Em abril de 2019, o plano de extermínio que o capitalismo transnacional aplica contra a Colômbia também acabou com a vida do bebé Samuel González Pushaina, de apenas sete meses, filho de ex-guerrilheiros [1].
O Estado colombiano promove o extermínio contra qualquer pessoa que defenda reivindicações sociais e políticas contra a pilhagem capitalista da Colômbia (país muito rico, mas empobrecido pela pilhagem multinacional). As crianças, os idosos, os bebés e as famílias também são vítimas do extermínio que procura silenciar aqueles que ousaram e ousam levantar a voz em defesa da justiça social. O atual regime de Duque é a continuidade de décadas de terrorismo de Estado, perpetrado pelos militares e os seus paramilitares, sob as diretrizes dos EUA, contra a população colombiana.
O regime de Santos conseguiu desmobilizar a maior guerrilha do continente, para que as multinacionais pudessem explorar os seus amplos territórios que, antes, não podiam saquear devido à presença da guerrilha. A USAID [Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional] e as pressões da social-democracia internacional conseguiram desmobilizar essa guerrilha, para remover uma importante barreira de contenção ao imperialismo dos EUA na região, para que os guerrilheiros, desarmados, fossem massacrados, para que o extermínio do Estado contra a organização social e política da classe explorada pudesse continuar tranquilamente: extermínio de sindicalistas, professores, líderes comunitários, agricultores, estudantes, indígenas, afrodescendentes etc.
Desde a assinatura do chamado “Acordo de Paz”, que alguns já chamam de Embuste da Paz, ou Pax Romana, já lá vão mais de 600 ativistas sociais assassinados às mãos do aparelho paramilitar e militar do terrorismo de Estado na Colômbia [2]. A isto temos de acrescentar a larga centena de ex-guerrilheiros assassinados desarmados, todos massacrados a seguir à mortal armadilha do chamado acordo de paz. Também temos de lhe adicionar os membros da comunidade indígena assassinados pelo exército e o aparelho paramilitar, para reprimir a gigantesca Minga indígena de 2019 (greve de um mês, com 20.000 indígenas mobilizados em protesto contra a brutal pilhagem capitalistas dos recursos, contra a voracidade transnacional, contra o extermínio) [3]. A sangrenta repressão permite à burguesia colombiana e à burguesia transnacional uma acumulação capitalista colossal: a classe exploradora avança na pilhagem da Colômbia, afastando do caminho o protesto contra a exploração e o saque capitalistas. Na Colômbia, há mais de 7,7 milhões de pessoas despojadas das suas terras e deslocadas à força pelo aparelho paramilitar e militar, para esvaziar de residentes e protestos as áreas mais ricas da Colômbia [4]. A Colômbia é o país do mundo com mais deslocados internamente: as multinacionais exploram as jazidas minerais destruindo montanhas e privatizando rios, matando à fome a população e assassinando aqueles que se opõem a tal devastação e latrocínio. A deslocalização forçada continua a aumentar em 2019. O crime de Estado de desaparecimento forçado continua a persistir em 2019, como o assinalou o CICV [Comité Internacional da Cruz Vermelha], lembrando que na Colômbia esse crime do Estado causou quatro vezes mais vítimas do que na Argentina sob a ditadura [5].
A notícia do assassinato do bebé Samuel González Pushaina, de apenas sete meses de idade, filho de um ex-guerrilheiro e de uma ex-guerrilheira, ambos índios Wayú, ambos baleados desarmados num ataque perpetrado pelo aparelho paramilitar, que irrompeu aos tiros com armas de longo alcance na casa da bisavó, onde a família estava reunida, chega como uma dor de alma. Os pais estão feridos nas pernas e no abdómen e o bebé morreu esvaindo-se em sangue, embora tanha lutado pela vida.
Sabemos, com a alma despedaçada, que continuarão a chegar e a dizer adeus os nomes daquelas e daqueles que são amputados ao nosso povo pelo aparelho repressivo dos que destroem montanhas e capitalizam sobre mortos e gritos... Porque a barbárie desencadeada pelo capitalismo transnacional na Colômbia não acaba, infelizmente, com papéis assinados, pois o que faz falta são profundas mudanças estruturais, já que o que está em jogo para os abutres capitalistas são gigantescos lucros resultantes da tortura de um povo.
O assassinato de Samuel, outra tangível dor do embuste da paz, ocorreu em La Guajira, região que sofre em toda a sua extensão a pilhagem capitalista: ali morrem anualmente de fome e miséria milhares de crianças e ali existe a maior mina de carvão a céu aberto do mundo, El Cerrejón, que é saqueada pelas multinacionais BHP Billiton, Glencore e Anglo American. Para saquear a mina, estas multinacionais desviaram todo um rio (o rio Ranchería), matando assim de seca e fome uma região inteira. O consórcio que explora o Cerrejón extrai 17 milhões de litros de água por dia do rio Ranchería [6]. Milhares de crianças Wayú morreram de fome física e de doenças associadas à falta de água potável: 14.000 assassinados à fome, causada pelo saque multinacional, denunciava o líder indígena Armando Valbuena, em 2015 [7], 4.770 crianças mortas, relatadas ao Tribunal Constitucional, em 2018 [8] –, e a catástrofe continua.
Para os sinistros malabaristas da palavra “paz”, para os que capitalizam lingotes de ouro nos seus bancos helvéticos (como milhares de pequenos caixões), que crianças morram aos milhares é um “detalhe sem importância”, desde que o carvão continue a sair em gigantescos navios para os EUA ou para a UE, para satisfazer o seu aberrante consumo energético: que possam saquear a América Latina, a África e a Ásia “em paz, sem revolucionários que atrapalhem tal saque” é o slogan dos salteadores do povo.
Lamentavelmente, o trabalho da USAID, dos seus laboratórios de ideias, das pressões da Igreja e da social-democracia colombiana, regional e internacional, conseguiram impor uma sinistra e carniceira Pomba de Tróia em vez da Justiça Social, e fazer esquecer que não há “reconciliação interclassista” possível. Por que existe um antagonismo fundamental entre a classe exploradora e a classe explorada, uma vez que a classe exploradora saqueia a natureza e explora a maioria, cada vez mais empobrecidas. Infelizmente, a combinação entre terrorismo de Estado (assassinando os mais lúcidos) e o incessante e alienante trabalho dos laboratórios de ideias da USAID e da UE conseguiram criar um vazio ideológico e um descalabro histórico que a classe explorada paga muito caro, – essa classe explorada a quem, em parte, fizeram acreditar que “as ilusões são substância”, a quem fizeram acreditar nos falaciosos conceitos de “paz” da burguesia (para a burguesia, a “paz” é a subjugação do povo), quando, na realidade, o verdadeiro nome da paz é a justiça social.
A tortura sofrida pelo povo colombiano às mãos de um Estado ao serviço do capitalismo transnacional vem atrasando o desenvolvimento histórico, atingindo um ponto de extermínio sistemático, bombardeamentos, paramilitarismo e massacres: é a ditadura do capital, apoiada na farsa eleitoral. Mas a dignidade é obstinada, e o povo não se rende a tanta infâmia. E os enganos da burguesia, por mais devastadores que sejam, bem como os seus planos de extermínio, apenas atrasam a independência definitiva; essa liberdade por que se luta há séculos será o melhor abraço de um povo que, certamente, se libertará do capitalismo e da sua barbárie. Muito sangue dos melhores filhos da Colômbia regam e enchem a terra de um vermelho rebelde que dará frutos no futuro. Este povo espancado e levado ao altar do sacrifício, enganando os seus sinceros desejos, acabará por despertar e não fechará os seus esforços em mais ilusões, não mais confundirá as Pombas de Tróia com a verdadeira paz que é a justiça social, não depositará confiança em mais quimeras cruéis, enquanto torturam o povo com fome, roubos, deslocalizações forçadas, exílios, prisões, interferência americana e motosserra paramilitar.
Notas:
[1] Denuncia o ETCR [Espaço Territorial de Capacitação e Reincorporação] Simón Trinidad: https://www.resumenlatinoamericano.org/2019/04/15/colombia-mas-crueldad-asesinan-a-hijo-de-militantes-de-farc-que-tenia-un-ano-de-edad/
[2] Desde a assinatura do “Acordo de Paz” já lá vão mais de 600 ativistas sociais assassinados às mãos do aparelho paramilitar e militar do terrorismo de Estado na Colômbia. 39 líderes sociais assassinados em 2019, até ao início de abril. https://www.telesurtv.net/news/lideres-sociales-asesinados-colombia-20190412-0002.html Desde 2016 até 10 de janeiro de 2019 foram assassinados 566 líderes sociais e defensores dos direitos humanos, segundo o Indepaz. http://www.indepaz.org.co/566-lideres-sociales-y-defensores-de-derechos-humanos-han-sido-asesinados-desde-el-1-de-enero-de-2016-al-10-de-enero-de-2019/
[3] Massacre da guarda indígena em Dagua, Valle del Cauca, 8 comuneros assassinados. https://www.colombiainforma.info/masacre-de-guardia-indigena-en-dagua-valle-del-cauca/ 9 assassinados a 22 de março, numerosos feridos, brutal repressão da força pública.
https://www.cric-colombia.org/portal/masacre-en-dagua-colombia-muertos-y-heridos-indigenas-en-preparativos-para-la-minga/, http://pueblosencamino.org/?p=7423
[4] Na Colômbia, há mais de 7,7 milhões de pessoas despojadas das suas terras e deslocadas à força pelo aparelho paramilitar e militar, para esvaziar de residentes e protestos as áreas mais ricas. “A Colômbia posiciona-se de novo como o país do mundo com mais pessoas deslocadas internamente, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUR). A Colômbia tem cerca de 7,7 milhões de pessoas deslocadas internamente, um número acima do de países do continente africano e asiático que coexistem com este flagelo, como a Síria, que, de acordo com as mais recentes estatísticas é o segundo país com mais pessoas deslocadas internamente (6,2 milhões de deslocados), seguida pelo Sudão (5,2 milhões de deslocados), Iraque (4,5 milhões de deslocados), Afeganistão (3,12 milhões de deslocados) e Somália (2,17 milhões de deslocados)”. https://www.las2orillas.co/desplazamiento-forzado-en-colombia-una-interminable-pesadilla/, https://www.acnur.org/noticias/noticia/2018/12/5c243ef94/hay-mas-victimas-de-desplazamiento-forzado-en-colombia-que-numero-de-habitantes.html, https://www.telesurtv.net/news/colombia-ranking-desplazados-internos-refugiados-acnur-20180620-0061.html
[5] O crime de Estado do desaparecimento forçado continua persistentemente. https://www.contagioradio.com/desplazamiento-forzado-cicr-colombia-articulo-63765/
“Ao contrário da crença de que as deslocalizações em massa eram uma questão do passado, o chefe do CICV na Colômbia declarou que verificaram um aumento de 90% no número de pessoas deslocadas entre 2017 e 2018, atingindo-se 27.780 situações de deslocalizações em massa (ou seja, de 10 ou mais famílias)”.
“Desaparecimento forçado, um fenómeno de ontem e de hoje. A Colômbia pode ter entre 3 e 4 vezes o número de desaparecidos durante a ditadura na Argentina. Harnisch insistiu na necessidade de fazer um esforço na sua procura; ao mesmo tempo em que expressou a sua preocupação perante o uso do desaparecimento forçado como elemento de controle das comunidades”.
[6] “A empresa, nos seus planos de gestão, indica que precisa diariamente de 17 milhões de litros do rio Ranchería (...) enquanto o consumo médio de uma pessoa por dia na alta Guajira, segundo dados do PNUD, é de 0,7 litros de água não tratada” https://censat.org/es/noticias/la-sed-del-carbon-causas-estructurales-de-la-sequia-en-la-guajira
[7] 14.000 assassinados à fome, por causa da pilhagem multinacional, denunciava o líder indígena Armando Valbuena, em 2015.
O rio que foi roubado; a privatização mata 14.000: https://www.youtube.com/watch?v=V0lSITRieDw, http://www.biodiversidadla.org/Documentos/Exterminio_en_Colombia_privatizan_un_rio_y_matan_de_hambre_a_14_mil_indigenas
[8] 4.770 crianças Wayú falecidas, denunciadas ao Tribunal Constitucional, em 2018. https://www.elheraldo.co/la-guajira/4770-ninos-muertos-en-la-guajira-es-una-barbarie-corte-553890, https://www.las2orillas.co/que-se-prepare-duque-ahora-le-esperan-manifestaciones-en-la-guajira/
Tradução do castelhano de MFO
Cecilia Zamudio é artista plástica.
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/o-assassinato-do-bebe-samuel-o-embuste-80445#cutid1