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Inflação produzida por aumento dos lucros

por Michael Roberts (pt-BR) | The Next Recession Blog

Economia e Complexidade - 3 de agosto, 2023

https://eleuterioprado.blog/2023/08/03/inflacao-provocada-por-aumento-dos-lucros/

O último relatório de emprego da OCDE é um revelador da crise do custo de vida. Eis que permite saber se os aumentos salariais ou os lucros deram a maior contribuição para o aumento da inflação. Sobre os salários, a OCDE constata que os salários reais caíram em média 3,8% no último ano na OCDE. Pois, o relatório afirma: “Os mercados de trabalho elevaram os salários nominais, mas menos do que a inflação, levando a uma queda dos salários reais em quase todas as indústrias e países da OCDE.”

As quedas variaram consideravelmente de país para cada país da OCDE. As maiores quedas foram na Escandinávia e no Leste Europeu, onde os preços da energia subiram mais devido à perda de petróleo e gás russos, enquanto a queda dos EUA é uma das mais baixas, já que os preços da energia, embora subindo, não dispararam tanto. A Europa teve que mudar da energia de gasodutos da Rússia para passar a receber gás natural liquefeito (GNL), muito mais caro por causa do transporte.

O estudo da OCDE também revela em detalhes quanto do aumento das taxas de inflação desde o início da pandemia de COVID até agora se deve aos lucros – e aos salários. Na verdade, os salários contribuíram para uma redução implícita das taxas de inflação observadas.

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Parece que, em média (não ponderada) para a OCDE como um todo, os lucros por unidade de produção aumentaram cerca de 22% do final de 2019 até o 1º trimestre de 2023, enquanto os salários por unidade de produção aumentaram cerca de 16%. Em alguns países, o papel dos lucros no aumento dos preços foi muito maior em comparação com os salários: Suécia 27% lucros aumentam contra 9% salários aumentam; Alemanha 24% contra 10%; Áustria 23% contra 10%.

O maior aumento nos lucros durante a espiral inflacionária ocorreu na Hungria, com mais de 60%, seguido pelos países do Leste Europeu, com mais de 30%. Os aumentos salariais e de lucro por unidade de produção nos EUA foram aproximadamente iguais em 14% cada. Apenas Portugal registou uma contribuição significativamente superior dos salários por unidade de produção (18%) do que dos lucros (9%).

A OCDE concorda com o autor deste blog (The next recession) e com muitos outros que o pico da inflação ocorreu devido ao aumento dos preços das commodities e da energia, o qual foi causado por bloqueios da cadeia de suprimentos após o fim da pandemia e depois acelerado pela invasão russa da Ucrânia.

Como diz o relatório da OCDE: “O aumento inicial da inflação foi em grande parte importado em muitos países, pois foi impulsionado pela alta dos preços das commodities e da energia. No entanto, ao longo de 2022, a inflação se tornou mais ampla, com custos mais altos sendo cada vez mais repassados para os preços de bens e serviços domésticos”.

Logo, a inflação não pode ter sido causada por aumentos salariais, os quais nunca acompanharam a espiral inflacionária. Mais uma vez, eis o relatório da OCDE diz: “As evidências não oferecem nenhuma indicação ou sinal de que ocorreu uma espiral preço-salário até agora. O crescimento nominal acelerou, mas não apresenta sinais claros de aceleração adicional significativa entre os países. A diferença dos aumentos salarias em relação à inflação parece estar diminuindo nos últimos meses, principalmente por causa de um declínio lento da própria inflação. No entanto, a erosão dos salários reais ainda não parou na grande maioria dos países da OCDE.”

De fato, os aumentos dos lucros foram um fator mais importante para sustentar o aumento da inflação. As conclusões do relatório são claras: primeiro, os salários reais médios (ou seja, depois da inflação) caíram em todo o mundo capitalista desenvolvido nos últimos três anos – na verdade, a maior e mais longa queda em pelo menos 50 anos. E, em segundo lugar, o principal contribuinte para o aumento dos preços dos bens e serviços durante este período foi o aumento dos lucros por unidade de produção, não dos salários – particularmente na zona euro.

O relatório, de fato, afirma o seguinte: “Na Zona Euro, a contribuição dos lucros tem sido particularmente grande, respondendo pela maior parte do aumento dos preços internos no segundo semestre de 2022 e primeiro trimestre de 2023”. Quanto aos EUA, a OCDE avalia que: “em meio a mercados de trabalho particularmente apertados, os salários geralmente contribuíram para aumentos nos preços domésticos mais do que os lucros nos últimos trimestres”. Mas “a contribuição recente das margens de lucro acrescidas foi muito maior do que nos anos anteriores à crise, mas diminuiu nos trimestres mais recentes”.

Dados da Europa e da Austrália mostram que o forte desempenho dos lucros em 2022 não se limitou ao setor de energia. No ano até o 1º trimestre de 2023, na Europa, os lucros unitários aumentaram mais do que os custos unitários do trabalho na fabricação, construção e finanças, e cresceram à mesma taxa que o custo unitário do trabalho em “alojamento, alimentação e transporte”. Da mesma forma, os lucros unitários aumentaram mais do que os custos unitários do trabalho em vários setores na Austrália, incluindo “alojamento e alimentação”, manufatura, comércio e transporte.

Lodo, uma resposta da política anti-inflacionária poderia ser esta: para reduzir as taxas de inflação, as empresas devem reduzir os aumentos de lucro? Bem, talvez não! A OCDE dá uma resposta dúbia para essa questão:

“A rentabilidade firme pode ser prejudicada no curto prazo por uma queda na demanda devido ao aperto da política monetária e à erosão do poder de compra. Neste contexto, é mais provável que o aumento dos custos da mão-de-obra se traduza numa redução da procura de mão-de-obra e em potenciais perdas de emprego. Em suma, embora as evidências sugiram espaço para que os lucros absorvam alguns ajustes nos salários em vários setores e países, a margem de manobra exata provavelmente variará entre setores e tipos de empresas.”

Em outras palavras, tentar reduzir os aumentos de preços restringindo os aumentos de lucros, ao mesmo tempo em que permite que os aumentos salariais dos trabalhadores se recuperem, pode causar uma queda da atividade econômica à medida que os empregadores reduzem sua força de trabalho para impedir o aumento dos custos trabalhistas. Isso significaria aumento do desemprego. Sim, é o que acontece e deve acontecer sob um sistema de produção orientado para o lucro.

Então, qual é a resposta para o crescimento econômico sem que a inflação acelere? A OCDE diz: “No longo prazo, ganhos salariais reais sustentados só podem ser garantidos por meio de um crescimento sustentado da produtividade”. Os países da OCDE precisam “aproveitar ao máximo as oportunidades oferecidas pelos novos desenvolvimentos tecnológicos, como a Inteligência Artificial”.

Até agora, entretanto, não há nenhum sinal disso.

Traduzido por Eleutério F S Prado

Michael Roberts é economista. Co-editor, entre outros livros, de “The Great Recession: a Marxist View”, “The Long Depression” e “Marx 200: a Review of Marx’s Economics 200 years after his Birth”. Autor do blog “The Next Recession” (https://thenextrecession.wordpress.com)

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