A Dança da Morte
Por Chris Hedges | TruthDig
mberublue - 12 de Março, 2017 | Tradução: E. Silva
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As elites corporativas no comando já não buscam construir. Elas buscam destruir. Elas são agentes da Morte. Elas anseiam pelo poder irrestrito para canibalizar o país, poluir e degradar o ecossistema, para alimentar o desejo sem freios de riqueza, poder e hedonismo. Guerras e “virtudes” militares são celebradas. Inteligência, Empatia, Bem Comum são banidos. A Cultura é degradada em cafonice patriótica. A educação é destinada apenas à proficiência técnica para servir à venenosa máquina do capitalismo corporativo. A amnésia Histórica nos fecha o acesso ao passado, ao presente e ao futuro. Esses valores, rotulados como improdutivos ou redundantes, são descartados, esvaziados ou confinados ao esquecimento. A repressão estatal é indiscriminada e brutal! E na regência desse escandaloso e macabro espetáculo há um diretor insano tuitando absurdos desde a Casa Branca.
Grandes impérios mundiais - Sumério, Egípcio, Romano, Maia, Khmer, Otomano e Austro-Húngaro- seguiram esta mesma trajetória de colapso físico e moral.
Os últimos dirigentes do Império são psicopatas, imbecis, narcisistas e desviantes, homólogos aos depravados imperadores romanos Calígula, Nero, Tibério e Cômodo. O ecossistema que sustenta o império está degradado e exaurido. O crescimento econômico, concentrado em mãos de elites corruptas, está dependente de uma crescente escravidão por dívida imposta à população. A inflada classe dirigente de oligarcas, sacerdotes, cortesões, mandarins, eunucos, guerreiros profissionais, especuladores financeiros e dirigentes corporativos sugam a sociedade até a medula.
A míope resposta das elites ao iminente colapso do mundo natural e da civilização é fazer com que a população subserviente trabalhe ainda mais duramente em troca de menos, desperdiçar capital em projetos grandiosos como pirâmides, palácios, muros fronteiriços, fratura hidráulica, e empreender guerras.
A decisão do presidente Trump de aumentar o gasto militar em 54 bilhões de dólares, cortando na carne o planejamento nacional, é típica do comportamento de civilizações em estado terminal. Quando caiu o Império Romano, este tentava manter um exército de meio milhão de soldados, que parasitava os recursos do Estado.
Os complexos mecanismos burocráticos criados por todas as civilizações terminam por arruiná-las. A diferença, no que tange à atual civilização, como especifica Josep Tainter no livro “The Collapse of Complex Societies,” (O Colapso das Sociedades Complexas) é que agora se trata de um colapso global. As nações não mais colapsam individualmente. A civilização mundial se desintegrará por inteiro.
As civilizações declinantes, apesar dos sinais evidentes de sua decadência, se obstinam em restaurar sua “grandeza”. Suas ilusões as condenam.
Elas não conseguem ver que as forças que permitiram erigir a civilização moderna, precisamente a tecnologia, a violência industrial e os combustíveis fósseis, são as mesmas forças que as estão extinguindo. Seus líderes são treinados apenas para servir ao sistema e veneram os velhos deuses que há muito exigem o sacrifício de milhões de vítimas.
“A esperança nos leva a inventar novos arranjos para velhas desgraças, os quais criam desgraças ainda mais perigosas,” escreve Ronald Wright em “A Short History of Progress” (Uma curta história do progresso). “A esperança elege o político com as promessas mais vazias; e como qualquer corretor de ações ou vendedor de loteria sabe, a maioria de nós prefere uma tênue esperança a uma prudente e previsível frugalidade. A esperança, como a cobiça, alimenta o motor do capitalismo.”
Os delegados de Trump - Steve Bannon, Jeff Sessions, Rex Tillerson, Steve Mnuchin, Betsy DeVos, Wilbur Ross, Rick Perry, Alex Acosta e outros - não propugnam inovações ou reformas.
Eles são cães pavlovianos que salivam diante de pilhas de dinheiro. Eles são programados para roubar os pobres e saquear orçamentos federais. Sua determinada obsessão com seus enriquecimentos pessoais os leva a desmantelar toda e qualquer instituição ou abolir toda e qualquer lei ou regulamentação que se interponha à sua cobiça.
O capitalismo, escreveu Karl Marx, é uma “máquina de destruir limites.” Ele é alheio a qualquer senso de escala ou proporção. Uma vez que todos os empecilhos externos são suprimidos, o capitalismo global mercantiliza os seres humanos e a natureza para extrair lucro até a exaustão e o colapso. E quando se chega aos últimos momentos da civilização, os degenerados edifícios do poder parecem desmoronar na noite para o dia.
Sigmund Freud escreveu que as sociedades, bem como os indivíduos, são guiadas por duas pulsões primárias. Uma delas é a pulsão vital, Eros, a busca do amor, do cuidado, da proteção e da preservação. A segunda é a pulsão de morte.
A pulsão de morte, chamada Thanatos pelos pós-freudianos, é guiada pelo medo, pelo ódio e pela violência. Ela busca a dissolução de tudo o que está vivo, inclusive os próprios seres humanos. Uma dessas duas forças, diz Freud, é sempre ascendente. As sociedades declinantes abraçam entusiasticamente a pulsão de morte, como bem observou Freud em “O Mal-estar na Civilização,”, escrito às vésperas da ascensão do fascismo europeu e da Segunda Guerra Mundial.
“É no sadismo — onde o instinto de morte deforma o objetivo erótico em seu próprio sentido, embora, ao mesmo tempo, satisfaça integralmente o impulso erótico — que conseguimos obter a mais clara compreensão interna de sua natureza e de sua relação com Eros,” escreve Freud.
”Contudo, mesmo onde a satisfação do instinto surge sem qualquer intuito sexual, na mais cega fúria de destrutividade, não podemos deixar de reconhecer que ela se faz acompanhar de um grau extraordinariamente alto de fruição narcísica, devido ao fato de presentear o ego com a realização de seus antigos desejos de onipotência.”
A pulsão de morte, como a entendeu Freud, não é, em princípio, mórbida. Ela é excitante e sedutora. Eu vi isso nas guerras que cobri. Um poder de ordem divina e uma fúria oriunda da adrenalina, e até a euforia, tomam conta de divisões armadas e de grupos religiosos ou étnicos, dando-lhes licença para destruir qualquer coisa ou qualquer um em seu entorno. Ernst Juenger captou este “monstruoso desejo de aniquilamento” em suas memórias da Primeira Guerra Mundial, “Storm of Steel” (Tempestade de Aço).
Uma população alienada, desesperançada e acossada pelo desespero encontra empoderamento e prazer numa orgia de aniquilamento que logo se metamorfoseia em autoaniquilamento. Ela não tem interesse em preservar um mundo que a traiu e frustrou seus sonhos.
Ela busca erradicar este mundo e substituí-lo por uma paisagem mítica. Ela se volta contra as instituições, tanto contra grupos religiosos ou étnicos, que se tornam bodes expiatórios para sua miséria. Ela destrói os recursos naturais com desprezo. Ela é seduzida pelas fantásticas promessas dos demagogos e pelas soluções mágicas características da direita cristã ou daquilo que os antropólogos chamam de “cultos de crise”.
Norman Cohn, em “The Pursuit of the Millennium: Revolutionnary Messianism in Medieval and Reformation Europe and Its Bearing on Modern Totalitarian Movements” (Perseguindo o Milênio: Messianismo Revolucionário na Europa Medieval e da Reforma e sua Interconexão com os Movimentos Totalitários Modernos) estabelece uma conexão entre aquele período turbulento e nossa atualidade. Os movimentos milenaristas são uma peculiar resposta psicológica coletiva a um profundo desespero social. Eles são recorrentes na história humana. Não estamos imunes a eles.
”Estes movimentos têm tido tons variados, da mais violenta agressividade ao mais meigo pacifismo; da mais etérea espiritualidade ao mais terrenal materialismo; são incontáveis as possíveis facetas da imaginação do Milênio, incontáveis os caminhos que a ele conduzem,” escreve Cohen.
“Mas as similaridades podem igualmente se apresentar como diferenças; e quanto mais comparamos cuidadosamente os surtos de chilaísmo social militante durante a Idade Média tardia com os movimentos totalitários modernos mais notáveis similaridades aparecem. Os velhos símbolos e os velhos lemas foram substituídos por outros, mas a estrutura básica das fantasias não parecem ter mudado substancialmente.”
Aqueles movimentos, diz Cohen, ofereciam “um mito social coerente, o qual podia possuir inteiramente aqueles que nele criam. Tal mito explicava seus sofrimentos, prometia-lhes recompensa, mantinha suas ansiedades à distância, dava-lhes uma ilusão de segurança – mesmo quando o guiava, os mantinha juntos através de um entusiasmo comum numa busca sempre vã e amiúde suicida. Assim aconteceu que multidões atuaram com feroz energia, compartilhando uma fantasia que, embora delirante, ainda lhes proporcionava um alívio emocional tão intenso que podiam viver só por ele e estavam perfeitamente dispostos a por ele morrer”.
Tal fenômeno que viria a se repetir muitas vezes entre o século XI e o século XVI, ora numa área, agora noutra, e que, apesar das óbvias diferenças de contexto cultural e de escala, não é irrelevante para o crescimento dos Movimentos totalitários, com seus líderes messiânicos, seus milagres milenaristas e seus bodes expiatórios demoníacos, no presente século.”
A separação de uma sociedade da realidade, como a nossa tem sido separada do reconhecimento coletivo da severidade da mudança climática e das fatais consequências do império e da desindustrialização, deixa-nos sem os mecanismos institucionais e intelectuais para enfrentar nossa iminente mortalidade. Nossa sociedade existe num estado de hipnose autoinduzida e de autoilusão. Ela busca euforias momentâneas e significância em divertimentos indecentes e atos de violência e destruição, inclusive contra pessoas que são demonizadas pelo perecimento dessa mesma sociedade. Ela acelera sua autoimolação enquanto sustenta a suposta inevitabilidade de um glorioso ressurgimento nacional. Idiotas e charlatães, serviçais da morte, eles nos atraem para o abismo.
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Chris Hedges, repórter laureado com Prêmio Pulitzer, mantém coluna regular em Truthdig às 2as-feiras. Formou-se na Harvard Divinity School e foi durante quase duas décadas correspondente no exterior do The New York Times. Hedges é autor de 12 livros, entre os quais War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on America o best-seller (New York Times), Days of Destruction, Days of Revolt (2012), do qual é coautor, com o cartunista Joe Sacco. Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle.
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