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A resistência inquebrantável de Gaza: uma perspectiva histórica sobre a guerra e suas consequências

Pouco importa como definimos a vitória ou a derrota de uma nação que ainda sofre as consequências de uma guerra de aniquilação. No entanto, é importante reconhecer que os palestinianos em Gaza se mantiveram firmes, apesar das imensas perdas, e continuaram. Isso só a eles pode ser creditado - uma nação que historicamente se mostrou inquebrantável. Esta verdade, enraizada na "longa história", permanece válida até hoje.

por Ramzy Baroud (PT) | Counterpunch.org

Pelo Socialismo - 3 de março, 2025

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Gaza’s return, Youtube screenshot.

O problema com a análise política é que muitas vezes ela carece de perspetiva histórica e limita-se principalmente a acontecimentos recentes. 

 

A análise atual da guerra israelita em Gaza é vítima desse pensamento estreito. O acordo de cessar-fogo, assinado entre grupos palestinianos e Israel sob mediação egípcia, catari e americana em Doha em 15 de janeiro, é um exemplo. 

 

Alguns analistas, incluindo muitos da região, insistem em enquadrar o resultado da guerra como resultado direto da dinâmica política de Israel. Eles argumentam que a crise política de Israel é a principal razão pela qual o país não conseguiu atingir os seus objetivos de guerra declarados e não declarados – ou seja, obter total "controle de segurança" sobre Gaza e limpar etnicamente a sua população. 

 

No entanto, essa análise pressupõe que a decisão de ir para a guerra ou não está inteiramente nas mãos de Israel. Continua a elevar o papel de Israel como a única entidade capaz de moldar os resultados políticos na região, mesmo quando esses resultados não favorecem Israel. 

 

Outro grupo de analistas concentra-se inteiramente no fator americano, alegando que a decisão de terminar a guerra acabou por caber à Casa Branca. Pouco depois do cessar-fogo ter sido oficialmente declarado em Gaza, um canal de TV pan-árabe perguntou a um grupo de especialistas se era o governo Biden ou Trump que merecia crédito por supostamente "pressionar Israel" a concordar com um cessar-fogo. 

 

Outros  argumentam que foi o enviado de Trump a Israel, Steve Witkoff, que negou ao primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu qualquer espaço de manobra, forçando-o, embora com relutância, a aceitar os termos do cessar-fogo. 

 

Outros ainda rebatem dizendo que o acordo foi inicialmente apresentado pelo governo Biden.  Argumentam que a diplomacia supostamente ativa de Biden acabou por levar ao cessar-fogo. 

O último grupo não reconhece que foi o apoio incondicional de Biden a Israel que sustentou a guerra. A constante rejeição do seu enviado à ONU dos pedidos de cessar-fogo no Conselho de Segurança tornou irrelevantes os esforços internacionais para parar a guerra. 

 

O primeiro grupo, no entanto, ignora o facto de que a sociedade israelita já estava num ponto de rutura. A guerra em Gaza provou ser invencível. Isso significa que, quer Trump tenha pressionado Netanyahu ou não, o resultado da guerra já estava selado. Continuar a guerra significaria a implosão da sociedade israelita. 

 

Do lado palestiniano, algumas análises - filiadas numa fação ou noutra - exploram o resultado da guerra para obter ganhos políticos. Esse tipo de pensamento é extremamente insensível e deve ser totalmente rejeitado. 

 

Há também aqueles que esperam desempenhar um papel na reconstrução de Gaza para elevar o seu poder político e financeiro e aumentar a sua influência. Esta é uma postura vergonhosa, dada a destruição total de Gaza e a necessidade urgente de recuperar os milhares de corpos presos sob os escombros, bem como de curar os feridos e o conjunto da sua população. 

 

Uma coisa que todas essas análises ignoram é que Israel falhou em Gaza porque a população de Gaza se mostrou inquebrantável. Tais noções são frequentemente negligenciadas nas principais discussões políticas, que tendem a comprometer-se com uma linha elitista. Essa linha está totalmente afastada das lutas diárias e das escolhas coletivas das pessoas comuns, mesmo quando alcançam feitos extraordinários. 

 

A história de Gaza é ao mesmo tempo de dor e orgulho. Ela remonta a civilizações antigas e inclui grande resistência contra invasões, como o cerco de três meses mantido por Alexandre, o Grande, e o seu exército macedónio em 332 aC. 

 

Naquela época, os habitantes de Gaza resistiram e suportaram durante meses, antes de o seu líder, Batis, ter sido  capturado, torturado até à morte e a cidade saqueada. 

 

Essas lendária resiliência e sumoud (firmeza) provaram ser cruciais em várias outras lutas contra invasores estrangeiros, incluindo a resistência ao exército de Napoleão Bonaparte em 1799. 

 

Mesmo que parte da população atual de Gaza desconheça essa história, eles são um produto direto dessa história. Nesta perspetiva, nem a dinâmica política israelita, a mudança do governo dos EUA nem qualquer outro fator são relevantes. 

 

Isto é conhecido como “história longa ” ou de longue durée. Longe de ser apenas um conceito académico, o longo legado de resistência contra a injustiça moldou a mentalidade coletiva da população palestiniana em Gaza ao longo dos anos. De que outra forma podemos explicar como é que uma população pequena, isolada e empobrecida, a viver num pedaço de terra tão pequeno, conseguiu suportar um poder de fogo equivalente a muitas bombas nucleares? 

 

A guerra terminou porque Gaza resistiu - não por causa da bondade de um presidente americano. É crucial que enfatizemos esse ponto repetidamente, em vez de procurar respostas inconclusivas e irracionais. 

 

Pouco importa como definimos a vitória ou a derrota de uma nação que ainda sofre as consequências de uma guerra de aniquilação. No entanto, é importante reconhecer que os palestinianos em Gaza se mantiveram firmes, apesar das imensas perdas, e continuaram. Isso só a eles pode ser creditado  - uma nação que historicamente se mostrou inquebrantável. Esta verdade, enraizada na "história longa", permanece válida até hoje. 

Tradução de TAM

Ramzy Baroud, nascido num campo de refugiados em Gaza e vivendo em Seattle (EUA), é jornalista, autor e editor de The Palestine Chronicle. Ele é o autor de The Second Palestinian Intifada: A Chronicle of a People’s Struggle e My Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold Story (Pluto Press, London). Seu livro mais recente é The Last Earth: A Palestinian Story [A última terra: uma história palestina] (Pluto Press, London) e está concluindo o próximo livro, These Chains Will Be Broken: Palestinian Stories of Struggle and Defiance in Israeli Prisons’ [Esses grilhões serão quebrados: histórias palestinas de luta e desafio em prisões israelenses] (Clarity Press, Atlanta). Baroud é Ph.D. em Estudos Palestinos, da University of Exeter.

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