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O que a inteligência dos EUA realmente sabia sobre o vírus ‘chinês’?

por Pepe Escobar | Strategic Culture Foundation

TLAXCALA - 24 de abril, 2020

http://www.tlaxcala-int.org/article.asp?reference=28767

A Guerra Híbrida 2.0 contra a China, operação bipartidária dos EUA, já chega ao pico da febre. Esse braço de infoguerra de pleno espectro, 24/7 culpa a China por tudo que tenha a ver com o coronavírus – o que também opera como tática diversionista contra qualquer crítica bem informada ao terrível despreparo dos EUA.


Chris Britt, Illinois Times, EUA

Como se podia prever, reina a histeria. E está só começando.

É iminente um dilúvio de ações judiciais – como a ação impetrada no Distrito Sul da Florida pelo escritório Berman Law Group (ligado aos Democratas) & Lucas-Compton (ligado aos Republicanos). Em resumo: a China tem de gastar toneladas de dinheiro. Ao tom de pelo menos $1,2 trilhão, que – por ironia surrealista – o total dos títulos do Tesouro dos EUA que Pequim tem em mãos, até os $20 trilhões, exigidos por uma ação iniciada no Texas.

O caso construído pela acusação, como Scott Ritter lembra para que ninguém esqueça, saiu diretamente de Monty Python. Funciona exatamente como segue:


“If she weighs the same as a duck
…/Se ela tem peso de pato...
[então]…she’s made of wood!”
/ela é feita de pau!”
“And therefore
”/E portanto...
“A witch!!!!!”/
É uma bruxa!!!!

Em termos de Guerra Híbrida 2.0, a atual narrativa de estilo CIA traduz-se em uma China malvada que não contou ao Ocidente civilizado que havia por aí um vírus terrível. Se a China tivesse contado, os EUA teriam tido tempo para se preparar.

Mas a China mentiu e enganou – marcas registradas, por falar dela, da CIA, segundo o próprio Mike “Nós mentimos, Nós trapaceamos, Nós roubamos” Pompeo. A China escondeu tudo. A China censurou a verdade. Os chineses decidiram nos infectar. Agora, terão de pagar por todo o dano econômico e financeiro que estamos sofrendo, e terão de pagar por todos os nossos mortos. Tudo é culpa da China.

Todo esse som e fúria nos força a focar outra vez o final de 2019, para verificar o que a inteligência dos EUA realmente sabia naquele momento sobre o que o mundo, adiante, identificaria como Sars-Cov-2.


“Tal produto não existe”

O padrão-ouro hoje ainda é a matéria de ABC News, segundo a qual a inteligência recolhida em novembro de 2019 pelo Centro Nacional de Inteligência Médica [ing. National Center for Medical Intelligence (NCMI), subsidiário da Agência de Inteligência da Defesa [ing. Defense Intelligence Agency (DIA)] do Pentágono, já alertava sobre nova doença virulenta contagiosa que estaria fora de controle em Wuhan, baseada em “análise detalhada de comunicações interceptadas e imagens de satélites”.

Fonte não identificada disse à ABC, que “analistas concluíram que poderia ser evento cataclísmico”, acrescentando que a inteligência foi “levada várias vezes” à DIA, aos comandantes do Estado-maior do Pentágono e até à Casa Branca.

Não surpreende que o Pentágono tenha sido forçado a emitir o proverbial desmentido – em pentagonês, em palavras de um coronel R. Shane Day, diretor do NCMI da DIA: “No interesse da transparência durante a atual crise de saúde, podemos confirmar que a matéria jornalística sobre a existência/distribuição de um produto/avaliação do NCMI (Centro Nacional de Inteligência Médica), em novembro de 2019, relacionado ao coronavírus, não é correta. Tal produto da NCMI não existe.”


Mark Esper, por Amorim, Brasil

Bem... Se esse “produto” existiu, o diretor do Pentágono e ex-lobbyista da empresa Raytheon Mark Esper saberia dele. Foi devidamente perguntado sobre o “produto” por George Stephanopoulos da ABC.

Pergunta: “O Pentágono recebeu avaliação de inteligência sobre COVID na China em novembro passado, do Centro de Nacional de Inteligência Médica da Agência de Inteligência da Defesa?”

Esper: “Oh, George, não consigo lembrar” (...). “Mas temos muita gente que acompanha isso bem de perto.”

Pergunta: “Essa avaliação foi feita em novembro, e a informação foi levada ao Conselho Nacional de Saúde no início de dezembro para avaliar o impacto na prontidão militar, o que, claro, tornaria a avaliação importante para o senhor, e a possível disseminação para os EUA. Quero dizer, o senhor teria sabido se houvesse comunicação ao Conselho Nacional de Segurança em dezembro, não?”

Esper: “Sim (…) “Não tenho ciência disso.”

Assim sendo “não existe o tal produto”, ok? É fake? É trama de Estado Profundo/CIA para pegar Trump? Ou são os suspeitos de sempre mentindo, à moda CIA?

Examinemos detalhes do pano de fundo essencial. Dia 12 de novembro, um casal da Mongólia Interior foi hospitalizado em Pequim, para ser tratado de peste pneumônica.

O Centro de Controle de Doenças (CCD) chinês, pela [rede] Weibo – o Twitter chinês – informou ao público em geral que as chance de se tratar de alguma nova epidemia eram “extremamente baixas.” O casal foi posto sob quarentena.

Quatro dias depois, um terceiro caso do que parecia ser a mesma doença foi identificado: um homem também da Mongólia Interior, sem qualquer relação com o casal. 28 pessoas haviam tido contado com o homem foram postas sob quarentena. Nenhum apresentou sintomas da peste pneumônica. A peste pneumônica tem sintomas de falência respiratória similares aos da pneumonia.

Apesar de o CDC repetir que “não é motivo para qualquer preocupação quanto ao risco de infecção”, é claro que houve muito ceticismo. O CCD pode ter confirmado publicamente, dia 12 de novembro, esses casos de febre pneumônica. Mas então Li Jifeng, médica no Hospital Chaoyang onde estavam sendo tratados os três doentes da Mongólia Interior, publicou, pelo privado, em WeChat, que os três haviam sido transportados para Pequim, de fato, dia 3 de novembro.

O ponto chave do postado de Li Jinfeng – mais tarde removido pelos censores – foi o seguinte: “Estou muito familiarizada com diagnóstico e tratamento da maioria das doenças respiratórias (…) Mas dessa vez continuo procurando mas não consigo atinar com o patógeno que causou a pneumonia. Pensei que fosse doença rara e não obtive muito mais informação, além da história dos pacientes.”

Mesmo que fosse esse o caso, o ponto chave é que os três casos da Mongólia Interior parecem ter sido causados por bactéria detectável. Covid-19 é causado pelo vírus Sars-Cov-2, não por bactéria. O primeiro caso de Sars-Covid-2 só foi detectado em Wuhan entre meados e o final de dezembro. E só no mês passado os cientistas chineses conseguiram rastrear com segurança o primeiro caso real de Sars-Cov-2, localizado dia 17 de novembro – alguns dias depois do trio da Mongólia Interior ter sido hospitalizado.


Wang Shan Jia, China

Saber precisamente onde procurar

É fora de questão que a inteligência dos EUA, nesse caso o Centro Nacional de Inteligência Médica [ing. NCMI], não soubesse desses desenvolvimentos na China, considerada a espionagem pela CIA e o fato de que essas discussões estavam no aberto em Weibo e WeChat. Assim sendo, se o “produto” do NCMI não é notícia forjada e realmente existe, o Centro só encontrara sinais, ainda em novembro, de algumas manifestações vagas de peste pneumônica.

Assim sendo, o alerta – para a Agência de Inteligência da Defesa, para o Pentágono, para o Conselho de Segurança Nacional e até para a Casa Branca – tratava disso. Não poderia tratar do coronavírus.

A questão inevitável, ardente, é a seguinte: como o Conselho Nacional de Inteligência da Medicina [ing. NCMI] poderia saber sobre uma pandemia viral, ainda em novembro, se os médicos chineses só identificaram positivamente os primeiros casos de um novo tipo de pneumonia dia 26 de dezembro?

Some-se a isso a intrigante questão de por que o NCMI estava tão interessado nessa específica temporada de gripe na China – desde casos da peste tratados em Pequim até os primeiros sinais de um “misterioso surto de pneumonia” em Wuhan.

É possível que tenha havido sinais sutis de atividade levemente aumentada em clínicas em Wuhan no final de novembro e início de dezembro. Mas naquele tempo ninguém – médicos chineses, e governo, para nem falar da inteligência dos EUA – poderia saber o que estivesse realmente acontecendo.

A China não poderia estar “encobrindo” o que só seria identificado como nova doença no dia 30 de dezembro, devidamente comunicada à Organização Mundial de Saúde. Então, dia 3 de janeiro, o diretor dos Centros para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA [ing. CDC], Robert Redfield, telefonou ao mais alto funcionário dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças da China. Cientistas chineses sequenciaram o vírus. E só dia 8 de janeiro ficou determinado que se tratava de Sars-Cov-2 – que provoca [a doença] Covid-19.

Essa cadeia de eventos reabre, mais uma vez, uma poderosa caixa de Pandora. Temos o Event 201, muito oportuno; a íntima relação entre a Fundação Bill & Melinda Gates e a Organização Mundial da Saúde, e temos também o Fórum Econômico Mundial e a galáxia Johns Hopkins em Baltimore, incluindo a Escola Bloomberg de Saúde Pública; o combo identidade digital ID2020/vacina; Dark Winter [Operação Inverno Escuro] – que simulou um bioataque de varíola contra os EUA, antes de o Iraque ser acusado pelo ataque de 2001, de anthrax; senadores dos EUA vendendo ações depois do briefing [e informação privilegiada] do diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças; mais de 1.300 CEOs fugindo de seus poleiros estofados, em 2019, “antevendo” colapso total do mercado; o Fed fazendo chover dinheiro de helicóptero já em setembro de 2019 – como parte de um Alívio Quantitativo 4 [ing. QE4].

E então, validando a matéria de ABC News, Israel entra em cena. Inteligência israelense confirma que a inteligência dos EUA realmente alertara em novembro sobre uma pandemia potencialmente catastrófica em Wuhan (repetindo: como poderiam saber disso na segunda semana de novembro, tão no início do jogo?) E aliado na OTAN também foram alertados – em novembro.

O âmago dessa questão é explosivo: o governo Trump e o Centro de Controle de Doenças foram alertados com nada menos que quatro meses de antecedência – de novembro a março – para que se preparassem devidamente para a chegada de Covid-19 aos EUA. E nada fizeram. A conversa de “China é uma bruxa!” está desmascarada.

Além disso, a revelação dos israelenses confirma algo absolutamente extraordinário: a inteligência dos EUA já sabiam sobre o Sars-Cov-2 quase um mês antes de serem confirmados os primeiros casos detectados pelos médicos de um hospital em Wuhan hospital. Como é possível? Intervenção divina?

Só poderia ter acontecido desse modo se a inteligência norte-americana já soubesse, com certeza, sobre cadeia anterior de eventos que levaria necessariamente ao “misterioso surto” em Wuhan. E mais: os norte-americanos também sabiam exatamente onde procurar. Não na Mongólia Interior, não em Pequim, não na província Guangdong.

Nunca será demais repetir toda a pergunta, por extenso: como a inteligência norte-americana poderia saber sobre doença contagiosa, um mês antes de os médicos chineses detectarem um vírus desconhecido?

Mike “Nós mentimos, Nós trapaceamos, Nós roubamos” Pompeo pode ter deixado escapar a verdade, entregando o jogo, quando disse, publicamente, que Covid-19 era um “exercício ao vivo”. Se se somam a matéria de ABC News e os relatórios israelenses, a única conclusão lógica possível é que o Pentágono – e a CIA – souberam com antecedência que uma pandemia seria inevitável.

Eis aí a pistola fumegante, a prova indesmontável. E agora o governo dos EUA mobiliza todo o seu poder para encobrir as próprias pegadas; para isso, tenta culpar proativamente e retroativamente, a China.

Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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