinês.

Esses exercícios incluem grupos táticos ‘mistos’ que tentam libertar reféns presos em prédios oficiais; busca e descarte de explosivos; reconhecimento interno e externo de radiação e reconhecimento químico e biológico.

Deve-se interpretar tudo isso como interação direta entre práticas da OCX e da ANSA, complementando o aprofundamento da interação entre a União Econômica Eurasiana e a ANSA.

Esses três desenvolvimentos ilustram o quanto a Rússia está envolvida num largo espectro, do Mar Cáspio e do Golfo Persa até o Sudeste da Ásia.

Mas o elemento chave ainda é a aliança Rússia-Irã, que deve ser lida como um nodo chave no massivo projeto de integração da Eurásia no século 21.

O que o Secretário de Segurança Nacional da Rússia Nikolai Patrushev disse claramente naquele recente histórico encontro trilateral, ao lado do Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca John Bolton e do Conselheiro de Segurança Nacional de Israel Meir Ben-Shabbat Jerusalém deve ser ouvido com atenção: “O Irã sempre foi e continua a ser nosso aliado e parceiro, com o qual estamos consistentemente desenvolvendo relações bilaterais e também dentro de formatos multilaterais.”

Com isso se descarta a infindável especulação, sem qualquer base real, de que Moscou estaria “traindo” Teerã em vários fronts, da guerra econômica de terra arrasada desencadeada pelo governo Donald Trump, à resolução da tragédia na Síria.

Para Nur-Sultan e o Comitê Constituinte Sírio

E isso nos leva à continuação do processo de Astana sobre a Síria. Moscou, Teerã e Ankara estarão em reunião trilateral em Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, possivelmente na gigantescamente significativa data de 11 de setembro, segundo fontes diplomáticas.

Realmente importante nessa nova fase do processo de Astana, contudo, é a instalação do Comitê Constituinte Sírio. É coisa já acertada desde janeiro de 2018 em Sochi: um comitê – que reunirá representantes do governo, da oposição e da sociedade civil, cada grupo com 1/3 dos assentos com direito a voto – competente para redigir a nova Constituição da Síria.

A única solução possível e viável para a tragédia infindável da guerra por procuração contra a Síria será, pois, construída por Rússia, Irã e Turquia. Isso inclui a aliança Rússia-Irã. E isso inclui e expande a visão da Rússia quanto à segurança do Golfo Persa, ao mesmo tempo em que sinaliza na direção de uma Organização de Cooperação de Xangai expandida no Sudeste da Ásia, atuando como mecanismo de pacificação pan-asiático e séria frente anti-OTAN.

Nota:

[1] A única referência que encontrarmos a esse documento, com link para o texto em várias línguas, aparece na página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, acima indicada. Não conseguimos confirmar a informação de que o documento teria sido “oficialmente aprovado pela ONU”, mas essa informação repete-se em várias publicações em todo o mundo. Talvez a aprovação tenha a ver com o fato de que o documento foi apresentado em Moscou, dia 23 de julho, pelo Representante Especial do presidente Putin para Oriente Médio e África e vice-ministro de Relações Exteriores Mikhail Bogdanov, em reunião da qual participaram representantes de estados árabes, do Irã, da Turquia, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, da União Europeia, da Liga Árabe e dos países BRICS com representação em Moscou, como se lê na versão em inglês de artigo sobre o assunto (orig. em russo) publicado na página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia [NTs].

Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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