Elites ocidentais contra ‘o populismo’: Medo de que a democracia melhore
“(...) e, por último [o populismo russo] tem um elemento messiânico-nacionalista, que recebeu da direita eslavófila e a ela o assimila, através do qual a percepção do enorme atraso do país, tão dolorosamente sentida pelos intelectuais russos, transforma-se num sentimento compensatório de superioridade, totalmente irreal, mas nem por isso menos poderoso e eficaz como estímulo para a ação”. Lênin, apud Dicionário de Política, Bobbio e Mateucci, p. 679, verbete “Populismo”.*
Por Finian Cunningham | Strategic Culture Foundation
Blog do Alok - 29 de Setembro, 2018
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Nova palavra muito temida acaba de entrar no papagueado oficial da mídia-empresa ocidental: “populismo”. Partidos políticos e governos a serem declarados ilegítimos e sendo possível, derrubados, são sempre ditos “populistas” desde os primeiros ataques. Há sempre uma vaga implicação – um ‘subentendido’ nunca exposto e nunca desmentido pelos ‘especialistas’ – de que partidos declarados “populistas” sejam necessariamente contaminados pela praga da xenofobia, do racismo, do nacionalismo, em alguns casos até do fascismo.
Mas quem, aqui, seleciona o vocabulário e todas as ‘avaliações’ e ‘críticas’? Sempre os políticos e partidos políticos do establishment que contam com a vantagem da mídia-empresa para repetir incansavelmente seus falares e sua terminologia.
Vejam o presidente francês Emmanuel Macron. Pode até ter inventado um novo partido político, En Marche, mas mesmo assim é político do velho establishment ocidental dominante. É pró-União Europeia como ela opera hoje, apenas com mínimas arrumadelas; é pró-OTAN, atlanticista e pró-políticas econômicas neoliberais.
Recentemente, Macron "denunciou" a ascensão de partidos “populistas” em toda a Europa. Comparou o fenômeno à disseminação da “lepra” e declarou que partidos “populistas” seriam mórbida ameaça contra a ordem convencional da política. Macron referia-se em particular à nova coalizão de governo na Itália, que reúne o Movimento 5 estrelas, anti-establishment, e a Liga.
O líder francês poderia ter falado de vários governos atuais, como na Áustria, Hungria e outros estados da Europa Central, os quais, como o novo governo italiano desafiaram a posição oficial da União Europeia sobre a imigração irregular para países do bloco.
Nesse contexto, a palavra “populista” como usada por Macron e outros políticos do establishment, tem a conotação de “racista” e “desumano” por causa da oposição ao influxo não controlado de pessoas para dentro da Europa.
O adjetivo “populista” é frequentemente usado como “extrema direita”. Mais uma vez, a implicação é que de algum modo os partidos ‘populistas’ têm de ser desprezados, porque nasceriam maculados com supostas tendências fascistas e autoritárias.
Para reforçar essa demonização implícita, lê-se com frequência em veículos da mídia-empresa do establishment e enunciado por políticos frequentemente citados naqueles veículos, que os partidos “populistas” na Europa estariam alinhados com o presidente Vladimir Putin – quando não que seriam abundantemente financiados pelo Kremlin.
O presidente Donald Trump dos EUA também é dito “populista”, na narrativa da mídia do establishment político nos EUA. Mais uma vez, a palavra vem carregada de pressupostos e subentendidos que degradam a presidência de Trump, o presidente e seus apoiadores, na linha da definição que a candidata Democrata imortalizou, ao desqualificar os eleitores da base trumpista como “os deploráveis”. É tática para sanear oestablishment, exilando radicalmente, para bem longe dos Democratas, quaisquer vícios e erros passados – e sempre mais graves.
“Populista”, usado como palavrão, nem sempre significa “nacionalismo de direita”. O recentemente eleito presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, foi declarado, na mídia-empresa ocidental, irremediável “populista de esquerda”.
Na Itália, a coalizão governante, Movimento 5 Estrela, liderado por Luigi Di Maio, tem sido associada a política sociais de esquerda.
Partidos e políticos ditos “populistas” são ecléticos de difícil categorização, o que facilita a tarefa dos detratores, liberados para acusar os ‘populistas’ de praticamente qualquer crime, erro ou vício. Com certeza há forte campo comum entre esses lados, dado que ambos se opõem à imigração sem controle. Mas é simplismo dar por explicada essa posição partilhada por tantos, como exclusivamente xenofóbica ou racista.
Há preocupações razoáveis e legítimas de que a questão da imigração em larga escala tenha sido explorada pelo establishment governante e seus apoiadores ideológicos como meio para minar a soberania nacional e direitos dos trabalhadores, país a país, abrindo caminho para rebaixar salários e condições de emprego.
Há também a preocupação legítima em toda a Europa, de que o fenômeno da migração em massa foi produzido pelas guerras ilegais geradas deliberadamente pelos EUA e seus aliados europeus na OTAN. Por que estados membros europeus e contribuintes regulares teriam de pagar pelos problemas de uma ‘integração’ financeira e cultural que foi em grande medida forjada [integração fake] pelas elites governantes, jamais cobradas pelas incontáveis guerras criminosas que não param de inventar? Os chamados partidos “populistas” são também apresentados como uma ‘oposição’ à adesão mais servil, de todo o establishment político europeu, ao capitalismo neoliberal. Aí, se trata de muito legítimo revide popular às políticas econômicas mais opressivas e destrutivas, cuja única prioridade parece ser atender aos interesses de lucros do Big Business e do capital transnacional. Por que algum governo europeu deveria ser posto em estado de servidão, sob regras fiscais e limitações na dívida impostas arbitrariamente por instituições que, ao que parece, obedecem exclusivamente ao diktat de bancos e banqueiros privados?
Há várias questões fundamentais que formam o substrato real da oposição das populações – “oposição popular” – aos modos e meios da governança convencional, seja na Europa seja nos EUA [e em toda a galáxia dos países que os EUA lutam para converter em quintal para usufruto exclusivo dos EUA, como o Brasil-2018, a Argentina-2018, a Venezuela-2018, o Oriente Médio-2018... (NTs)].
Os tropeços e fracassos do capitalismo neoliberal e da gangue dos ricos-enriquecem-ricos estão, com certeza, no topo da lista dos problemas contra os quais se opõem as populações – “oposição popular”. As populações também se opõem ao militarismo irracional de governos ocidentais, à sanha por mais e mais guerras ilegais, que geram infindáveis problemas de milhões de refugiados. E a incansável sempre crescente hostilidade forjada contra potências concorrentes dos EUA – Rússia, China, Irã e Coreia do Norte.
A política convencional, quer dizer, os establishments governantes e as suas mídia-empresas servis prestimosas são cada vez mais claramente vistas, pelas populações, como incompetentes, quando não como irremediavelmente fracassadas e falidas.
O establishment em todos os países ocidentais perdeu legitimidade e “autoridade moral” aos olhos das massas nacionais. E essa autoridade-com-poder-e-sem-legitimidade que caracteriza as classes governantes nos estados ocidentais é que é o problema, real e mórbido.
Um dos fatores que levaram à situação em que estamos foi o crescimento das ‘comunicações’ globais e das fontes alternativas de informação, de onde os públicos ocidentais recolhem informação por sua conta, independentes dos velhos monopólios que sempre serviram à ordem existente. Mas foi por essa via que o “problema” da suposta “influência russa” entrou em todas as cabeças e todas as casas. Numa jogada desesperada para distrair as massas, desviando as atenção do problema real – a legitimidade agonizante do establishment ocidental e dos partidos políticos que o establishment ocidental comanda.
Há um medo rampante que acompanha a ordem hoje estabelecida: medo das oposições que crescem nas populações. A ordem reinante teme o próprio fracasso –, agora que as populações começam a desafiar diretamente o poder.
Nem Trump ou o novo governo italiano ou o líder húngaro Viktor Orban representariam alguma vanguarda da nova democracia. Essas mudanças são apenas sintomas de uma oposição popular mais profunda ao modo consagrado de conduzir a política no ocidente – a velha ordem que prevaleceu ao longo da maior parte dos últimos 70 anos, a partir da 2ª Guerra Mundial.
Sempre houve aguda preocupação entre as elites governantes dos dois lados do Atlântico quanto à possibilidade de que irrompa uma legítima ordem democrática, como Noam Chomsky discute em Contendo a Democracia [Rio de Janeiro: Record, 2003 ] Deterring Democracy [Verso, 1991]. Elites ocidentais sempre viram as massas como grupo de “demagogos agitadores”, incapazes para governa a sociedade “do jeito certo” que mais beneficia as elites, para proteger a propriedade e os lucros das elites e salvaguardar o direito imperial de fazer guerra em diferentes pontos do mundo.
Essa tensão subjacente relacionada ao controle do poder político nas sociedades ocidentais cobre toda a atual conjuntura histórica, na qual a palavra “populista” volta a ser empregada com alta frequência. E como termo depreciativo, a serviço de um establishment ocidental que agoniza. A ordem falhada tenta hoje esvaziar o genuíno desafio que as massas lhe impõem. Para isso, pinta as massas e todas as iniciativas das massas como vulgares, sem refinamento, sem decência, sujas, ou manipuladas por inimigos externos – como a Rússia, hoje, por exemplo.
Como anota o analista da política norte-americana Randy Martin: “Populismo é rótulo conveniente para que os que estão no poder tentem isolar todos que se apresentem querendo partilhar, ou, ainda pior, querendo tomar-lhes o poder.”
Quando se pensa no significado original da palavra – “o povo” – vê-se claramente o que surge hoje em oposição àquelas elites que converteram o adjetivo “populista” – literalmente, quem defende, divulga, promove interesses do povo – numa espécie de palavrão.*******
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
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