O Dragão expoe o seu roteiro, negando que está à procura de hegemonia
O livro branco "A Defesa Nacional na Nova Era" da China mostra onde o país pretende estar até 2049
por Pepe Escobar | Asia Times
Tlaxcala - 3 de agosto, 2019
http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=26706
O mérito crucialmente decisivo de China’s National Defense in the New Era [Defesa Nacional da China na Nova Era], documento divulgado pelo Conselho de Estado em Pequim, é dirimir qualquer dúvida remanescente sobre de onde vem o Império do Meio e para onde estará indo em 2049, a data mítica para, teoricamente, estar restaurado como principal potência global.
Embora não seja ultra minucioso, o documento com certeza pode ser lido como contraponto chinês à US National Security Strategy [Estratégia da Segurança Nacional dos EUA], e à National Defense Strategy [Estratégia de Defesa Nacional] dos EUA.
Nem é preciso dizer que cada linha está sendo cuidadosamente examinada pelo Pentágono, que vê a China como “ator maligno” e “ameaça” – a terminologia associada ao mantra norte-americano da “agressão chinesa”.
Para encurtar a história e perpétua delícia de apoiadores e críticos da China, aí vão os pontos essenciais do documento.
Que estabilidade global?
A liderança em Pequim diz abertamente que “os EUA ajustaram suas estratégias de segurança nacional e de defesa e adotaram políticas unilaterais” que, essencialmente, “minaram a estabilidade estratégica global.” Vastos setores do Sul Global concordarão plenamente.
A contraparte é a evolução da “parceira estratégica abrangente China-Rússia de coordenação para uma nova era” que hoje desempenha “papel significativo na manutenção da estabilidade estratégica global.”
Paralelamente, Pequim é muito cuidadosa ao elogiar o “relacionamento militar com os EUA conforme os princípios de não conflitação, não confrontação, respeito mútuo e cooperação de tipo ganha-ganha.” O “relacionamento militar-militar” deve operar como “um estabilizador para as relações entre os dois países e, assim, contribuir para o relacionamento China-EUA baseado em coordenação, cooperação e estabilidade.”
Outra contraparte chave a EUA – e OTAN – é o papel cada vez mais crucialmente decisivo da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), a qual está “forjando uma parceria construtiva de não aliança e não confrontação que não visa terceiros, expandindo um novo modelo de cooperação para segurança e defesa regionais.”
O documento destaca que “a OCX cresceu e converteu-se num novo tipo de organização de cooperação regional abrangente que cobre a maior área e a maior população do mundo”, o que é factualmente correto. A mais recente reunião de cúpula da OCX em Bishkek conseguiu com muito sucesso mostrar algumas das muitas elogiadas qualidades do grupo, especialmente “confiança mútua”, “consultas”, “respeito por civilização diversas” e “busca de desenvolvimento comum.”
Nos pontos mais quentes, ao contrário do ceticismo ocidental, o documento chinês afirma que “a situação do Sul da China é de modo geral estável”; e que “continua a se desenvolver uma arquitetura de segurança asiática equilibrada, estável e inclusiva.”
Não deve haver qualquer ilusão quanto à posição de Pequim sobre a “independência de Taiwan” – a qual jamais se desviará do que foi fixado pelo Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping no final dos anos 1970s: “Forças separatistas e respectivas ações continuam a ser a mais grave ameaça imediata à paz e estabilidade no Estreito de Taiwan e principal barreira a impedir a reunificação pacífica do país.”
E o mesmo se aplica a “forças separatistas favoráveis à ‘independência do Tibete’ e a criação do ‘Turquestão Oriental’.” O modo como Pequim lidou com – e economicamente desenvolveu – o Tibete continuará a ser a planta baixa, para desenvolver Xinjiang, independente dos protestos ocidentais contra a subjugação, pela China, de mais de um milhão de uigures.
Quanto ao torvelinho em Hong Kong e o grau em que reflete a interferência de “forças externas”, o documento apresenta Hong Kong como o modelo a ser seguido na direção de Taiwan. “A China adere aos princípios da ‘reunificação pacífica’ e de ‘um país, dois sistemas’; promove desenvolvimento pacífico das relações trans-estreitos; e avança a reunificação pacífica do país.”
No Mar do Sul da China, o documento observa que “países de fora da região conduzem frequentes ações de reconhecimento próximo sobre a China, por ar e mar, e ilegalmente invadem águas territoriais chinesas e águas e espaço aéreo próximos de ilhas e recifes da China, minando a segurança nacional da China.”
Para que se entenda bem, sem imprecisões, o documento diz: “As ilhas do Mar do Sul da China e as Ilhas Diaoyu são partes inalienáveis do território chinês”. A Associação de Nações do Sudeste da Ásia, ANSA [ing. ASEAN] e o Japão terão de lidar com o que Pequim declara como fatos.
Nenhuma hegemonia, jamais
Apesar de observar que “foram feitos grandes progressos na Revolução nos Assuntos Militares com características chinesas” – a versão chinesa do Pentágono – o documento admite que “o Exército de Libertação do Povo ainda está muito atrasado em relação às principais forças militares do mundo. O compromisso inafastável é “transformar completamente as forças armadas do povo em forças de primeira classe mundial até meados do século 21.”
Ênfase especial é dada à diplomacia chinesa relativamente silenciosa, operante por trás do palco. “A China desempenhou papel construtivo na pacificação política de pontos quentes de atrito regional, como na questão da Península Coreana, na questão nuclear iraniana e na questão síria.” O corolário não poderia ser mais claramente posto. “A China opõe-se à hegemonia, ao unilateralismo e aos duplos padrões.”
Pode-se dizer que o ponto mais importante fixado nesse documento – em claro contraste com a narrativa da “agressão chinesa” – é que “Jamais Buscar Hegemonia e Expansão ou Esferas de Influência” é declarado “o traço distintivo da defesa nacional da China na nova era.”
Isso vem apoiado na que pode ser definida como a abordagem distintivamente chinesa das relações internacionais – respeitar “os direitos de todos os povos, de escolher com independência a própria via de desenvolvimento” e “o solucionamento das disputas internacionais mediante diálogo, negociação e consultas entre nações iguais. A China opõe-se à interferência nos assuntos internos de outros, ao abuso do fraco pelo forte, e a qualquer tentativa para impor sobre outros o desejo de um.”
Assim sendo, o mapa do caminho está sobre a mesa, para que todos vejam. Será fascinante assistir às reações de miríade de latitudes em todo o Sul Global. Vamos ver como o sistema “Agressão Chinesa” responde.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..
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