Plutocracia.com
O Brazilgate transforma-se no Russiagate 2.0
– "Ridiculamente, a bomba de The Intercept acerca da corrupção brasileira está a ser alardeada pelos media e militares do país como uma conspiração russa".
por Pepe Escobar | Consortium News
Resistir.info - 22 de junho, 2019
https://www.resistir.info/brasil/escobar_22jun19.html
Foi um vazamento, não um hack. Sim: o Brazilgate, lançado por uma
série de
bombas revolucionárias
publicadas por
The Intercept,
pode estar a transformar-se num Russiagate tropical.
O Garganta Funda de
The Intercept
uma fonte anónima finalmente revelou em pormenores o que
qualquer um com meio cérebro no Brasil já sabia: que a
máquina judicial/legal da investigação unilateral do Lava
Jato era de facto uma farsa maciça e uma trapaça criminosa
destinada a realizar quatro objectivos.
-
Criar as condições para o impeachment da presidente Dilma
Rousseff em 2016 e a subsequente ascensão de seu vice, o fantoche
manipulado pela elite Michel Temer.
-
Justificar a prisão do ex-presidente Lula em 2018 exactamente
quando ele estava para vencer a eleição presidencial seguinte com
uma vitória esmagadora.
-
Facilitar a ascensão da extrema-direita brasileira via Steve Bannon (ele
o chama de "capitão") Jair Bolsonaro.
-
Instalar o ex-juiz Sergio Moro como ministro da Justiça com esteroides
capazes de promulgar uma espécie de Patriot Act brasileiro pesado
em espionagem e ligeiro quanto a liberdades civis.
Moro, lado a lado com o promotor Deltan Dallagnol, o qual liderava as 13
forças-tarefa do Ministério Público, são as
estrelas vigilantes da trapaça do
lawfare
. Ao longo dos últimos quatro anos, os hiperconcentrados media de
referência brasileiros, afundados num pântano de
fake news,
glorificaram essa dupla como heróis nacionais dignos do Capitão
Marvel. A arrogância acabou por afundá-los no pântano.
Os mafiosos brasileiros
The Intercept
prometeu divulgar todos os ficheiros na sua posse, chats, áudio,
vídeos e fotos, um acervo supostamente maior que o de Snowden. Aquilo
que foi publicado até agora revela Moro/Dallagnol como um
duo estratégico
em sincronia, com Moro como um
capo di tutti i capi
, juiz, júri e executor numa só pessoa repleto de
falsificações em série de provas. Isso, por si só,
é suficiente para anular todos os casos da Lava Jato em que ele esteve
envolvido incluindo o processo contra Lula e as sucessivas
convicções
baseadas em "evidências" que nunca se sustentariam em um
tribunal sério.
Em conjunto com uma abundância de detalhes escabrosos, o princípio
Twin Peaks
[1]
as corujas não são o que parecem
aplica-se plenamente ao Brazilgate. Porque a génese do Lava Jato
envolve nada menos que o governo dos Estados Unidos. E não apenas o
Departamento de Justiça (DoJ) como Lula tem
insistido
há anos em todas as suas entrevistas. A operação foi do
Estado Profundo.
A WikiLeaks
havia
revelado isso
desde o início, quando
a NSA começou a espionar
a gigante de energia Petrobrás e até mesmo o telefone
smart
de Dilma Rousseff. Em paralelo, inúmeras nações e
indivíduos aprenderam como a auto-atribuída extraterritorialidade
do DoJ permite que ele persiga qualquer pessoa, de qualquer maneira, em
qualquer lugar.
Isto nunca foi sobre anti-corrupção. Trata-se, ao invés,
da "justiça" americana a interferir em todas as esferas
geopolíticas e geoeconómicas. O caso mais gritante e recente
é o da Huawei.
No entanto, o "comportamento maligno" dos mafiosos Moro/Dallagnol
atingiu um novo nível perverso na destruição da economia
nacional de uma poderosa nação emergente, um membro do BRICS e
líder reconhecido em todo o Sul Global.
O Lava Jato devastou a cadeia de produção de energia no Brasil, a
qual por sua vez gerou a venda abaixo dos preços de mercado
de muitas reservas valiosas de petróleo do pré-sal, a
maior descoberta de petróleo do século XXI.
A Lava Jato destruiu campeões nacionais em
engenharia
e construção civil e também em aeronáutica (como
na Boeing comprando a Embraer). E a Lava Jato comprometeu fatalmente
importantes projectos de segurança nacional, como a
construção de
submarinos nucleares
, essenciais para a protecção da "
Amazônia Azul
".
Para o Council of America visitado por Bolsonaro em 2017 , bem
como o
Council on Foreign Relations
para não mencionar os "investidores estrangeiros"
ter o Chicago boy neoliberal Paulo Guedes instalado como ministro das
Finanças era um sonho ardente. Guedes prometeu de imediato colocar
virtualmente todo o Brasil à venda. Até agora, sua tarefa tem
sido um fracasso absoluto.
Como abanar o cão
Os mafiosos Moro/Dallagnol eram "apenas um peão no seu jogo",
para citar Bob Dylan um jogo de que ambos estavam inconscientes.
Lula
enfatizou
repetidamente que a questão-chave para o Brasil e para o Sul
Global é a soberania. Sob Bolsonaro, o Brasil foi reduzido ao
status de uma neocolonia de bananas com abundância de bananas.
Leonardo Attuch, editor do portal líder
Brasil247
, diz que "o plano era destruir Lula, mas o que foi destruído foi a
nação".
Tal como está, os BRICS uma palavra muito suja na Beltway
perderam o seu "B". Por muito que possam valorizar o Brasil em Pequim
e Moscovo, o que está a funcionar no momento é a
parceria estratégica "RC"
, embora Putin e Xi também estejam fazendo o melhor que podem para
reviver "RIC", tentando mostrar à Índia de Modi que a
integração eurasiana é o caminho a seguir, não o de
desempenhar um papel de apoio na difusa estratégia indo-pacífica
de Washington.
E isso nos leva ao cerne da questão do Brazilgate: como o Brasil
é o cobiçado prémio na narrativa estratégica mestra
que condiciona tudo que acontece no tabuleiro de xadrez geopolítico no
futuro previsível a confrontação sem limites entre
os EUA e a Rússia-China.
Já na era Obama, o Estado Profundo dos EUA identificou que para
incapacitar os BRICS a partir de dentro o nó estratégico
"fraco" era o Brasil. E, sim; mais uma vez, trata-se do
petróleo, estúpido.
As reservas de petróleo do pré-sal podem ser avaliadas em
até espantosos US$30 milhões de milhões. A questão
não é apenas o governo dos EUA querer uma parte disso; a
questão é ele quer controlar a maior parte da ligações
petrolíferas do Brasil com a interferência dos poderosos interesses
do agronegócio. Para o Estado Profundo, o controle do fluxo de
petróleo do Brasil para o agronegócio equivale à
contenção/alavancagem contra a China.
Os EUA, o Brasil e a Argentina, em conjunto,
produzem
82% da soja mundial. A China implora soja. Esta não virá da
Rússia ou do Irão os quais por outro lado podem fornecer
à China petróleo e gás natural suficientes (ver, por
exemplo, a
energia da Sibéria
I e II). O Irão, afinal, é um dos pilares da
integração eurasiana. A Rússia pode eventualmente
tornar-se uma
potência exportadora de soja
, mas isso pode levar até dez anos.
Os militares brasileiros sabem que relações estreitas com a China
seu principal parceiro comercial, à frente dos EUA
são essenciais, seja o que for que Steve Bannon possa
arengar
acerca disso. Mas a Rússia é uma história completamente
diferente. O vice-presidente Hamilton Mourão, na sua recente visita a
Pequim, onde se encontrou com Xi Jinping, dava a impressão de estar a
ler um comunicado de imprensa do Pentágono, dizendo à imprensa
brasileira que a Rússia é um "actor maligno" que
está a propagar uma "guerra híbrida por todo o mundo".
Assim, o Estado Profundo dos EUA pode estar a cumprir pelo menos parte do seu
objectivo final: utilizar o Brasil na sua estratégia
Divide et Impera,
ou seja, abalar a parceria estratégica Rússia-China.
Isto fica muito mais picante. O Lava Jato, recondicionado como Vaza Jato,
também poderia ser descodificado como um jogo de sombras maciço;
um cão a abanar, com a cauda composta por dois activos americanos.
Moro era um activo certificado pelo FBI, CIA, DoJ e Estado Profundo. Seu
uber-patrão seria, em última análise, Robert Mueller
(portanto, Russiagate). No entanto, para a Equipe Trump, ele seria facilmente
dispensável mesmo se fosse o Capitão Justiça a
trabalhar para o activo real, o menino Bolsonaro de Bannon. Se caísse,
Moro teria a garantia do indispensável paraquedas dourado
completo, com residência nos EUA e palestras em universidades americanas.
Greenwald, de
The Intercept,
é agora celebrado por todas as vertentes da esquerda como uma
espécie de Simon Bolivar americano/brasileiro com esteróides. Mas
há um problema enorme.
The Intercept
é de propriedade de um praticante endurecido da guerra da
informação,
Pierre Omidyar
.
De quem é a guerra híbrida?
A questão crucial pela frente é
o que as forças armadas brasileiras estão realmente a fazer
neste enorme pântano e quão profundamente estarão
subordinadas ao
Divide et Impera de
Washington.
Isto gira em torno do todo-poderoso Gabinete de Segurança Institucional,
conhecido no Brasil pela sigla
GSI
. Os integrantes do GSI estão todos no consenso de Washington. Depois
dos anos "comunistas" de Lula/ Dilma, estes sujeitos estão
agora a consolidar um Estado Profundo brasileiro supervisionando o controle
político em âmbito total, tal como nos EUA.
O GSI já controla todo o aparelho de inteligência, bem como a
Política Externa e de Defesa, através de um decreto
sub-repticiamente lançado no princípio de Junho, apenas alguns
dias antes da bomba de
The Intercept.
Até o capitão Marvel Moro está sujeito ao GSI; eles
devem aprovar, por exemplo, tudo o que Moro discute com o DoJ e o Estado
Profundo dos EUA.
Como tenho
discutido
com alguns dos meus principais interlocutores brasileiros informados, o grande
antropólogo Piero Leirner, que sabe em pormenor como pensam os
militares, e o advogado internacional suíço e conselheiro da ONU
Romulus Maya, um Estado Profundo nos EUA parece estar a posicionar-se como o
mecanismo de desova para a ascensão directa dos militares brasileiros ao
poder, assim como dos seus responsáveis. Conforme a necessidade, se
não seguiu nosso roteiro ao pé da letra
relações comerciais básicas apenas com a China; e
isolamento da Rússia pode-se balouçar o pêndulo a
qualquer momento.
Afinal, o único papel prático que o governo dos EUA teria para as
forças armadas brasileiras na verdade, para todas as
forças armadas da América Latina é como tropas de
choque da "guerra às drogas".
Não há arma fumegante ainda. Mas o cenário do Lava
Jato como parte de uma operação psicológica extremamente
refinada, uma operação
psyops
com dominância de espectro amplo, uma etapa avançada da Guerra
Híbrida, deve ser seriamente considerada.
Exemplo: a extrema-direita, bem como sectores militares poderosos e o
império de media da
Globo
subitamente começaram a propalar que a bomba de
The Intercept
é uma "conspiração russa".
Quando alguém acompanha o
síitio web
do principal
think tank
militar com muitas coisas praticamente copiadas e coladas directamente
da Escola de Guerra Naval dos EUA é fácil ficar
surpreendido com a crença fervorosa deles numa Guerra Híbrida
Rússia-China contra o Brasil, onde a cabeça de ponte é
fornecida por "elementos anti-nacionais" tais como a esquerda como um
todo, bolivarianos venezuelanos, FARC, Hezbollah, LGBT, povos indígenas,
pode escolher.
Após o Vaza Jato, uma guerra relâmpago combinada de
notícias falsas culpou o aplicativo Telegram ("eles são os
maus russos!") por hackear os telefones de Moro e Dallagnol. O Telegram
oficialmente desmascarou isso em pouco tempo.
Disseram então que a ex-presidente Dilma Rousseff e a actual presidente
do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, fizeram uma visita
"secreta"
a Moscovo apenas cinco dias antes da bomba Lava Jato. Confirmei a visita com a
Duma [parlamento], bem como o facto de que, para o Kremlin, o Brasil, pelo
menos por enquanto, não é uma prioridade. A
integração eurasiana é. Isso, por si só, desmascara
o que a extrema-direita do Brasil elocubra: Dilma a pedir ajuda a Putin, o qual
então liberta seus maudosos hackers.
A Vasa Jato segunda sessão do Lava Jato pode estar a
seguir os padrões Netflix e HBO. Recorde que a terceira temporada do
True Detective
foi um êxito absoluto. Precisamos de rastreadores dignos de Mahershala
Ali para detectar fragmentos de evidências sugerindo que as forças
armadas brasileiras com apoio total do Estado Profundo dos EUA
podem estar a instrumentalizar uma mistura de Vasa Jato e da Guerra
Híbrida "dos russos" para criminalizar a esquerda para sempre
e orquestrar um golpe silencioso a fim de se livrar do clã Bolsonaro e
do seu QI colectivo sub-zoológico. Eles querem controle total sem
intermediários ridículos. Estarão eles a morder mais
bananas do que podem mastigar?
22/Junho/2019
[1] Twin Peaks é uma série da TV, combinação de drama policial e surrealismo. O princípio Twin Peaks é que nada é verdade tal como aparece..
Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..
https://www.resistir.info/brasil/escobar_22jun19.html
Concorda? Discorda? Comente e partilhe as suas ideias
Regras da Comunidade
Lista de artigos
e-mail: info@plutocracia.com
http://plutocracia.com/
| Termo de Responsabilidade |
|