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O Estado Profundo contra a WikiLeaks

por Pepe Escobar | Strategic Culture Foundation

Resistir.info - 23 de abril, 2019

https://www.resistir.info/varios/assange_escobar_19abr19.html

A acusação a Julian Assange feita pelo FBI parece um sonâmbulo a passear. Nenhuma evidência. Sem documentos. Nenhum testemunho seguro. Só um fogo cruzado de condicionais.

Mas nunca subestime a chicana contorcionista dos funcionários do governo dos EUA. Ainda que Assange possa não ser caracterizado como jornalista e editor, o objectivo da declaração juramentada é acusá-lo de conspirar para cometer espionagem.

Na verdade, a acusação nem sequer é de que Assange tenha hackeado um computador do governo estado-unidense e obtido informações classificadas; é que ele pode ter discutido isso com Chelsea Manning e pode ter tido a intenção de fazer um hack. O estilo orwelliano do crime de pensamento não vai além disso. Agora, a única coisa que está a faltar é um software de inteligência artificial para detectá-los.

O conselheiro legal de Assange, Geoffrey Robertson – que também representa outro destacado prisioneiro político, o brasileiro Lula – foi directo ao assunto (aos 19:22 minutos): “A justiça que ele está a enfrentar é justiça, ou injustiça, na América… Eu esperaria que os juízes britânicos tivessem crença suficiente na liberdade de informação para rejeitar o pedido de extradição”.

Isso está longe de ser um facto consumado. Daí a consequência inevitável: A equipe legal de Assange está a preparar-se para provar, sem limitações, num tribunal britânico, que esta acusação do governo estado-unidense de conspiração para hackear computadores é apenas um prolegómeno para acusações subsequentes de espionagem, caso Assange seja extraditado para o solo dos EUA.

Tudo acerca do Vault 7

John Pilger, entre outros, já destacou como o plano para destruir a WikiLeaks e Julian Assange foi lançado em 2008 – no final do regime de Cheney – cozinhado pela obscura Divisão de Avaliações contra a Inteligência Cibernética (Cyber Counter-Intelligence Assessments Branch ) do Pentágono.

O objectivo exclusivo era criminalizar a WikiLeaks e enlamear Assange pessoalmente, usando “tropas de choque… alistadas nos media – aqueles que têm a pretensão de manter o registo correcto e dizer-nos a verdade”.

Este plano permanece mais do que activo – basta considerar como a prisão de Assange foi coberta pela maior parte dos media de referência dos EUA / Reino Unido.

Em 2012, já na era Obama, a WikiLeaks pormenorizou a surpreendente “escala da investigação do Grande Júri dos EUA” sobre si mesma. O governo dos EUA sempre negou a existência de um tal grande júri.

“O governo dos EUA pôs de pé e coordenou uma investigação criminal inter-agências da Wikileaks, composta por uma parceria entre o Departamento de Defesa (DOD), incluindo: CENTCOM; SOUTHCOM; a Agência de Inteligência da Defesa (DIA); Agência de Sistemas de Informação de Defesa (DISA); Sede do Departamento do Exército (HQDA); Divisão de Investigação Criminal do Exército dos EUA (CID) para USFI (Forças dos EUA no Iraque) e 1ª Divisão Blindada (AD); Unidade Investigativa de Crimes Informáticos do Exército dos EUA (CCIU); 2º Exército (Comando Cibernético do Exército dos EUA). Dentro disso ou além disso, três investigações de inteligência militar foram realizadas. Grande Júri do Departamento de Justiça (DOJ) e do Federal Bureau of Investigation (FBI), Departamento de Estado (DOS) e Serviço de Segurança Diplomática (DSS). Além disso, a Wikileaks tem sido investigada pelo Gabinete do Director de Inteligência Nacional (ODNI), pelo Gabinete do Executivo Nacional de Contra-Inteligência (ONCIX), pela Agência Central de Inteligência (CIA); pelo Comité de Supervisão da Câmara; pelo Comité Interinstitucional de Pessoal de Segurança Nacional e pelo PIAB (Conselho Consultivo de Inteligência do Presidente)”.

Mas foi só em 2017, na era Trump, que o Estado Profundo se tornou totalmente balístico; foi quando a WikiLeaks publicou os ficheiros da Vault 7 – pormenorizando o vasto repertório de espionagem hacker / cibernética da CIA.

Foi a revelação inédita da CIA como um Imperador Nu – incluindo as operações de supervisão desonestas do Centro de Inteligência Cibernética, um departamento ultra-secreto da NSA.

O WikiLeaks obteve os ficheiros da Vault 7 no início de 2017. Na época, a WikiLeaks já havia publicado os ficheiros do DNC [Democratic National Committee] – os quais o impecável Veteran Intelligence Professionals for Sanity (VIPS) provou sistematicamente serem uma fuga, não um hack.

A narrativa monolítica da facção Estado Profundo, alinhada com a máquina de Clinton, foi que “os russos” hackearam os servidores DNC. Assange sempre foi inflexível; esse trabalho não fora de um actor do Estado – e ele poderia provar isso tecnicamente.

Houve alguma movimentação rumo a um acordo, intermediado por um dos advogados de Assange: A WikiLeaks não publicaria a informação mais contundente da Vault 7 em troca da passagem segura de Assange para ser entrevistado pelo Departamento de Justiça dos EUA (DoJ).

O DoJ queria um acordo – e eles fizeram uma oferta à WikiLeaks. Mas o director do FBI, James Comey, o matou. A questão é saber porque.

É uma fuga, não um hack

Algumas reconstruções teoricamente sãs do movimento de Comey estão disponíveis. Mas o facto chave é que Comey já sabia – por meio das suas conexões estreitas com o topo do DNC – que isso não fora um hack e sim uma fuga.

O embaixador Craig Murray enfatizou repetidas vezes (ver aqui ) como os ficheiros do DNC / Podesta publicados pela WikiLeaks vieram de duas fontes diferentes dos EUA; uma de dentro do DNC e outra de dentro da inteligência dos EUA.

Não havia nada para Comey “investigar”. Ou haveria, se Comey tivesse ordenado ao FBI que examinasse os servidores do DNC. Então, para que conversar com Julian Assange?

O lançamento pela WikiLeaks, em Abril de 2017, dos mecanismos de malware embutidos no “Grasshopper” e no “Marble Framework” foram de facto uma bomba. É assim que a CIA insere cadeias (strings) de linguagem estrangeira no código-fonte a fim de disfarçá-los como originários da Rússia, do Irão ou da China. O inestimável Ray McGovern, membro do VIPS, destacou como o Marble Framework “destrói essa narrativa acerca do hacking russo”.

Não é de admirar que o então director da CIA, Mike Pompeo, tenha acusado a WikiLeaks de ser uma “agência de inteligência hostil não estatal”, habitualmente manipulada pela Rússia.

Joshua Schulte, o alegado vazador ( leaker ) do Vault 7, ainda não enfrentou um tribunal dos EUA. Não há dúvida de que lhe será oferecido um acordo pelo governo dos EUA se ele for agressivo no seu testemunho contra Julian Assange.

É uma estrada longa e sinuosa, a ser percorrida em pelo menos dois anos, se Julian Assange vier a ser extraditado para os EUA. Duas coisas para o momento já estão claras como cristal. O governo dos EUA está obcecado em encerrar a WikiLeaks de uma vez por todas. E por causa disso, Julian Assange nunca obterá um julgamento justo no chamado “Tribunal de Espionagem” do Distrito Leste da Virgínia, conforme pormenorizado pelo ex-responsável de contra-terrorismo da CIA e denunciante John Kiriakou.

Enquanto isso, a demonização ininterrupta de Julian Assange prosseguirá inabalável, fiel às directrizes estabelecidas há mais de uma década. Assange é até mesmo acusado de estar numa operação de inteligência dos EUA, e a WikiLeaks, um ramo de uma operação de cobertura do Estado Profundo.

Talvez o Presidente Trump manobre o Estado Profundo hegemónico para que Assange testemunhe contra a corrupção do DNC; ou talvez Trump ceda completamente à “agência de inteligência hostil” de Pompeo e sua gang da CIA a ladrar por sangue. É tudo um jogo de sombras com riscos ultra-altos – e o espectáculo nem mesmo começou.

Pepe Escobar nasceu em 1954 no Brasil, e desde 1985 trabalha como correspondente estrangeiro. Trabalhou em Londres, Milão, Los Angeles, Paris, Cingapura e Bangkok. A partir do final dos anos 1990s, passou a cobrir questões geopolíticas do Oriente Médio à Ásia Central, escrevendo do Afeganistão, Paquistão, Iraque, Irã, repúblicas da Ásia Central, EUA e China. Atualmente, trabalha para o jornal Asia Times que tem sedes em Hong Kong/Tailândia, como “The Roving Eye”; é analista-comentarista do canal de televisão The Real News, em Washington DC, e colaborador das redes Russia Today e Al Jazeera. É autor de três livros: Globalistan. How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge e Obama does Globalistan..

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