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A conspiração para manter Jeremy Corbyn longe do poder

por Jonathan Cook | The Unz Review

O Empastelador - 6 de julho, 2019

https://oempastelador.blogspot.com/2019/07/nao-e-so-na-america-latina-o.html

No mais recente dos incontáveis intermináveis ‘furores’ gerados e cevados na mídia-empresa sobre uma suposta incapacidade de Jeremy Corbyn para liderar o Partido Trabalhista da Grã-Bretanha [ing. Britain’s Labour Party] – e de vir a ser primeiro-ministro, então, nem se fala! –, é fácil esquecer em que ponto estávamos antes de Corbyn ter conquistado o apoio de ampla maioria dos Trabalhistas, para liderar o Partido.

Nos dois anos anteriores, era difícil escapar, na TV, da figura de Russell Brand, comediante e astro secundário de cinema que se reinventou como guru espiritual-e-revolucionário-político, depois de anos de luta contra a dependência de drogas.

A fala de Brand, rápida, sem meias palavras, de crítica da ordem política vigente, declarando-a desacreditada, sem credibilidade e não representativa foi saudada com semicondescendência e ‘caretas’ de pouco caso pelo establishment político e midiático. Mas, em tempos anteriores à chegada de Donald Trump à presidência dos EUA, a mídia-empresa britânica até gostou de Brand, por algum tempo, aparentemente por crer que ou ele ou suas ideias talvez atraíssem audiências mais jovens. Mas ele começou a se tornar muito mais convincente e impressionante do que a mídia britânica poderia prever.

Brand passou a enfrentar alguns dos supostos ‘pesos pesados’ da mídia-empresa britânica, como Jeremy Paxman da BBC e Jon Snow do Channel 4, seduziu-os e os fez baixar a crista –, vencidos pela compaixão e bem pensado radicalismo de Brand. Mesmo na batalha de intransigências ao estilo de gladiadores, até a morte, tão apreciada pelos modernos ditos ‘meios de comunicação’, Brand expôs aqueles supostos gigantes da entrevista política como medíocres, rasos e sem sensibilidade pessoal ou social, desconectados da realidade. Vídeos dessas disputas viralizaram, e Brand conquistou centenas de milhares de seguidores.

Foi quando pisou além da linha vermelha.

Democracia como farsa

Em vez de se limitar a apenas criticar o sistema político, como o esperado, Brand argumentou que o sistema estaria de fato tão viciado e contaminado pelos interesses do poderosos e das grandes empresas, que a democracia ocidental estaria reduzida a uma só grande farsa. Eleições são perda de tempo. Nossos votos não passam de folha de parreira, para esconder o fato de que nossos líderes políticos lá estavam para representar, não nós, eleitores, mas os interesses de empresas que cobrem o planeta inteiro. Elites políticas e ‘midiáticas’ foram capturadas e servem só ao incontrolado dinheiro das empresas. Nossas vozes tornaram-se irrelevantes.

Brand não se limitou a falar. Partiu para a ação direta. Denunciou os políticos carreiristas e a mídia-empresa, que nada fazem de prestável, – o incêndio devastador na Torre Grenfell ainda não acontecera –, ajudando a atrair as atenções para um grupo de inquilinos pobres que enfrentavam a fúria de uma empresa imobiliária que se tornara proprietária das unidades alugadas e queria despejar os moradores para construir moradias para clientela muito mais rica. As palavras revolucionárias de Brand haviam-se transformado em ação revolucionária.

Mas bem quando Brand e sua ativa rejeição da velha política começavam a articular outra modalidade de ação social, ele foi forçado a parar. Depois que Corbyn foi inesperadamente eleito líder do Partido Trabalhista, trazendo – pela primeira vez na memória dos britânicos – uma política de ouvir os pobres antes de ouvir o dinheiro, o estilo de rejeicionismo de Brand começou a soar superficial, um pouco cínico demais ou, no mínimo, prematuro.

Por mais que a vitória de Corbyn tenha assinalado mudança oceânica, vale contudo não esquecer que só aconteceu como efeito de um erro. Ou talvez, de dois.

O acidente Corbyn

Primeiro, um punhado de deputados Trabalhistas acertaram-se para indicar Corbyn para disputar a liderança, o que teve o efeito de empurrá-lo para além do gargalo que teria de ultrapassar para chegar à cédula eleitoral. Muitos o apoiaram apenas porque queriam dar a impressão de que a eleição seria aberta e justa. Mas depois da vitória de Corbyn, muitos arrependeram-se publicamente de o ter ajudado. Ninguém jamais supusera que um representante da diminuta e sempre acossada ala esquerda do Partido tivesse chance de ser eleito – não depois de Tony Blair e sua gangue terem consumido mais de duas décadas para reformatar o Partido Trabalhista, usando uma versão toda particular de ‘infiltração’ (orig. entryism), para erradicar todos os vestígios de socialismo que houvesse no Partido. Esses deputados do “Novo Trabalhismo” (ing. “New Labour”) lá estavam, precisamente como Brand observara, para representar os interesses da classe empresarial, não do cidadão comum.

Corbyn trazia ideias muito diferentes das ideias da maioria de seus colegas. Ao longo dos anos, várias vezes ele se distanciara da facção Blairista em votações parlamentares, assumindo consistentemente um ponto de vista que, adiante, se comprovaria correspondente ao lado certo da história. Só Corbyn, de todos os oradores, falou inequivocamente contra a ‘austeridade’ [é ARROCHO!], expondo-a como via para sanguessugar cada vez mais dinheiro público para enriquecer empresas e bancos que já haviam embolsado vastas somas surrupiadas dos cofres públicos –, tanto dinheiro que, à altura de 2008, já haviam levado à bancarrota todo o sistema econômico ocidental.

Em segundo lugar, Corbyn venceu por efeito de mudança recente no código do Partido – mudança muito lamentada por administradores do Partido. Um novo sistema interno de contagem de votos deu maior peso aos votos de membros ordinários do Partido, que aos votos dos parlamentares. E os membros, diferentemente da máquina partidária, queriam Corbyn.

O sucesso de Corbyn não chegou a provar que Brand estivesse errado. Até os melhores sistemas têm falhas, especialmente quando manter a imagem de benevolência de todo o sistema é considerado vitalmente importante. Não é que a eleição de Corbyn tenham mostrado que o sistema político britânico fosse representativo e democraticamente transparente. Aconteceu simplesmente que o poder das corporações tornou-se vulnerável a um acidente, ao preferir trabalhar sem se deixar ver, nos esgotos e nas sombras, para manter a ilusão da democracia. Corbyn foi o acidente não previsto, desse processo.

‘Lavagem cerebral livre e democrática’

O sucesso de Corbyn tampouco foi prova de que a estrutura de poder que Corbyn desafiava tivesse enfraquecido. O sistema ainda se mantinha operante e ainda mantinha paralisados, como num ‘mata-leão’, os establishments político e ‘midiático’ que existem para promover os interesses do próprio sistema. Por isso o sistema consegue mobilizar infinitamente essas forças para desconstruir Corbyn e evitar o risco de outro acidente, talvez ainda mais desastroso – como o risco de Corbyn chegar ao posto de primeiro-ministro.

Listar os meios pelos quais a mídia estatal-empresarial trabalha para minar Corbyn é dispensável para qualquer um/uma que não viva profundamente imerso/a nessas narrativas construídas pela mídia. Mas quase todos nós fomos expostos desde o nascimento a esse tipo de ‘lavagem cerebral livre e democrática’.

Os ataques iniciais a Corbyn o apresentavam como ‘mal vestido’, sexista, sem postura de ‘estadista’, ameaça à segurança nacional, espião comunista – ofensas intermináveis, sem qualquer prova, de violência tal, como nenhum outro líder de partido jamais enfrentou. Mas ao longo do tempo, as acusações tornaram-se cada vez mais, não menos, acintosamente propagandísticas, ao ritmo em que a campanha para desconstruir Corbyn fracassava e saía pela culatra –, porque o número de filiações subiu à estratosfera durante o mandato de Corbyn, a ponto de fazer do Partido o maior na Europa.

Dado que a necessidade do establishment de manter Corbyn afastado do poder só se tornava mais urgente e desesperada, a violência dos ataques aumentava correspondentemente.

Redefinir o antissemitismo

Corbyn sempre foi especial, em vários sentidos, como líder de partido ocidental com aspirações ao poder. Pessoalmente, sempre foi discretíssimo e vivia muito modestamente. Ideologicamente, opôs-se resolutamente ao movimento de quatro décadas de um capitalismo neoliberal superturbinado lançado por Thatcher e Reagan no início dos anos 1980s; opôs-se sempre às guerras de ambição imperial, às “intervenções humanitárias”, cujo objetivo real era atacar outros estados soberanos, fosse para controlar seus recursos, quase sempre o petróleo, ou servir aos interesses do complexo militar-industrial.

Era difícil atacar Corbyn diretamente, por essas posições. Havia o perigo de que os eleitores as aprovassem. Mas encontraram algo que poderia ser um calcanhar de Aquiles de Corbyn: seu trabalho, de uma vida inteira, como ativista antirracismo, muito conhecido pelo apoio que sempre deu aos palestinos e àquela eternidade de padecimentos que sofrem. Os establishments político e ‘midiático’ rapidamente decidiram que o apoio que Corbyn dá aos palestinos e suas críticas a Israel potência ocupante de território palestino, poderiam ser redefinidos como antissemitismo. E Corbyn passou rapidamente a ser apresentado como líder que muito apreciaria presidir um partido “institucionalmente” antissemita.

Sob a pressão desses ataques, o Partido Trabalhista foi forçado a adotar um definição nova e altamente controversa de antissemitismo – definição rejeitada por juristas prestigiados e que na sequência foi repudiada também pelo advogado que a concebera – que expressamente confunde a crítica contra Israel e contra o sionismo, com ódio aos judeus. Um a um, os poucos aliados ideológicos de Corbyn no partido – os que se afastavam do consenso Blairista – foram atacados furiosamente, como antissemitas. Ou caíram em desgraça pela aproximação construída com o antissemitismo ou, como o deputado trabalhista Chris Williamson, foram ‘denunciados’ por defender os trabalhistas contra acusações de suposto antissemitismo endêmico no Partido.

A má fé do ‘golpe do antissemitismo’ ficou particularmente evidente no caso do ataque a Williamson. O comentário que lhe trouxe tantas dificuldades – já foi suspenso duas vezes – foi registrado em vídeo. No vídeo pode-se ouvir o deputado chamando o antissemitismo de um “flagelo” que tem de ser enfrentado. Além disso, e coerente com todas as provas, Williamson negou que os Trabalhistas tivessem qualquer específico problema de antissemitismo. Williamson também denunciou o Partido por ceder terreno muito rapidamente aos críticos – outra vez reagindo contra os ataques e calúnias. Observou que o Partido Trabalhista havia sido “demonizado como partido racista e preconceituoso”, e acrescentou: “A resposta de nosso Partido foi em parte responsável por isso porque, em minha opinião (...) recuamos demais, cedemos terreno demais, pedimos desculpas demais.”

O jornal Guardian foi típico, na ação de distorcer as palavras de Williamson, não uma vez, mas todas as vezes em que o jornal cobriu desenvolvimentos do caso. Todas as matérias do Guardian repetiram, contra o que qualquer um ouvia na gravação, que Williamson dissera que o Partido Trabalhista pedira “desculpas demais pelo antissemitismo”. Em resumo, o Guardian e toda a mídia insinuaram que Williamson aprovaria o antissemitismo. Na verdade, o deputado dissera, isso sim, que o Partido Trabalhista pedira mais desculpas do que seria razoável, num caso de acusação injusta, injustificada e irracional de antissemitismo; que aceitara com excessiva facilidade a premissa completamente infundada de que o Partido apoiaria o racismo.

Como na caça às bruxas de Salem

A natureza McCarthysta desse processo de distorção e inculpação por associação ficou ainda mais evidente quando o grupo Jewish Voice for Labour, JVL [Voz dos Judeus pelo Trabalhismo], grupo de membros judeus do Partido Trabalhista, anunciou apoio a Williamson. Jon Lansman, um dos fundadores do grupo Momentum, originalmente próximo de Corbyn, virou-se contra a JVL declarando-a “parte do problema, não da solução do antissemitismo no Partido Trabalhista”. Em comentário adicional, feio, mas mais ‘normalizado’ a cada dia, Lansman acrescentou: “Nem a vasta maioria de membros individuais da JVL nem a própria organização podem ser considerados parte da comunidade dos judeus.”

Nessa atmosfera febril, aliados de Corbyn, pressionados, acabaram por ‘confessar’ que o Partido seria institucionalmente antissemita, para assim se distanciar de Corbyn, e até se submeteram a treinamento contra o antissemitismo. Resistir, não aceitar o ‘treinamento’, negar as acusações, como aconteceu na caça às bruxas de Salem, eram reações tratadas como prova de culpa.

As acusações de antissemitismo foram vomitadas quase diariamente em todo o estreito ‘espectro’ da mídia-empresa, ainda que ninguém tivesse qualquer prova a exibir de qualquer tipo de ação antissemita no Partido Trabalhista que excedesse o que sempre se viu na sociedade britânica em geral. Mas as acusações alcançaram tal frenesi, infladas até a histeria pela mídia, que o Partido Trabalhista está hoje sob investigação da Comissão de Direitos Humanos e Igualdade –, único partido britânico, além do Partido Neonazista Nacional, que algum dia sofreu esse tipo de investigação.

Esses ataques transformaram a paisagem discursiva sobre Israel, palestinos, sionismo e antissemitismo de um modo que seria inimaginável há 20 anos, quando comecei a noticiar eventos do conflito Israel-Palestina. Naquele momento, qualquer confusão entre antissionismo – oposição a ideia de Israel, como estado, privilegiar os judeus, contra não judeus – e antissemitismo soava imediatamente ridícula. A ideia de que os dois conceitos fossem equivalentes só era promovida pelos mais fanáticos defensores de Israel.

Hoje, contudo, ouvem-se os mais prestigiados comentaristas liberais, como Jonathan Freedland, do Guardian, a declarar não só que Israel é ideia coextensiva com a própria identidade judaica, mas também que os israelenses falam por todos os judeus do mundo, quando promovem essa identificação. Criticar o estado de Israel, em 2019, é atacá-los como judeus e, por implicação, é atacar todos os judeus. Assim sendo, qualquer judeu que divirja desse consenso, qualquer judeu que se identifique como antissionista, qualquer judeu no Partido Trabalhista que apoie Corbyn – e há muitos, ainda que sejam praticamente ignorados, como se não existissem – são denunciados, na linha do que diz Lansman, como “tipo errado de judeus”. Pode soar absurdo, mas essas ideias são hoje praticamente lugar comum, demais para poderem passar sem que se as tenha de levar em consideração.

De fato, o uso das acusações de antissemitismo como arma contra Corbyn tornou-se tão normal que, agora, enquanto escrevo esse artigo, alcançaram-se novos píncaros. Jeremy Hunt, secretário de Relações Exteriores, que espera derrotar Boris Johnson na próxima disputa pela liderança dos Tory, simplesmente acusou Corbyn de ser um novo Hitler – homem que, como primeiro-ministro pode permitir o extermínio de judeus, como acontecia nos campos de morte dos nazistas.

Muito ‘frágil’ para ser primeiro-ministro

Embora as acusações de antissemitismo tenham-se tornado o rótulo privilegiado para destruir Corbyn, outras formas de ataque têm surgido regularmente à superfície. As mais recentes têm sido “funcionários civis experientes”, jamais identificados, a opinar, no Times, que Corbyn seria fisicamente frágil demais, e mentalmente incapaz para compreender e operar com todos os detalhes necessários para funcionar como primeiro-ministro. Praticamente não faz qualquer diferença se algum funcionário sênior realmente fez esse comentário, ou se a coisa foi completamente inventada pelo Times. Sempre é mais uma prova dos esforços dos establishments político e ‘midiático’ antidemocráticos para desconstruir Corbyn, agora que se aproxima a eleição geral.

Uma das ironias é que a mídia anti-Corbyn acusa-o regularmente de não saber extrair ganhos políticos do total desarranjo que dilacera o Partido Conservador governante, que se autodevora internamente na discussão dos termos do chamado Brexit – a iminente separação entre britânicos e União Europeia. Mas é a mídia-empresa – que serve simultaneamente como principal fórum de debates da sociedade e também como suposto ‘fiscal’ do poder – que absolutamente não está conseguindo exigir transparência dos governantes Tories. Enquanto os grandes veículos só fazem repetir-se obcecadamente quanto a supostas deficiências mentais de Corbyn, eles, simultaneamente, aplainam o caminho para Boris Johnson – homem que personifica a palavra “bufão”, como nenhum outro na vida política – na direção de convertê-lo em novo líder do Partido Conservador e assim, seguindo a ordem natural das coisas, e sem eleições, em novo primeiro-ministro.

Indicação de como o obsessivo assassinato de reputação contra Corbyn sempre foi coordenado já era visível desde o início, desde meses depois de sua eleição à liderança do Partido Trabalhista, em 2015. Um general de exército britânico disse ao Times, como sempre, sob condições de anonimato, que haveria “ação direta” – o que o general denominou “um motim” das forças armadas caso Corbyn sequer se aproximasse do poder. Os generais, disse aquele general, consideravam Corbyn uma ameaça à segurança nacional e usariam todos os meios “justos ou não”, para impedi-lo de implementar seu programa político.

O ‘corredor polonês’

Mas a campanha em curso de ataques domésticos a Corbyn tem de ser compreendida em contexto mais amplo, que tem a ver com a Grã-Bretanha aceitar o “relacionamento especial” Transatlântico, ‘relacionamento’ que, na verdade, significa que o Reino Unido se posicionará como um Robin, a serviço dos EUA-Batman, ou como parceiro muito inferior, do hegemon global.

Mês passado, vazou uma conversação privada sobre Corbyn entre o secretário de Estado dos EUA e um punhado de organizações de judeus norte-americanos de direita. Diferente do refrão que a mídia-empresa vive a repetir no Reino Unido, segundo o qual Corbyn seria figura absurda demais para algum dia ganhar alguma eleição, a conversa vazada deixa ver claramente o medo que ele inspira aos dois lados, ante a alta probabilidade de que chegue ao posto de primeiro-ministro britânico.

Mais uma vez pintando Corbyn como antissemita, ouve-se um líder judeu norte-americano que pergunta a Pompeo se estaria “disposto a trabalhar conosco em ações diretas, caso a vida fique difícil demais para judeus no Reino Unido”. Pompeo respondeu que é possível que “Mr Corbyn ultrapasse o corredor polonês e seja eleito” – frase muito eloquente que estranhamente chamou pouca atenção, como em geral toda a notícia, dado que mostra um dos mais altos funcionários do governo Trump conversando explicitamente sobre os EUA interferirem diretamente no resultado de uma eleição no Reino Unido.

Eis a definição de dicionário de “passar pelo corredor polonês”: ser objeto de uma modalidade de castigo corporal na qual o elemento declarado culpado é forçado a correr entre duas fileiras de soldados, que o atacam e agridem.

Pompeo pois estava claramente assumindo que já há montado um corredor polonês – golpes sistemáticos e organizados contra Corbyn –, que Corbyn está sendo forçado a passar por esse tipo de castigo. De fato, “correr pelo corredor polonês” descreve à perfeição a experiência que Corbyn enfrenta desde que foi eleito líder dos trabalhistas britânicos – golpes da mídia-empresa, golpes da ala Blairista de seu próprio partido, golpes da direita, golpes de organizações de judeus pró-Israel como o Board of Deputies, golpes de generais anônimos e golpes de “experientes funcionários públicos”.

‘Traímos, roubamos’

E Pompeo continuou: “Saiba você que não esperaremos que ele comece a fazer essas coisas, para reagir. Vamos começar antes. Faremos nosso melhor para forçá-lo a retroceder. É arriscado demais e importante demais, e fica ainda mais difícil, depois que já aconteceu.”

Com o que se vê que Washington entende que a tal “ação” deve ser iniciada antes de que Corbyn alcance posição de poder. Para evitar qualquer perigo de que venha a ser o próximo primeiro-ministro britânico, os EUA devem fazer “seu melhor” para forçá-lo a retroceder, para que não alcance posição de poder. Assumindo que essa questão não parece ter-se convertido repentinamente em prioridade do governo dos EUA, quanto tempo os EUA creem que tenham antes de Corbyn, talvez, chegar ao poder? Quando haverá eleição no Reino Unido?

Como todos sabem muito bem em Washington, há possibilidade real de eleição no Reino Unido desde que os Conservadores montaram um governo de minoria há dois anos, com a ajuda de legalistas inconstantes, de linha dura, do Ulster. Desde então há sempre possibilidade de eleições, ao mesmo tempo em que o partido governante no Reino Unido se autodilacera em discussões em torno do Brexit, com os próprios deputados conservadores repetidas vezes derrotando sua própria líder, a primeira-ministra Theresa May, em votações parlamentares.

Assim sendo, se Pompeo anda dizendo, como parece que seja o caso, que os EUA farão, desde bem antes de qualquer eleição, todo o possível para assegurar que Corbyn não vença eleição alguma, é claro que os EUA estão, sim, profundamente metidos em atividades de todo tipo, desde que sejam anti-Corbyn. Pompeo não diz apenas que os EUA estão prontos para interferir em eleições no Reino Unido – o que já seria ruim que chegue. Pompeo está dizendo que os EUA já estão interferindo na política da Grã-Bretanha para assegurar que a vontade do povo britânico não leve ao poder o líder errado.

Não se pode esquecer que Pompeo, ex-diretor da CIA, que já foi efetivamente o espião-chefe a serviço dos EUA, foi extraordinariamente e surpreendentemente sincero sobre o que fazia a agência sob seu comando. Disse ele: “Fui diretor da CIA. Mentíamos, enganávamos, roubávamos. Tivemos – pode-se dizer – cursos completos de treinamento.”

Seria preciso ser muito ingênuo para supor que Pompeo tenha modificado a cultura da CIA durante sua breve passagem pela agência. Apenas se converteu em figura de proa da mais poderosa agência de espionagem em operação no planeta, agência que consumiu décadas disseminando os princípios do ‘excepcionalismo’ norte-americano; que mentiu sem parar até conseguir gerar as recentes guerras no Iraque e na Líbia, como já havia feito no Vietnã e para ‘justificar’ a bomba atômica lançada contra Hiroshima, para citar só esses ‘eventos’. Operações clandestinas, operações sob falsa bandeira e operações psicológicas não são invenção de Pompeo: são, isso sim, há muito tempo, os próprios pilares da política exterior dos EUA.

Um consenso que se esfarela

É preciso muito empenho em não ligar todos esses ponto, para conseguir não ver no Reino Unido, contra Corbyn, agora, um padrão que claramente se repete.

Brand acertou ao dizer que o sistema está podre, que nossas elites políticas e ‘midiáticas’ estão capturadas, e que a estrutura de poder de nossas sociedades se autoprotegerão e se autodefenderão custe o que custar, por meios justos e por meios os mais alucinados e os mais sujos.

Corbyn está longe de ser o único a receber esse ‘tratamento’.

O sistema também operou por vias igualmente viciadas, para impedir que um socialista democrático, como Bernie Sanders – em tudo diferente de um empresário milionário como Donald Trump – alcançasse a indicação dos Democratas para concorrer à presidência dos EUA.

O sistema também obrou para silenciar jornalistas dignos como Julian Assange, que tentava expor os segredos dos estados de segurança nacional onde vivemos, para assim derrotar o jornalismo ‘de resultados’ tão prezado pela mídia-empresa em geral, sempre dedicada a repetir fontes oficiais e porta-vozes.

Há uma conspiração em curso aqui, embora não seja do único tipo que os ‘críticos’ permitidos criticam: algum tipo de pequena gang de bandidos que, em segredo, manejariam as cordas que fazem andar nossa sociedade.

A conspiração real opera no nível das instituições, que se transformaram ao longo do tempo para criar estruturas e refinar os valores consagrados que conservam o poder e a riqueza nas mãos de uns poucos. Nesse sentido, somos todos parte da conspiração. É conspiração que nos engole cada vez que aceitamos sem contestá-las as narrativas “consensuais” que nos são impostas por nossos sistemas educacionais, políticos e ‘midiáticos’. Nossa inteligência foi ocupada – no sentido em que se fala de ocupação militar – por mitos, temores e narrativas que nos converteram em perus que nunca param de votar a favor da preservação do Natal.

Mas esse sistema não é impenetrável. O consenso tão atentamente construído ao longo de décadas está rachando rapidamente, ao ritmo em que a estrutura de poder é obrigada a lidar com problemas do mundo real – que essa estrutura de poder absolutamente não consegue resolver e já é impotente para ocultar –, como o gradual colapso das economias ocidentais que ‘deveriam’ crescer indefinidamente sem jamais distribuir a riqueza; e um clima que começa a revidar contra nosso apetite insaciável pelos recursos finitos do planeta.

Enquanto as maiorias continuamos em colusão num consenso construído nas sociedades ocidentais, o sistema operou sem oposição nem dissidentes relevantes. Um sistema ideológico que destruía o planeta foi tratado – e ensinado e noticiado – como se fosse natural, imutável, o ápice do progresso a que a humanidade poderia aspirar, a culminância da história, o fim da história.

Eventos como Corbyn, Assange, Lula do Brasil*

O tempo dessas fantasias acabou. Eventos como Corbyn, Assange [e Lula do Brasil*] passarão a se repetir cada vez mais frequentemente, e também se agravarão os eventos de clima extremo e as crises econômicas.

As estruturas de poder ainda ativas para tentar sem sucesso evitar tais eventos terão de se tornar cada vez mais violentas, mais beligerantes e menos clandestinas, repetidamente em busca dos objetivos para os quais foram concebidas e ativadas.

E as massas afinal compreenderão que um sistema concebido para as manter , enquanto uns poucos enriquecem cada dia mais à custa da vida e do futuro dos filhos das maiorias mundiais não tem de ser defendido ou preservado, nem deve continuar. Que as maiorias podemos nos levantar e declarar para que todos ouçam: “Não!”

* O caso do presidente Luis Inácio Lula da Silva, do Brasil, mantido preso – sem crime, sem processo, sem prova e sem sentença – por juízes, procuradores e STF que só fazem promover um arremedo do “devido processo legal”, para impedir que Lula seja eleito – foi incluído aqui pelos tradutores. É caso perfeitamente equivalente ao de Corbyn, no Reino Unido, idêntico em tudo, até na atividade de Pompeo [NTs].

Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga

Jonathan Cook ganhou o prémio Martha Gellhorn Special de jornalismo. Os seus livros incluem “Israel e o Choque das Civilizações: Iraque, Irão e o Plano para Refazer o Médio Oriente” (Pluto Press) e “Palestina em desaparecimento: experiências de Israel com o Desespero Humano” (Zed Books).

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