Nos últimos meses, o Irã selecionou meticulosamente seus passos políticos e seus alvos militares, ambos no Golfo e na arena internacional. A retirada parcial e gradual – tática, mas legal – do Plano Amplo para Ação Conjunta (ing. JCPOA), também conhecido como “o acordo nuclear”, segue uma trilha determinada. O objetivo claro desses movimentos é encurralar o presidente dos EUA e seus aliados europeus, e o Irã parece mesmo visar a uma completa retirada do JCPOA. Além disso, apesar do efeito que as sanções dos EUA estão tendo sobre a economia iraniana – e apesar da determinação do Irã em rejeitar a hegemonia dos EUA – autoridades iranianas dispensaram publicamente o oferecimento dos russos dispostos a apoiar as vendas de petróleo iraniano.
No Irã, fontes confirmam que
“A China rejeitou as sanções dos EUA, e a Rússia ofereceu-se para vender 1 milhão de barris de petróleo iraniano por dia, e substituir o sistema financeiro europeu por outro, sendo necessário. Mas por que o Irã facilitaria as coisas para os mesmos que assinaram o acordo (a Europa)? Se os países europeus estão divididos, se não estão em posição de honrar o acordo, por que, para começar, assinaram o acordo? O Irã vai-se retirar gradualmente, como estabelece o acordo nuclear, até uma retirada completa.
O Irã enfrenta uma recessão (Trump será provavelmente reeleito, o que prolongará a recessão), mas não está na miséria e está longe de estar economicamente e politicamente de joelhos.”
Apesar das duras sanções impostas pelos EUA, o Irã está enviando sinais pouco usuais e paradoxais, rebaixando o efeito da crise econômica e mostrando o quanto as medidas do governo Trump são bem pouco significativa: congelou o oferecimento dos russos, concebido para aliviar as dificuldades financeiras mediante a venda diária de um milhão de barris de petróleo iraniano, e a possibilidade de operar um sistema que substitua o sistema financeiro europeu. A única interpretação plausível é que o Irã esteja decidido a se retirar do acordo nuclear, se possível ser atrair sobre si sanções universais. Paralelamente, os passos militares dos iranianos avançam em ritmo calculado.
Nenhum dos vários objetivos militares atingidos nos últimos meses foi acaso ou resposta impulsiva, a começar pela sabotagem de al-Fujeirah, seguida pelos ataques com drones a estações de bombeamento da Aramco, até os danos provocados num navio-tanque japonês. O Irã não reivindicou oficialmente a primeira ação. A segunda foi reivindicada pelos Houthis no Iêmen. A terceira teve por alvo um navio-tanque japonês e o atacante continua foragido, oficialmente desconhecido.
Mas o Irã veio a público para anunciar que derrubara um drone norte-americano de vigilância e que capturara um navio-tanque britânico no Golfo de Omã. O navio foi forçado a navegar para o porto iraniano de Bandar Abbas. Cada uma das reações dos oponentes do Irã foi antecipada e calculada pelo Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (ing. IRGC); cada um dos ataques foi executado com esmero, e sua preparação foi perfeitamente planejada. Mas isso não significa que o Irã não leve em conta um possível cenário de guerra, quando potencialmente haverá mísseis voando em todas as direções. O Irã está provocando, respondendo e até jogando com as ameaças de guerra que lhe fazem Trump e Netanyahu, caminhando na beira do abismo.
Muitos líderes iranianos têm repetido a mensagem bem clara: se não podemos exportar petróleo, ninguém exportará. Está também dizendo aos países vizinhos que qualquer tentativa deles para exportar seu petróleo pelo Estreito de Ormuz será contida, daí os ataques a al-Fujeirah (aos Emirados Árabes) e à Aramco (estatal petroleira da Arábia Saudita). Nos dois casos, vias substitutas potenciais para exportar petróleo do Oriente Médio sem ter de passar pelos estreitos controlados pelo Irã.
O Irã escolheu derrubar um drone pilotado à distância, mesmo podendo derrubar um avião espião dos EUA com 38 oficiais a bordo. O mesmo presidente dos EUA – que se pôs em posição embaraçosa ao não reagir à derrubada do drone – foi obrigado a agradecer ao Irã por não ter derrubado o avião espião, com pessoal norte-americano a bordo. Foi decisão planejada com mão de mestre na liderança do IRGC, operando entre alternativas duríssimas.
Trump pode justificar a falta de reação com o argumento de que não houve perdas humanas; com certeza sabe que qualquer atrito militar pode fazer gorarem suas chances de reeleição: fator que o Irã calculou muito atentamente. A opção por uma guerra limitada não foi deixada aberta para Trump.
Mais importante que isso, depois que os Marines Reais do Reino Unido pousaram em helicópteros sobre o super navio-tanque petroleiro iraniano “Grace 1” para capturá-lo – e apesar de nem Irã nem Síria serem membros da União Europeia e, assim, não serem alvos legítimos para sanções a serem aplicadas e validadas nesse caso –, o Irã, antes, deu chance ao enviado francês Emmanuel Bonne para que encontrasse uma saída para a crise. Mas poucas horas depois de o Reino Unido ter decidido que manteria preso por mais um mês o “Grace 1”, Forças Especiais Iranianas do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica capturaram – servindo-se de estilo “corta-cola” de abordagem– o navio britânico “Stena Impero”, no exato momento em que o governo britânico estava muito fragilizado, e a primeira-ministra do Reino Unido estava a poucos dias de deixar o cargo. Mais uma vez, operação muito cuidadosamente planejada, com preciso cálculo de riscos.
Os EUA empurraram o Reino Unido para que agisse contra o Irã, mas ficou de lado, apenas assistindo à humilhação do ex-“Império Britânico” que indiretamente dominou o Irã durante a era do Xá, antes de o Imã Khomeini chegar ao poder em 1979.
O Irã tomou o navio petroleiro do Reino Unido no Golfo de Omã, sob um pretexto medíocre, equivalente ao pretexto dos britânicos quando capturaram o “Grace 1” em Gibraltar. O Irã está dizendo aos britânicos que não houve qualquer confrontação bélica e não se registraram perdas humanas até aqui, ainda que o Oriente Médio esteja em situação ‘como de guerra’, com a guerra econômica que os EUA fazem contra o Irã.
Até aqui não há registro de vítima, apesar dos eventos importantes, massivos, que envolveram várias operações de sabotagem, a derrubada de um dos mais caros e sofisticadas drones dos EUA, a captura de dois navios-tanques e um sinal de aviso dado a um avião-espião dos EUA, que escapou por um milímetro dos mísseis iranianos.
O líder iraniano Said Ali Khamenei ordenou que o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica continue a desenvolver seu programa de mísseis e injetou no programa bilhões de dólares. O líder criticou ambos, o presidente Hassan Rouhani e o ministro de Relações Exteriores por terem levado o país a assinar acordo com EUA e União Europeia quando essas duas entidades são parceiras entre elas e absolutamente não merecem confiança.
Assim sendo, a única saída parece estar no rumo que o Irã está seguindo, especialmente em momento em que a Europa continua dividida. O Reino Unido ruma para eleger Boris Johnson [já foi eleito líder do Partido Conservador e já é primeiro-ministro (Guardian, 23/7)], candidato favorito do presidente dos EUA. O Reino Unido está em situação crítica, e o “no-deal British exit” (saída dos britânicos, da Comunidade Europeia, sem acordo algum) enfraquecerá o país e o isolará. – E Trump, com certeza, não dará um passo para resgatá-lo.
No momento, o Irã está deixando ver sua política: olho por olho. O país está preparado para guerra, tanto quanto os EUA; está pois preparado para o “absolute worst” [para o “pior absoluto”], como disse Trump.
Os EUA estão aumentando a própria capacidade militar, com a reabertura da base aérea norte-americana na Arábia Saudita (base de deserto Príncipe Sultan – a mesma base que os EUA usaram para a guerra que fizeram contra Saddam Hussein em 1990.
O Irã trabalha ativamente com seus aliados, grupos Palestinos, o Hezbollah libanês, vários grupos iraquianos e aliados iemenitas, fornecendo a esses todos mísseis suficientes para sustentar guerra longa no caso de ser necessário – mas ainda, obviamente, sem provocar.
O Irã continuará sua guerra nas sombras, e continuará a atormentar os países ocidentais, sem considerar os estados árabes, de modo que sua guerra não tome alguma direção sectária. Povos do Oriente Médio assistem as perigosas escaramuças e sentem que o dedo do Irã está no gatilho. O Irão não hesitará em atirar quando entender que seja adequado, e não importa quem seja o oponente ou oponentes.
Muito provavelmente, os EUA terão de esperar e pensar cuidadosamente sobre o próximo movimento, particularmente sobre construir uma coalizão de segurança marítima para patrulhar o Golfo e proteger navios durante as seis horas necessárias para transitar pelo Estreito de Ormuz. Quanto maior a presença militar ocidental nas vizinhanças do Irã, mais rico o banco de alvos e objetivos que se oferecem ao Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, e mais fácil, para Teerã selecionar o alvo que mais interesse – em caso de guerra – sem disparar mísseis de longo alcança contra bases dos EUA estabelecidas no Oriente Médio ou qualquer outro alvo de longa distância.
Washington não irá à guerra se o resultado não seja claro, pelo menos para os norte-americanos. E, com o Irã, nenhum resultado pode ser previsto com certeza. O Irã conhece bem as fraquezas dos EUA, e está jogando com elas. Está mostrando que o Ocidente, apesar dos músculos cenografados, é frágil e, mesmo, vulnerável.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Elijah J. Magnier é correspondente Veterano de Zona de Guerra e Analista de Risco Político Sénior com mais de 35 anos de experiência cobrindo o Oriente Médio tendo adquirindo experiência profunda e conhecimento político no Irão, Iraque, Líbano, Líbia, Sudão e Síria. Especializado em terrorismo e contra-terrorismo, inteligência, avaliações políticas, planeamento estratégico e aprofundamento nas redes políticas da região.
https://oempastelador.blogspot.com/2019/07/ira-impoe-suas-regras-de-engajamento.html