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Os Houthis colocam Biden em situação delicada

A intervenção das milícias iemenitas no actual conflito no Médio Oriente conseguiu fazer paralisar quase por completo o tráfego marítimo no Mar Vermelho. O que reivindicam é elementar: a cessação do genocídio em Gaza e chegada de assistência humanitária ao martirizado povo palestiniano. Mas a resposta dos EUA foi improvisar uma frota de “coligação” de dez países (da qual, ao que parece, a Espanha já se retirou) para a zona. Os EUA já não conhecem outro meio de acção senão a escalada militar. Mas, como observa Alastair Crooke, raciocinam segundo padrões de um tempo que já lá vai.

por Mike Whitney (PT) | The Unz Review

ODiario.info - 28 de dezembro, 2023

https://www.odiario.info/os-houthis-colocam-biden-em-situacao/

“O Iémen disse que pararia o bloqueio dos navios com destino a Israel assim que fosse permitida a entrada de suficientes alimentos, água e medicamentos em Gaza. Acho que isso é pedir demasiado”. Elizabeth Murray@elizabethmurra

A milícia Houthi do Iémen mostrou como um pequeno exército pode enfrentar o Império Americano e vencer. Mostraram como a coragem, a determinação e o compromisso com princípios podem actuar como um multiplicador de forças, permitindo que um exército muito mais fraco “dê golpes superiores às suas forças”. Mostraram também que alguns mísseis bem colocados em locais-chave nas rotas marítimas mais críticas do mundo podem fazer tremer a economia global e abalar a “ordem baseada em regras” até aos seus alicerces. Em suma, os Houthis mostraram que David pode derrubar Golias sem suar muito, desde que David mantenha a sua posição ao longo do estreito de Bab-al-Mandab.

O que se está a passar é o seguinte: Os Houthis ocupam uma área ao longo da parte mais estreita do Mar Vermelho que é o corredor de navegação mais importante do mundo. É “responsável por 12% do comércio internacional e quase um terço do tráfego global de contentores”. Quando o movimento de navios é perturbado ao longo desta via navegável, os prémios de seguro disparam, os preços das mercadorias a retalho sobem e os preços do petróleo disparam. É por isso que as potências ocidentais estão empenhadas em manter estas rotas marítimas sempre abertas, custe o que custar. Eis alguns dados da CNN:

Os rebeldes Houthi do Iémen, apoiados pelo Irão, estão a intensificar os ataques a navios no Mar Vermelho, que dizem ser uma vingança contra Israel pela sua campanha militar em Gaza.

Os ataques obrigaram algumas das maiores companhias de navegação e petrolíferas do mundo a suspender o trânsito através de uma das rotas comerciais marítimas mais importantes do mundo, o que poderá causar um choque na economia global.

Acredita-se que os Houthis tenham sido armados e treinados pelo Irão e teme-se que os seus ataques possam transformar a guerra de Israel contra o Hamas num conflito regional mais vasto. Who Are The Houthis, CNN

Actualmente, estas rotas marítimas estão efectivamente fechadas devido aos ataques dos Houthis a navios com destino a Israel. Este facto, por sua vez, reduziu o tráfego global a um ritmo arrastado. Se a situação actual se mantiver ou se agravar, o impacto na economia mundial poderá ser catastrófico.
Mais do Washington Post:

Na segunda-feira, o gigante petrolífero BP tornou-se a mais recente empresa a anunciar que iria suspender os seus carregamentos através do Mar Vermelho. Várias companhias de navegação, incluindo a MSC, a Maersk, a Euronav e o Grupo Evergreen, disseram que também estão a evitar o Canal do Suez, uma vez que os militantes têm como alvo navios de carga.

Cerca de 10% de todo o comércio marítimo de petróleo passa pelo Mar Vermelho - que se liga ao Mar Mediterrâneo através do Canal do Suez. Sem acesso à rota do Mar Vermelho, muitos navios terão de fazer uma viagem muito mais longa e dispendiosa à volta de África para chegar aos seus destinos….
A comunidade mundial deve continuar a envidar todos os esforços diplomáticos possíveis para apoiar a segurança e a navegação segura nesta região, que é vital para o comércio internacional. New U.S.-led Red Sea task force won’t stop shipping attacks, Houthis say, Washington Post

É de notar que os Houthis têm dito repetidamente que os navios que NÃO se destinam a portos israelitas não serão atacados. Mas isso não impediu que todas as grandes companhias de navegação desviassem os seus navios do Mar Vermelho para o Cabo da Boa Esperança. Esta rota alternativa acrescenta semanas ao tempo de navegação, obrigando as transportadoras a aumentar os preços das suas cargas e a ajustar os seus horários. Conclusão: A acção dos Houthis vai aumentar ainda mais a inflação nos países ocidentais, empurrando as suas economias para uma queda abrupta e prolongada.

Surpreendentemente, os Houthis não têm nada a ganhar com as suas acções. Na verdade, estão a colocar-se em grande risco (de retaliação por parte dos Estados Unidos) para pressionar Israel a deter o seu implacável bombardeamento da Faixa de Gaza e permitir que o esfomeado povo palestiniano tenha acesso a alimentos, água e medicamentos. Os Houthis deveriam provavelmente ser aplaudidos pela sua altruísta compaixão e humanidade, mas Washington não vê as coisas dessa forma. Não pensam que a acção dos Houthis seja louvável, virtuosa ou justa. Vêem-na como um desafio à primazia norte-americana. Vêem-na como uma ameaça à sua hegemonia regional e liderança global. Vêem-na como uma interferência na sua política de Gaza, na qual foi dada carta branca a Israel para matar e mutilar tantos palestinianos quantos entender, a fim de alcançar o seu próprio objectivo estratégico, que é o Grande Israel. Assim, o que temos é uma força imparável e um objecto inamovível. Temos dois pontos de vista opostos e nenhuma forma de resolver as suas diferenças sem um confronto militar directo. Isso significa que vai haver problemas num futuro muito próximo.

E é por isso que, na passada segunda-feira, o Secretário da Defesa Lloyd Austin anunciou que tinha reunido uma coligação marítima de dez membros que iria patrulhar as vias navegáveis do Mar Vermelho e defender a “liberdade de navegação” nessa área. (Os membros da coligação incluem: Grã-Bretanha, Bahrein, Canadá, França, Itália, Holanda, Noruega, Seychelles e Espanha).

Uma pessoa sensata poderia perguntar-se por que razão Austin reuniria mais uma improvisada coligação militar - cujos objectivos estratégicos estão longe de ser claros - em vez de contactar primeiro a liderança Houthi para ver se era possível chegar a um acordo e evitar um confronto. Mas aqueles que têm acompanhado a política externa dos EUA nos últimos 30 anos sabem que os EUA não negoceiam com pessoas ou países que consideram seus inferiores. Por isso, essa opção foi rapidamente descartada. Em vez disso, os EUA decidiram adoptar a sua abordagem tradicional às crises emergentes, que envolve uma quantidade razoável de retórica incendiária seguida de uma cajadada militar. E parece ser essa a direção que as coisas estão agora a tomar. Veja este excerto de um artigo de John Helmer:

“… na segunda-feira, no jornal moscovita Vedomosti, foi noticiado que peritos russos esperam que “muito provavelmente, os americanos lancem ataques com mísseis e bombas contra centros de comando e depósitos militares dos Houthis, ou que se sigam ataques dirigidos por forças especiais para eliminar os comandantes do movimento. A operação será mais ou menos comparável às acções dos aliados ocidentais na Síria ou no Iraque”. O jornal afirmou que, de acordo com a sua fonte, “as forças militares da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos podem participar na operação - as suas forças armadas e os seus representantes têm travado uma guerra lenta contra os aliados do Irão no Iémen desde 2015. John Helmer, Dancing With Bears

E publicações respeitadas nos meios de comunicação ocidentais também estão a apelar a uma guerra contra os Houthis. Isto é do The World Socialist Web Site:
Os meios de comunicação dos EUA estão, entretanto, a agitar para que a administração Biden vise tanto o Iémen como o Irão. Num editorial, o Wall Street Journal escreveu: “A imprensa está a referir que o governo Biden está a contemplar o uso de força militar em resposta aos contínuos ataques à navegação comercial pela milícia Houthi no Iémen. Já não era sem tempo. Os ataques Houthi com mísseis representam a ameaça mais significativa à navegação global em décadas e continuarão a menos que uma coligação global se una para os deter.

O Journal continuou: “A questão é se os EUA e outras marinhas ocidentais vão apenas jogar à defesa e interceptar mísseis enquanto os Houthis estabelecem os termos da batalha. Mais cedo ou mais tarde, um míssil Houthi pode passar pelas defesas navais dos EUA e matar marinheiros americanos. Nessa altura, a Casa Branca não terá outra alternativa senão ripostar”. O Journal exige que os EUA aumentem a escalada contra o Irão, declarando: “Eventualmente, os governantes do Irão têm de saber que os seus activos - militares e nucleares - estão em risco se continuarem a fomentar a desordem, a atacar aliados dos EUA e a visar bases ou navios americanos.” As Gaza genocide continues, US prepares major escalation of war throughout Middle East, World Socialist Web Site

Portanto, há definitivamente um elemento no interior do establishment da política externa que apoia a ideia de uma guerra no Iémen. Esperamos que esta “corrida para a guerra” ganhe força nas próximas semanas, à medida que mais navios forem desviados para África e as hostilidades continuarem a aumentar. Mas não há sinais de que os Houthis vão abrandar as suas exigências ou tão cedo abandonar a causa palestiniana. Pelo contrário, parecem estar mais decididos do que nunca, como é evidente nesta citação do membro do Conselho Houthi Muhammad al-Bukhaiti,
“Mesmo que os Estados Unidos consigam mobilizar o mundo inteiro, as nossas operações no Mar Vermelho não pararão se o massacre em Gaza não parar. Não renunciaremos à responsabilidade de defender os Moustazafeen (oprimidos) da Terra.”

Não há muito espaço de manobra aqui. Os Houthis querem o fim da violência e a distribuição de ajuda humanitária. E estão dispostos a entrar em guerra com os Estados Unidos para garantir que as suas exigências são satisfeitas. E ninguém sabe melhor do que os Houthis o que isso significa. Durante os 9 anos em que estiveram em guerra com a Arábia Saudita, Washington forneceu as armas e o poder de embargo que levaram à morte de cerca de 377 mil pessoas. “Mais de metade morreu devido à fome e a doenças causadas pelo cerco.” (Antiwar.com)

Portanto, os Houthis sabem a selvajaria de que Washington é capaz. Mesmo assim, não estão a recuar nem a ceder. Vai haver um cessar-fogo ou vai haver uma guerra. Cabe a Biden decidir. Mas se ele optar pela guerra, deve perceber que não vai ser fácil. Oh, não. Vai haver ataques a bases americanas, navios de guerra americanos e campos de petróleo e infra-estruturas sauditas. Os preços do petróleo vão disparar, a navegação comercial vai ficar paralisada e as acções globais vão cair. E, durante todo esse tempo, a China e a Rússia estarão a assistir, enquanto o Tio Sam drena a sua última grama de credibilidade e poder para um buraco negro na Península Arábica.

Foi assim que o líder Houthi Sayyed Abdul-Malik al-Houthi resumiu a situação:
“Se os EUA querem entrar em guerra connosco, devem saber que os esperamos. Queremos uma guerra directa entre o Iémen, os EUA e Israel. Não temos medo dos Estados Unidos e todo o povo do Iémen se levantará contra eles”.

Esta é uma guerra que os Estados Unidos podem facilmente evitar simplesmente “fazendo a coisa certa” e aprovando um cessar-fogo agora. Isso porá um rápido fim às atrocidades de Israel e, ao mesmo tempo, acabará com os ataques à navegação comercial. Essa é uma solução com que todos podemos conviver.

Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha regulamente como articulista freelance nos últimos 7 anos. Em 2006 recebeu o premio Project Censored por uma reportagem investigativa sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na presidência dos EUA. Escreve regularmente em Counterpunch e vários outros sites. É co-autor do livro Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle edition.

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