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As ameaças comerciais de Trump são a Guerra Fria 2.0

por Michael Hudson | The Saker

Resistir.info - 14 de junho, 2019

https://www.resistir.info/crise/hudson_14jun19.html

O presidente Trump ameaçou o presidente Xi, da China, que, se não se encontrassem e conversassem nas próximas reuniões G20 no Japão, em 29-30 de Junho, os Estados Unidos não aliviariam a sua guerra de tarifas e de sanções económicas contra as exportações e a tecnologia chinesas.

Na verdade, haverá uma qualquer reunião entre líderes chineses e norte-americanos, mas não será uma verdadeira negociação. Essas reuniões normalmente são planeadas de antemão, por funcionários especializados que trabalham em conjunto para preparar um acordo a ser anunciado pelos seus chefes de estado. Essa preparação não se realizou, nem pode realizar-se. Trump não delegou autoridade.

Abre as negociações com uma ameaça. Isso não custa nada e nunca sabemos (pelo menos, ele nunca sabe) se consegue obter um prémio. Essa ameaça é que os Estados Unidos podem ferir o seu adversário a não ser que o país concorde em se submeter à lista de desejos da América. Mas, neste caso, a lista é tão irrealista que os "media" se sentem embaraçados em falar nela. Os EUA estão a fazer exigências impossíveis para uma rendição económica – que nenhum país pode aceitar. O que à superfície parece ser apenas uma guerra comercial é, na verdade, uma verdadeira Guerra-fria 2.0.

Lista de desejos da América: subserviência neoliberal dos outros países

O que está em jogo é se a China aceitará fazer o que a Rússia fez nos anos 90: pôr planeadores neoliberais fantoches, tipo Yeltsin, para mudar o controlo da economia do seu governo para o sector financeiro norte-americano e para os seus planeadores. Portanto, a luta é sobre o tipo de planeamento que a China e o resto do mundo devem ter: através de governos que aumentem a prosperidade ou do sector financeiro que extraia receitas e imponha a austeridade.

A diplomacia dos EUA pretende tornar os outros países dependentes das suas exportações agrícolas, do seu petróleo (ou do petróleo que os EUA e seus aliados controlam), das suas informações e da tecnologia militar. Esta dependência comercial permitirá aos estrategas norte-americanos impor sanções que privem as economias de alimentos básicos, de energia, de comunicações e de peças sobressalentes, se resistirem às exigências dos EUA.

O objetivo é conseguir o controlo financeiro dos recursos mundiais e obrigar os "parceiros" comerciais a pagar juros, taxas de concessão e altos preços por produtos de que os EUA detêm "direitos" de monopólio por propriedade intelectual. Uma guerra comercial visa, pois, tornar os outros países dependentes dos alimentos, do petróleo, da banca e da finança, controlados pelos EUA, ou dos bens de alta tecnologia, cuja falta provocará austeridade e sofrimento até o "parceiro" comercial se render.

Intenção da China dar a Trump uma "vitória"

As ameaças são baratas, mas Trump não pode avançar sem virar contra si os agricultores, a Wall Street e o mercado de ações, a Walmart e grande parte do setor de informática, por altura das eleições, se as tarifas sobre a China aumentarem o custo de vida e os negócios. A sua ameaça diplomática representa que os EUA cortarão a garganta económica, impondo sanções aos seus próprios importadores e investidores, se a China não aceitar.

É fácil ver qual será a resposta da China. Vai manter-se de lado e deixar que os EUA se autodestruam. Os negociadores sentem-se muito satisfeitos em "oferecer" tudo o que a China planeou fazer e deixar Trump alardear que foi uma "concessão" que ele conquistou.

A China tem um ótimo adoçante que acho que o presidente Xi Jinping devia oferecer: Pode nomear Donald Trump para o Prémio Nobel da Paz. Sabemos que ele quer o que o seu antecessor Barack Obama recebeu. E ele não merece mais? Afinal, está a ajudar a unir a Eurásia, a empurrar a China e a Rússia para uma aliança com os países vizinhos, aproximando-se da Europa.

Trump pode ser demasiado narcisista para perceber esta ironia. Fomentando a independência comercial asiática e europeia, a independência nacional, a independência alimentar e a independência informática, por causa das sanções dos EUA, Trump deixará os EUA isolados no multilateralismo emergente.

O desejo da América de um Yeltsin chinês neoliberal (e outro Yeltsin russo, já agora)

Um bom diplomata não faz exigências quando a única resposta pode ser "Não". Não há hipótese de a China desmantelar a sua economia mista e virar-se para os EUA e outros investidores globais. Não é segredo nenhum que os EUA conseguiram a supremacia industrial mundial no final do século XIX e início do século XX através de pesados subsídios ao setor público no ensino, nas estradas, nas comunicações e noutras infraestruturas básicas. As economias modernas, privatizadas, financiadas e "Thatcherizadas" têm um alto custo e são ineficazes.

Contudo, os funcionários dos EUA teimam no seu sonho de promover qualquer líder chinês neoliberal ou partido de "mercado livre" a fim de provocar os danos que Yeltsin e os seus conselheiros americanos realizaram na Rússia. A ideia dos EUA de um acordo "vantajoso para ambas as partes" é de um acordo em que a China seja "autorizada" a crescer na medida em que concordar tornar-se um satélite financeiro e comercial dos EUA, e não um competidor independente.

A raiva comercial de Trump é que outros países sigam pura e simplesmente a mesma estratégia económica que outrora tornou grande a América, mas que os neoliberais destruíram aqui e em grande parte da Europa. Os negociadores dos EUA são incapazes de reconhecer que os Estados Unidos perderam a sua vantagem industrial competitiva e tornaram-se uma economia rentista (rentier) de alto custo. O seu PIB é "vazio", é constituído essencialmente por rendas, lucros e ganhos de capital das Finanças, Seguros e Imobiliário (FIRE), enquanto as infraestruturas do país se degradam e a sua força de trabalho é reduzida a uma economia a tempo parcial. Nestas condições, o efeito de ameaças comerciais é que só pode acelerar o impulso de outros países para se tornarem economicamente auto-suficientes.

Tradução de Margarida Ferreira

Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College. Ele é ex-analista de Wall Street, consultor político, comentarista e jornalista, além de colaborador do The Hudson Report, um podcast semanal de notícias econômicas e financeiras produzido pela Left Out. Na opinião de Paul Craig Roberts, Hudson é o melhor economista da atualidade.

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