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Estados Unidos e Venezuela: Um contexto histórico
"A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, de que são proprietários e nós queremo-las". – (funcionário anónimo de Trump)
por James Petras
Resistir.info - 18 de maio, 2019
https://www.resistir.info/petras/petras_18mai19.html
A hostilidade dos EUA e os seus esforços para derrubar o governo
venezuelano fazem parte duma longa e vergonhosa história da
intervenção dos EUA na América Latina que remonta à
segunda década do século XIX.
Em 1823, o presidente Monroe, dos EUA, declarou, em seu nome, a "Doutrina
Monroe" o direito dos EUA em manter os europeus fora da
região e o direito de os EUA intervirem na defesa dos seus interesses
económicos, políticos e militares.
Vamos traçar um esboço das fases históricas da
intervenção política e militar dos EUA, em nome dos
interesses de empresas e da banca dos EUA na região e os movimentos
políticos e sociais latino-americanos que se lhe opuseram.
O primeiro período decorre dos finais do século XIX até
aos anos 30 e inclui invasões de fuzileiros, a instalação
de ditaduras fantoches dos EUA e a resistência de
revoluções populares chefiadas por vários líderes
revolucionários em El Salvador (Farabundo Martí), na
Nicarágua (Augusto Sandino), em Cuba (José Martí) e no
México (Lazaro Cárdenas).
Depois, analisaremos as intervenções dos EUA, após a II
Guerra Mundial, o derrube de governos populares e a repressão de
movimentos sociais, incluindo a Guatemala (1954), o golpe no Chile (1973), a
invasão dos EUA da República Dominicana (1965), de Granada (1982)
e do Panamá (1989).
A seguir, examinamos as tentativas dos EUA para derrubar o governo da Venezuela
(1998 até ao presente).
Política dos EUA na América Latina: Democracia, ditadura e
movimentos sociais
O general norte-americano
Smedley Butler
[1]
resumiu os seus 33 anos nas forças armadas como o "homem forte
dos Grandes Negócios, da Wall Street e dos banqueiros
Ajudei a
transformar o México num lugar seguro para os interesses
petrolíferos americanos, em 1914. Ajudei a fazer de Haiti e de Cuba
locais decentes para o National City Bank arrecadar receitas
Ajudei
à pilhagem de meia dúzia de repúblicas da América
Central em benefício da Wall Street. Ajudei a "limpar" a
Nicarágua para a casa bancária dos Brown Brothers em 1902-1912.
Trouxe à luz a República Dominicana para os interesses
açucareiros americanos em 2016. Ajudei a fazer das Honduras o local
certo para as empresas de frutas americanas em 1903
Olhando para
trás, podia ter dado a Al Capone algumas sugestões"!
Nos primeiros 40 anos do século XX, os EUA invadiram Cuba,
transformaram-na quase numa colónia e repudiaram o seu herói da
independência,
José Martí
; forneceu conselheiros e apoios militares ao ditador de El Salvador,
assassinou o seu líder revolucionário
Farabundo Martí
e massacrou 30 mil camponeses sem terra que pretendiam uma reforma
agrária. Os EUA intervieram na Nicarágua, lutaram contra o seu
líder patriótico
Augusto Sandino
e instalaram uma dinastia ditatorial chefiada pelo regime de Somoza até
este ser derrubado em 1979. Os EUA intervieram em Cuba para instalar uma
ditadura militar em 1933, para abafar uma revolta de trabalhadores
açucareiros. Entre 1952 e 1958, Washington armou a ditadura de Batista
para destruir o revolucionário
Movimento 26 de Julho, chefiado por Fidel Castro. Nos finais dos anos 30, os
EUA ameaçaram invadir o México, quando o presidente
Lázaro Cárdenas
nacionalizou as empresas petrolíferas norte-americanas e redistribuiu
terras a milhões de camponeses sem terras.
Com a derrota do fascismo (1941-1945), houve uma explosão de governos
sociais-democratas na América Latina. Mas os EUA objetaram. Em 1954, os
EUA derrubaram o presidente eleito da Guatemala,
Jacobo Árbenz
, por ter expropriado as plantações de bananas da United Fruit
Company. Apoiou um golpe militar no Brasil em 1964; os militares mantiveram-se
no poder durante 20 anos. Em 1963, os EUA derrubaram o governo democraticamente
eleito de Juan Bosch na República Dominicana e, em 1965, invadiram-na
para impedir uma revolta popular. Em 1973, os EUA apoiaram um golpe militar que
derrubou o presidente democrata socialista Salvador Allende e apoiaram o regime
militar do general
Augusto Pinochet
durante quase 20 anos.
Peculiaridades do imperialismo dos EUA na América Latina
Subsequentemente, os EUA intervieram e ocuparam Granada em 1983 e o
Panamá em 1989.
Os EUA sustentaram regimes de direita por toda a região que apoiavam a
banca e os oligarcas empresariais norte-americanos que exploravam recursos,
trabalhadores e camponeses.
Mas os poderosos movimentos sociais dos anos 90, chefiados por trabalhadores,
camponeses, e pela classe média de funcionários públicos,
médicos e professores, desafiaram a aliança da elite dos
dirigentes internos e dos EUA. No Brasil, o poderoso movimento de 300
mil trabalhadores rurais (MST) conseguiu expropriar grandes propriedades
devolutas; na Bolívia, mineiros e camponeses indígenas, incluindo
produtores de coca, derrubaram a oligarquia. Na Argentina, greves gerais e
movimentos de massas de trabalhadores desempregados derrubaram os governantes
corruptos aliados ao Citi Bank. O êxito dos movimentos populares
nacionalistas e populistas levaram a eleições
democráticas, ganhas por presidentes progressistas e de esquerda em toda
a América Latina, em especial na Venezuela.
Venezuela: Eleições democráticas, reformas sociais e a
eleição do presidente Chávez
Em 1989, o presidente da Venezuela, apoiado pelos EUA, impôs programas de
austeridade que provocaram manifestações populares, as quais
levaram o governo a ordenar à polícia e aos militares que
reprimissem as manifestações: foram mortos e feridos
vários milhares. Hugo Chávez, um oficial militar, revoltou-se e
apoiou a rebelião popular. Foi capturado, preso, depois foi libertado e
candidatou-se a presidente. Foi eleito por uma ampla margem em 1999 com um
programa de reformas sociais, de nacionalismo económico, de fim da
corrupção e de independência política.
Washington iniciou uma campanha hostil para pressionar o presidente
Chávez a aceitar a agenda de guerra global de Washington (presidente
Bush) no Afeganistão e em todo o mundo. Chávez recusou
submeter-se. Declarou: "Não se combate o terrorismo com
terrorismo". Nos finais de 2001, o embaixador dos EUA reuniu com a elite
financeira e com um setor das forças armadas para afastar o presidente
eleito Chávez através de um golpe, em abril de 2002. O golpe
durou 24 horas. Mais de um milhão de pessoas, na maioria moradores de
bairros de lata, marcharam sobre o palácio presidencial, defendido por
militares leais. Derrotaram o golpe e reinstalaram o presidente Chávez
no poder. Este continuou a ganhar uma dezena de eleições
democráticas e referendos durante a década seguinte.
O presidente Chávez teve êxito, em grande parte, por causa do seu
abrangente programa de reformas socioeconómicas que favoreciam os
trabalhadores, os desempregados e a classe média.
Foram construídos mais de dois milhões de casas e apartamentos
que foram distribuídos gratuitamente pelas classes populares; centenas
de clínicas e hospitais proporcionavam cuidados médicos gratuitos
nos bairros populares; construíram-se universidades, escolas de
formação e centros médicos para estudantes de baixos
rendimentos, sem pagamento de propinas.
Milhares de pessoas em centros comunitários nos bairros e
"coletivos locais" discutiam e votavam questões sociais e
políticas incluindo a crítica e a recondução
de políticos locais, mesmo sendo funcionários de Chávez
eleitos.
Entre 1998 e 2012, o presidente Chávez ganhou quatro
eleições presidenciais consecutivas, várias maiorias no
Congresso e dois referendos nacionais, reunindo entre 56% a mais de 60% do voto
popular. Depois de Chávez morrer, o presidente Maduro ganhou as
eleições em 2013 e 2018, mas por uma estreita margem. A
democracia florescia, as eleições foram livres e abertas a todos
os partidos.
Em consequência da incapacidade dos candidatos apoiados pelos EUA de
ganharem as eleições, Washington recorreu a violentos motins de
rua, e apelou aos militares que se revoltassem e invertessem os resultados
eleitorais, Os EUA aplicaram sanções, que começaram com o
presidente Obama e se agudizaram com o presidente Trump. Os EUA apreenderam
milhares de milhões de dólares em ativos venezuelanos e as
refinarias de petróleo nos EUA. Os EUA escolheram um novo (não
eleito) presidente (Guaidó) que foi instruído para instigar os
militares a revoltar-se e conquistar o poder.
Fracassaram: cerca de cem dos 267 mil soldados e uns milhares de apoiantes de
direita responderam à chamada. A revolta da
"oposição" foi um fracasso.
Os fracassos dos EUA eram previsíveis, perante uma massa de eleitores
que defendiam as suas conquistas socioeconómicas; o seu controlo do
poder local; a sua dignidade e o seu respeito. Mais de 80% da
população, incluindo a maioria da oposição
rejeitaram uma invasão dos EUA.
As sanções dos EUA contribuíram para uma híper
inflação e para a morte de 40
mil cidadãos devido à escassez de produtos médicos.
Conclusão
Os EUA e a CIA seguiram as pisadas do século passado, procurando
derrubar o governo da Venezuela e assumir o controlo dos seus recursos
petrolíferos e minerais. Tal como no passado, os EUA procuraram impor
uma ditadura submissa que reprimisse os movimentos populares e subvertesse os
processos eleitorais democráticos. Washington procurou impor um aparelho
eleitoral que garantisse a eleição de governantes submissos, como
fez no passado e como tem feito recentemente no Paraguai, no Brasil e nas
Honduras.
Até aqui, Washington tem fracassado, em grande parte porque a
população defende as suas conquistas históricas. A maioria
das populações pobres e trabalhadoras têm consciência
de que uma invasão e ocupação dos EUA levará a uma
matança em massa e à destruição da soberania e da
dignidade.
As populações têm consciência da agressão dos
EUA assim como dos erros do governo. Exigem correções e
retificações. O governo do presidente Maduro favorece um
diálogo com a oposição não violenta; os
venezuelanos estão a estabelecer laços económicos com a
Rússia, a China, o Irão, a Turquia, a Bolívia, o
México e outros países independentes.
A América Latina tem a experiência de décadas de
exploração e domínio dos EUA; mas também tem criado
uma história de êxito da resistência popular, incluindo
revoluções no México, na Bolívia e em Cuba; de
êxito dos movimentos sociais e dos resultados de eleições,
nos últimos anos, no Brasil, na Argentina, no Equador e na Venezuela.
O presidente Trump e a sua cáfila assassina de Ellen Pompeo, John Bolton
e Elliot Abrams declararam guerra contra a população venezuelana
mas, até agora, têm sido derrotados.
A guerra continua.
18/Maio/2019
[1]
Smedley Butler
:
O seu livro-denúncia das malfeitorias imperialistas dos EUA é
War is a Racket.
O original encontra-se em
www.globalresearch.ca/united-states-venezuela-historical-background/5677795
Tradução de Margarida Ferreira
_____
James Petras é Professor Emérito de Sociologia na Universidade de Binghamton, Nova Iorque. É autor de 64 livros publicados em 29 línguas, e mais de 560 artigos em jornais da especialidade, incluindo o American Sociological Review, British Journal of Sociology, Social Research, Journal of Contemporary Asia, e o Journal of Peasant Studies. Já publicou mais de 2000 artigos. O seu último livro é War Crimes in Gaza and the Zionist Fifth Column in America.
_____
https://www.resistir.info/petras/petras_18mai19.html
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