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Bombardeio atômico do Japão não era necessário para acabar com 2ª Guerra. Documentos do governo dos EUA o admitem

por Ben Norton (pt-BR) | Geopolitical Economy Report

Brasil 247 - 10 de agosto, 2023

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Bomba atômica jogada em Hiroshima pelos EUA em 1945

É muito comum que os governos e os veículos de mídias ocidentais contem ao resto do mundo que estão com muito medo da Coreia do Norte e das suas armas nucleares, ou de temerem a possibilidade de que o Irã possa um dia em futuro próximo ter armas nucleares.

Mas a realidade é que há apenas um país na história humana que usou armas nucleares contra uma população civil – e não uma vez, mas duas vezes: os Estados Unidos da América.

Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, as forças militares dos EUA despejaram bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Cerca de 200 mil civis foram mortos.

Hoje, quase 80 anos depois, ainda é muito comum ouvir as autoridades do governo dos EUA, jornalistas e educadores alegaram que Washington não teve escolha a não ser bombardear o Japão com artefatos nucleares, para forçá-lo a se render e, assim, acabar com a Segunda Guerra Mundial. Muitos argumentam que esta horripilante atrocidade na verdade foi uma ação nobre e que esta salvou ainda mais vidas que teriam sido perdidas em combates subsequentes. Documentos do governo dos EUA admitiram que o Japão já estava prestes a se render em 1945, antes dos ataques nucleares. Os ataques com bombas atômicas não eram necessários.

O Departamento de Guerra dos EUA (que foi renomeado como Departamento de Defesa mais tarde, nos anos de 1940) conduziu uma investigação, conhecida como Pesquisa de Bombardeios Estratégicos, analisando os seus ataques aéreos na Segunda Guerra Mundial.

Publicado em 1946, a Pesquisa de Bombardeios Estratégicos declarou, muito claramente:“… parece claro que, mesmo sem os ataques de bombaredio atômico, a supremacia aérea sobre o Japão poderia ter exercido pressão suficiente para acarretar uma rendição incondicional e evitar a necessidade de uma invasão.“Baseada na detalhada investigação de todos os fatos e apoiada pelos testemunhos dos líderes japoneses sobreviventes envolvidos, é da opinião da Pesquisa que, certamente antes de 31 de dezembro de 1945 e, muito provavelmente antes de 1º de novembro de 1945, o Japão teria se rendido – mesmo que as bombas atômicas não tivessem sido despejadas, mesmo que a Rússia não tivesse entrado na guerra e mesmo se invasão alguma tivesse sido planejada nem contemplada”.Os ataques nucleares sobre o Japão representaram uma decisão política tomada pelos EUA, visando diretamente a União Soviética; este foi o primeiro ato da Guerra Fria.

Em agosto de 1945, a URSS estava se preparando para invadir o Japão e derrubar o seu regime fascista dominante, que tinha sido aliado à Alemanha Nazista – a qual o Exército Vermelho Soviético também havia recém derrotado no teatro europeu da guerra.

Washington estava preocupada que, se os Soviéticos derrotassem o fascismo japonês e liberassem Tokyo, como eles fizeram em Berlim, então o governo pós-fascista do Japão poderia se tornar um aliado da União Soviética e poderia adotar um governo socialista.

Portanto, as bombas atômicas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki não visavam tanto os fascistas japoneses, quanto visavam os comunistas soviéticos.

Na verdade, esta decisão expressamente política de usar armas nucleares contra o Japão teve a oposição de diversos altos oficiais militares dos EUA.

Sendo um dos generais mais famosos na história das forças militares dos EUA, Dwight Eisenhower liderou operações no teatro de guerra europeu e supervisionou a subsequente ocupação daquilo que tinha sido anteriormente a Alemanha Nazista.

Mais tarde, Eisenhower se tornou o presidente dos EUA, sucedendo a Harry Truman, o líder estadunidense que atacou o Japão com armas nucleares.

Eisenhower é renomado mundialmente pela sua liderança na luta contra o fascismo na Europa. Porém, o que é pouco conhecido é que ele se opôs aos ataques nucleares dos EUA contra o Japão.

Após deixar a Casa Branca, Eisenhower publicou em 1963 um livro de memórias intitulado 'Mandate for Change' [Um Mandato para a Mudança]. No seu livro, ele se lembra de um argumento que ele teve em julho de 1945 com o então Secretário da Guerra dos EUA, Henry Stimson.

Stimson o notificou que Washington estava planejando um ataque nuclear contra o Japão e Eisenhower criticou a decisão, declarando que ele tinha “graves dúvidas” e estava convencido que “o Japão já estava derrotado e que era completamente desnecessário despejar a bomba”.

Eisenhower escreveu: O incidente ocorreu em julho de 1945, quando o Secretário da Guerra Stimson, ao visitar o meu quartel-general na Alemanha, me informou que o nosso governo estava se preparando para despejar uma bomba atômica sobre o Japão. Eu fui um daqueles que sentiram que havia uma quantidade de razões convincentes para questionar a sabedoria de tal ato … Porém, o Secretário, ao dar-me a notícia do sucesso do teste da bomba no estado do Novo México e sobre o plano de usá-la, me pediu pela minha reação, aparentemente esperando um vigoroso assentimento.

Durante a sua recitação dos fatos relevantes, eu estava consciente de uma sensação de depressão e, assim, eu manifestei a ele as minhas graves dúvidas – primeiro, com base na minha crença de que o Japão já estava derrotado e que despejar a bomba era completamente desnecessário e, em segundo lugar, porque eu pensava que o nosso país deveria evitar o choque da opinião mundial pelo uso de uma arma cujo emprego, pensei eu, não era mais mandatório como uma medida para salvar vidas estadunidenses. Eu acreditava que, naquele exato momento, o Japão estava buscando um momento de se render com um mínima de “perda de face”. O Secretário ficou profundamente perturbado pela minha atitude, refutando quase enraivecido a razão que eu dei para as minhas rápidas conclusões.

Estes ataques nucleares “completamente desnecessários” sobre Hiroshima e Nagasaki mataram cerca de 200 mil civis. Mas eles tinham uma meta política, visando a União Soviética.

As razões políticas por trás do bombardeio atômico do Japão foram publicamente reconhecidas pelo Escritório de História do Departamento de Energia dos EUA, que opera um website com informações educacionais sobre o Projeto Manhattan – a iniciativa científica que desenvolveu a bomba.

O website do governo dos EUA reconheceu que a decisão do governo Truman de lançar bombas nucleares sobre o Japão foi politicamente motivada, escrevendo:

Depois que o presidente Harry S. Truman recebeu informações sobre o sucesso do teste Trinity, a sua necessidade para ajudar a União Soviética na guerra contra o Japão foi muito diminuída. O líder soviético, Joseph Stalin, prometeu juntar-se à guerra contra o Japão em 15 de agosto. Truman e seus conselheiros não estavam seguros, então, que eles queriam a sua ajuda. Se o uso da bomba atômica tornasse possível a vitória sem uma invasão, então a ajuda soviética só os convidaria para as discussões com respeito ao destino pós-guerra do Japão.

Outros historiadores argumentam que o Japão teria se rendido mesmo sem o uso da bomba atômica e que, na verdade, Truman e seus conselheiros usaram a bomba somente num esforço para intimidar a União Soviética.

Truman esperava poder evitar de “compartilhar” a administração do Japão com a União Soviética.

Os historiadores do mainstream também reconheceram este fato.

Ward Wilson, um pesquisador do centro de estudos do establishment baseado em Londres, o British-American Security Information Council [o Conselho Britânico-Estadunidense de Informações sobre Segurança] publicou em 2013 um artigo na revista de elite de Washington, a Foreign Policy, um artigo intitulado “The Bomb Didn't Beat Japan. Stalin Did” [Não foi a bomba que derrotou o Japão. Foi Stalin que o fez]“Apesar das bombas terem forçado um fim imediato à guerra, de qualquer maneira os líderes do Japão queriam render-se e provavelmente o teriam feito antes da invasão estadunidense planejada para 1º de novembro. Portanto, o uso delas foi desnecessário”, ele escreveu.

Wilson explicou:

Se os japoneses não estavam preocupados com o bombardeio de cidades em geral, nem com o bombardeio de Hiroshima em especial, o que os preocupava? A resposta é simples: a União Soviética.

Até mesmo os líderes mais de linha-dura no governo do Japão sabiam que a guerra não poderia continuar. A questão não era se ela continuaria, mas como se finalizaria a guerra nos melhores termos possíveis.

Uma maneira de medir se foi o bombardeio de Hiroshima ou a invasão e a declaração de guerra da União Soviética que causou a rendição do Japão é comparar a maneira pela qual estes dois eventos afetaram a situação estratégica. Depois que Hiroshima foi bombardeada em 6 de agosto, ambas as opções ainda estavam vivas … O bombardeio de Hiroshima não eliminou qualquer uma das duas opções estratégicas do Japão.

No entanto, o impacto da declaração da guerra e a invasão da Manchúria e da Ilha Sakhalin pela União Soviética foi bastante diferente. Uma vez que a União Soviética declarou guerra, Stalin não poderia mais atuar como mediador – agora ele era um beligerante. Então, a opção diplomática foi excluída pela ação soviética. O efeito na situação militar foi igualmente dramático.

Quando os russos invadiram a Manchúria, eles cortaram aquilo que tinha uma vez sido um exército de elite e muitas unidades russas pararam somente quando ficaram sem combustível.

A invasão soviética invalidou a decisiva estratégia de batalha dos militares, assim como invalidou a estratégia diplomática. Num único golpe, todas as opções do Japão se evaporaram. A invasão soviética foi estrategicamente decisiva – ela eliminou ambas as opções do Japão – enquanto o bombardeio de Hiroshima (que não eliminou nenhuma delas) não o foi.

Atribuir o fim da guerra à bomba atômica serviu aos interesses do Japão de múltiplas maneiras. Mas ela também serviu aos interesses dos EUA. Se a bomba ganhasse a guerra, então a percepção do poder militar dos EUA seria aumentada, a influência diplomática dos EUA na Ásia e no mundo aumentaria.

Se, por outro lado, a entrada soviética na guerra foi o que causou o Japão a se render, então os soviéticos poderiam alegar que eles foram capazes de fazer em quatro dias aquilo que os EUA foram incapazes de fazer em quatro anos, e a percepção sobre o poder militar soviético e a influência diplomática soviética seriam aumentadas. E, uma vez que a Guerra Fria estava em andamento, afirmando que a entrada soviética tivesse sido um fator decisivo equivalente a ajudar e confortar o inimigo.

Portanto, antes mesmo da Segunda Guerra Mundial acabar, os EUA lançaram uma Guerra Fria contra o seu “aliado” ostensivo, a União Soviética – e contra a potencial disseminação do socialismo em qualquer lugar do mundo.

As agências de espionagem dos EUA começaram imediatamente a recrutar antigos colaboradores fascistas e nazistas, libertando criminosos de guerra japoneses de Classe A da prisão, alguns dos quais seguiram adiante para liderar o governo em Tokyo.

Muitas destas figuras se envolveram na fundação do Partido Liberal Democrático (LDP – Liberal Democratic Party) de direita, o qual essencialmente tem governado o Japão como um estado de partido único desde 1955 (excluindo meros cinco anos de domínio da oposição).

Um exemplo de livro-texto disso foi Nobusuke Kishi, um notório criminoso de guerra que comandou o regime Manchukuo, marionete japonês e supervisionou as atrocidades genocidas em colaboração com os nazistas. Ele foi preso brevemente, mas depois foi perdoado pelas autoridades dos EUA e, com o apoio de Washington, subiu para tornar-se primeiro-ministro do Japão nos anos de 1950.

A família ligada aos fascistas de Kishi ainda comanda um controle significativo sobre a política japonesa. O seu neto, Shinzo Abe, foi o primeiro-ministro mais longevo na história do Japão.

O fascismo no Japão apoiado pelos EUA: como Shinzo Abe cancelou os crimes genocidas imperiais

Atualmente, segue sendo importante corrigir-se os difundidos mitos sobre a sua história.

Em julho de 2023, Hollywood lançou o seu filme de sucesso “Oppenheimer”, realizado por Christopher Nolan, um diretor ganhador de prêmios. O filme teve um enorme sucesso de bilheteria, mas também foi criticado pela sua atitude política.

O filme humanizou o físico epônimo que dirigiu o laboratório do Projeto Manhattan em Los Alamos, J. Robert Oppenheimer, que ajudou a criar a bomba atômica.

Mais tarde na sua vida, Oppenheimer veio a arrepender-se do papel que ele desempenhou no desenvolvimento da arma e ele fez campanhas contra a proliferação nuclear.

Ironicamente, Oppenheimer também tornou-se uma vítima do MaCarthismo do governo dos EUA e foi perseguido pelos seus laços com grupos de esquerda.

Porém, enquanto o filme foi celebrado por retratar as complexas lutas internas de Oppenheimer, o filme foi acusado de jogar uma pá de cal sobre a brutalidade dos bombardeios dos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki.

Os 200 mil civis japoneses que perderam as suas vidas nestes ataques totalmente desnecessários estavam estranhamente ausentes do filme.

Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Ben Norton é jornalista, escritor e cineasta. Ele é o editor-assistente do The Grayzone e o produtor do podcast Moderate Rebels, que co-organiza com o editor Max Blumenthal.

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