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Ninguém é inocente no colapso do Golfo de Omã - mas a "evidência" de Trump sobre o papel do Irã é, na melhor das hipóteses, desonesta

No mundo real, deveria haver uma aliança militar entre os EUA e o Irã. Mas como a retirada do acordo nuclear mostrou no ano passado, Washington não se move mais por nenhuma órbita conhecida

por Robert Fisk | The Independent

Carta Maior - 18 de junho, 2019

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Ninguem-e-inocente-no-colapso-do-Golfo-de-Oma-mas-a-evidencia-de-Trump-sobre-o-papel-do-Ira-e-na-melhor-das-hipoteses-desonesta/6/44410

O excêntrico presidente dos Estados Unidos da América distorceu tanto com a verdade nos últimos 29 meses que não importa quantas "provas" ele e sua equipe produzam para provar que os iranianos estão tentando explodir petroleiros no Golfo de Omã - ou não exatamente explodi-los - as imagens têm uma espécie de qualidade mesmérica sobre eles.

As fotos de inauguração de Donald Trump em 2017 foram editadas para “provar” que havia mais apoiadores no Washington Mall do que realmente estavam lá. E agora sua administração, ansiosa para provar que os iranianos estão atacando petroleiros, libera filmagens de vídeo de iranianos, na realidade, removendo uma mina naval do casco de uma embarcação japonesa.

Bem, isso prova tudo, não é? Esses irritantes iranianos não conseguem nem mesmo bombardear seus alvos profissionalmente - então eles voltam mais tarde para recuperar uma mina porque provavelmente diz “Made in Iran ” nos explosivos.

Porque isso os entregariam, não é? Então, surge que a tripulação do petroleiro acredita que foi atacada por projeteis - e bombas não voam. A tripulação em outro navio bombardeado sugere um torpedo. E com base nisso, Washington está agora “construindo um consenso” entre seus aliados para a resposta “decisiva” que os sauditas amigos de Trump estão exigindo contra o Irã em vingança por esses e mais antigos ataques não-letais nos Emirados.

E o nosso querido secretário de Relações Exteriores, sempre consciente de que precisa da maioria dos 120.000 votos mais fiéis do partido para torná-lo o próximo Tory Ayatollah, está "confiante" de que os iranianos estavam atrás dos atentado. Presumivelmente, o Aiatolá - por isso Jeremy Hunt deve permanecer, a menos que ele se torne o Líder Supremo - também acreditava nas fotos manipuladas das multidões dando as boas-vindas à presidência de Trump no National Mall, em Washington.

Pessoalmente, suspeito que os iranianos tem realizado seus antigos truques de bombardeios no Golfo, praticado pela primeira vez em 1988 nos superpetroleiros que a Marinha dos EUA estava escoltando até o Kuwait, no final da guerra Irã-Iraque quando na verdade os navios de guerra americanos tinham que se esconder atrás dos petroleiros, caso eles também fossem bombardeados. Naquela ocasião, os americanos realmente encontraram uma tripulação de iranianos retirando bombas de um antigo navio de desembarque. Eles capturaram os marinheiros iranianos e até lhes deram a opção de asilo político na Terra dos Livres. Loucos insensatos, todos recusaram a oferta.

Além disso, se o Hezbollah disparasse com sucesso um míssil mar -mar fornecido pelo Irã em uma canhoneira naval israelense no Líbano em 2006 - o que eles fizeram, incendiando o navio e matando vários membros da tripulação israelense - duvido que o Teerã tenha muitos escrúpulos em ensinar os houthis a usar drones para ataques com foguetes na Arábia Saudita.

Se as munições americanas - lançadas pelos sauditas e pelos Emirados Árabes Unidos - estão explodindo os rebeldes, escolas, hospitais, festas de casamento do Houthi, etc, no Iêmen - por que seria surpreendente se os houthis usassem munições iranianas para tentar explodir os aeroportos sauditas? Com um pouco mais de treinamento, os houthis podem até mesmo alcançar a proeza técnica de seus inimigos sauditas e dos emirados ao também disparar foguetes contra escolas, hospitais e festas de casamento etc., na Arábia Saudita.

Há também um toque "Suez" sobre tudo isso. Quando o mais exasperado Anthony Eden mergulhou com os franceses e israelenses no fiasco de Suez em 1956, Eisenhower teve que enviar Dulles a Londres para controlar o primeiro-ministro britânico. Eden se tornou um pouco banal, alegando que Nasser, cujo país ele planejava invadir, era o "Mussolini do Nilo". As instruções de Dulles foram dizer ao Eden: "Pare, moleque!" Durante meses depois, Eden ainda estava mentindo para a Câmara dos Comuns, insistindo que toda a bagunça NÃO havia sido planejada com os israelenses - o que tinha sido - sua falsa negação da trama realmente acreditada pela maioria do partido Conservador na época e provavelmente pela maioria dos britânicos.

Eu acho que é por isso que eu acho algo profundamente estranho sobre todo esse futuro conflito entre os EUA e o Irã. Alguns dias atrás, em Beirute depois de uma longa jornada pelo Líbano, forcei-me a ler os últimos meses de notícias sobre a próxima guerra entre os EUA e o Irã - embora eu acredite, e continue a ter certeza, que este iminente Armagedom é uma invenção da imaginação de Trump-Bolton-Pompeo. E da imaginação da mídia americana - que teme que Trump possa começar uma guerra, mas, diante de suas manchetes empolgantes e muito menos seus relatórios, ainda mais temerosos de que ele talvez não comece uma guerra.

Talvez seja o puro esgotamento de ler o tamanho da hipocrisia da Casa Branca sobre o apoio de Trump aos cruéis ditadores árabes do Oriente Médio e decapitadores - e esquartejadores de cadáveres - que eu quase me convenci de que foram os desonestos, mentirosos, beligerantes iranianos que renegaram o solene acordo nuclear, alegando falsamente que Washington não honrou o acordo.

No entanto, é claro, lembrei-me de que eram os desonestos, mentirosos, beligerantes americanos que renegaram o solene acordo nuclear, alegando falsamente que Teerã não havia honrado o acordo.

Mas essa é a vida no Mundo de Trump agora.

Os iranianos, que sempre entenderam o Ocidente muito melhor do que o Ocidente jamais entendeu os iranianos, sabem muito bem como recusar um drone aqui e uma mina naval lá, enquanto cada vez mais diligentemente puxando um ou outra da águia americana. Os iranianos não são inocentes.

Não há gente boa nessa história. E com certeza, se o Irã tentar fechar o Estreito de Ormuz, os Estados Unidos podem reagir com essa "resposta decisiva" construída por um consenso, convocada pelos sauditas e assinada pelo Hojatoleslam Hunt. Mas o Irã não é tão estúpido assim. Por que a República Islâmica deveria lutar contra os americanos quando foram os EUA que humilharam seus principais inimigos pós-revolução: os talibãs e depois Saddam e depois Ísis? Os iranianos eram- ou deveriam ter sido - extremamente gratos.

No mundo real,claro, deveria haver uma aliança militar entre os EUA e o Irã. Mas Washington não se move mais por nenhuma órbita conhecida. Se você quiser entender a política do Trump-Bolton para o Oriente Médio agora, acho que o que você pode fazer é visitar pacientes em qualquer hospital psiquiátrico e eles te atualizarão.

A Rússia e a China, no entanto, vivem no planeta Terra. Eles provavelmente viram as fotos do numero reduzido de apoiadores de Trump no Washington Mall e tiraram suas próprias conclusões. Então aguarde ouvir Vladimir Putin ou Xi Jinping, embora duvidosos aliados de Teerã, gritando para Trump: "Pare, muleque!"

Tradução de Cristiane Manzato

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Robert Fisk é filho de um ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e Portugal. Em 1976, foi convidado por seu editor no The Times onde trabalhou até 1988 substituindo o correspondente do jornal no Médio Oriente. Mudou para o The Independent em 1989- após uma discussão com seus editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimento. Cobriu a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Robert Fisk é o correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000.

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