Desenvolvimento sustentável e dívida insustentável
por Michael Roberts (PT) | thenextrecession.wordpress.com
Resistir.info - 1 de julho, 2025
https://resistir.info/m_roberts/divida_30jun25.html
Hoje, 30 de Junho, líderes mundiais reúnem-se em Sevilha, Espanha, para uma cimeira da ONU sobre ajuda aos países em desenvolvimento. Trata-se da
Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento. Pelo menos 50 líderes mundiais, incluindo o presidente francês Macron, a presidente da Comissão Europeia von der Leyen e o secretário-geral da ONU Guterres, estarão presentes. A conferência tem como objetivo impulsionar o apoio ao desenvolvimento global, os chamados objetivos de desenvolvimento sustentável estabelecidos há décadas pela ONU, com o objetivo de tirar os países pobres e as suas populações da pobreza.
Estes objetivos louváveis, tal como muitas iniciativas da ONU no século XXI, revelaram-se insustentáveis. Enquanto os líderes mundiais pontificam esta semana em Sevilha, a realidade é que o fosso entre os países ricos e o resto do mundo não diminuiu – pelo contrário, aumentou. E, em vez de novos esforços para aumentar o financiamento para o chamado mundo em desenvolvimento, está a acontecer o contrário. O presidente dos EUA, Donald Trump, cortou o financiamento e o pessoal da agência de desenvolvimento dos EUA, a USAID. O financiamento da USAID deverá cair de 60 mil milhões de dólares em 2024 para menos de 30 mil milhões em 2026. A Alemanha, a Grã-Bretanha e a França, entre outras economias ricas, também estão a fazer cortes para financiar enormes aumentos nas despesas com armamento para a guerra.

Os países do Grupo dos Sete (G7), que juntos representam cerca de três quartos de toda a ajuda oficial ao desenvolvimento (AOD), devem reduzir os seus gastos com ajuda em 28% para 2026 em comparação com os níveis de 2024. Este seria o maior corte na ajuda desde que o G7 foi criado em 1975 e, de facto, nos registos de ajuda que remontam a 1960.
O próximo ano marcará o terceiro ano consecutivo de declínio nos gastos com ajuda do G7 – uma tendência não vista desde a década de 1990. Se esses cortes forem adiante, os níveis de ajuda do G7 em 2026 cairão US$44 mil milhões, para apenas US$112 mil milhões. Os cortes estão a ser impulsionados principalmente pelos EUA (menos US$33 mil milhões), Alemanha (menos US$3,5 mil milhões), Reino Unido (menos US$5 mil milhões) e França (menos US$3 mil milhões).
A instituição de caridade internacional Oxfam afirma que os cortes na ajuda ao desenvolvimento são os maiores desde 1960, e a ONU estima que a diferença crescente entre o que é necessário para o desenvolvimento sustentável e o que é entregue seja de US$4 milhões de milhões (trillion). «O recuo do G7 do mundo é sem precedentes e não poderia ter ocorrido em pior altura, com a fome, a pobreza e os danos climáticos a intensificarem-se. O G7 não pode afirmar que constrói pontes com uma mão e as destrói com a outra. Isso envia uma mensagem vergonhosa ao Sul Global, de que os ideais de colaboração do G7 não significam nada», afirmou Amitabh Behar, diretor executivo da Oxfam International.
Os países pobres não estão apenas a receber menos apoio financeiro; estão a enfrentar um fardo cada vez maior de dívidas para com os bancos e instituições financeiras dos países ricos. A dívida externa total do grupo dos países menos desenvolvidos mais do que triplicou em 15 anos, de acordo com a ONU. A dívida total das chamadas economias emergentes (excluindo a China) atingiu 126% do seu PIB. O stock total da dívida externa dos países pobres atingiu um máximo histórico de US$8,8 milhões de milhões em 2023, um aumento de 2,4% em relação ao ano anterior.
Os reembolsos da dívida são agora superiores aos novos fluxos de crédito e capital. Em 2023, os países de rendimento baixo e médio (excluindo a China) registaram uma saída líquida para o setor privado de 30 mil milhões de dólares em dívida de longo prazo — um importante obstáculo ao desenvolvimento. Desde 2022, os credores privados estrangeiros extraíram quase 141 mil milhões de dólares a mais em pagamentos do serviço da dívida dos mutuários do setor público nas economias em desenvolvimento do que desembolsaram em novos financiamentos. Pelo segundo ano consecutivo, os credores externos das economias em desenvolvimento têm retirado mais do que têm investido.

Os custos totais do serviço da dívida (capital mais juros) de todos os LMIC atingiram um máximo histórico de US$1,4 milhões de milhões em 2023. Excluindo a China, os custos do serviço da dívida subiram para um recorde de 971 mil milhões de dólares em 2023, um aumento de 19,7% em relação ao ano anterior e mais do dobro dos montantes registados há uma década.

Um relatório recente encomendado pelo falecido Papa Francisco e coordenado pelo economista Joseph Stiglitz, laureado com o Prémio Nobel, estima que 3,3 mil milhões de pessoas vivem em países que gastam mais em pagamentos de juros do que em saúde.
Dados recentes do órgão de comércio e desenvolvimento da ONU (CNUCED), revelam que 54 países gastam mais de 10% das suas receitas fiscais apenas com pagamentos de juros. O peso médio dos juros para os países em desenvolvimento, como percentagem das receitas fiscais, quase duplicou desde 2011. Mais de 3,3 mil milhões de pessoas vivem em países que agora gastam mais com o serviço da dívida do que com saúde, e 2,7 mil milhões em países que gastam mais com a dívida do que com educação.

A ajuda global à nutrição cairá 44% em 2025 em comparação com 2022: O fim de programas de nutrição infantil financiados pelos EUA no valor de apenas 128 milhões de dólares para um milhão de crianças resultará em 163 500 mortes infantis adicionais por ano. Ao mesmo tempo, 2,3 milhões de crianças que sofrem de desnutrição aguda grave — a forma mais letal de desnutrição — correm agora o risco de perder os tratamentos que lhes salvam a vida. Um em cada cinco dólares de ajuda aos orçamentos de saúde dos países pobres será cortado ou está ameaçado: a OMS relata que quase três quartos dos seus escritórios nacionais estão a enfrentar graves perturbações nos serviços de saúde e, em cerca de um quarto dos países onde opera, algumas unidades de saúde já foram obrigadas a encerrar completamente. Os cortes na ajuda dos EUA podem levar a até 3 milhões de mortes evitáveis todos os anos, com 95 milhões de pessoas a perderem o acesso aos cuidados de saúde. Isto inclui crianças que morrem de doenças evitáveis por vacinação, mulheres grávidas que perdem o acesso aos cuidados de saúde e o aumento das mortes por malária, tuberculose e VIH.
De acordo com um novo relatório da UNCTAD para a conferência de Sevilha, os setores críticos para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sofreram particularmente com a queda do investimento estrangeiro. Os fluxos de investimento para os países em desenvolvimento em infraestruturas caíram 35%, em energias renováveis 31%, em água e saneamento 30% e em sistemas agroalimentares 19%. Apenas o setor da saúde registou crescimento. Os projetos aumentaram cerca de um quinto em número e valor, mas os volumes totais permaneceram reduzidos – menos de 15 mil milhões de dólares.

Antes do início da conferência em Sevilha, os EUA anunciaram que não participariam nem concordariam com qualquer plano. Assim, alguns governos fizeram uma declaração. Apresentaram uma proposta fraca, não vinculativa para eles e sem justificação para a sua implementação, nomeadamente que os vários bancos de desenvolvimento em todo o mundo deveriam triplicar a sua capacidade de empréstimo, em particular para «despesas sociais essenciais». E que deveria haver «mais cooperação contra a evasão fiscal». Alguma esperança. Na realidade, os empréstimos e as obrigações para realizar os objetivos de sustentabilidade diminuíram.

Num post anterior, mostrei que os países do chamado Sul Global não estão a «alcançar» os países imperialistas ricos do chamado Norte Global, nem em rendimento per capita, nem em produtividade, nem em qualquer índice de desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo, as enormes desigualdades de rendimento e riqueza, entre países e dentro dos mesmos, continuam a agravar-se.
Qual é a resposta? Não mais empréstimos de bancos e governos a taxas de juro exorbitantes e crescentes (o Reino Unido ou a Alemanha contraem empréstimos a 3-4%, enquanto os países em desenvolvimento pagam 6-8%), mas sim o cancelamento e a anulação do peso da dívida existente dos países pobres (não gosto da palavra «perdão» da dívida, pois não há nada a perdoar).
E depois, o que é necessário é um plano global de investimento público no Sul Global, destinado a infraestruturas, saúde, educação e serviços públicos, a par do apoio a tecnologias e indústrias geradoras de emprego. Isto poderia ser facilmente financiado pelos países ricos com um imposto sobre a riqueza dos muito ricos e com a nacionalização dos principais bancos e multinacionais que atualmente dominam as finanças globais. É claro que isso não acontecerá sem mudanças revolucionárias no Norte Global.