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De 2006 a 2019: Depois dos fracassos na Síria, no Iraque, na Palestina e no Iêmen, a guerra deixa de ser opção para Israel
por Elijah J. Magnier | ejmagnier.com
O Empastelador - 16 de agosto, 2019
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Durante a guerra do verão de 2006, Israel conseguiu destruir grande número de foguetes e mísseis dos arsenais do Hezbollah. Muitas unidades de mísseis do Hezbollah foram destruídas; no subúrbio da capital Beirute, mais de 250 prédios (principalmente, mas não exclusivamente, instalações do Hezbollah) foram completamente destruídos por bombas de precisão de Israel contra o Hezbollah (e muitos civis) nos subúrbios de Beirute. Centenas de residências foram completamente destruídas no sul do Líbano. Contudo, Israel não conseguiu alcançar plenamente seus objetivos, porque a infantaria israelense foi derrotada quando teve de enfrentar dura resistência que a impediu que avançar pelo solo. Sobretudo, os mísseis antitanques Kornet guiados a laser e os mísseis Nour antinavios do Hezbollah surpreenderam o inimigo, indicando grave fracasso da inteligência israelense e confirmando as fortes capacidades de combate do Hezbollah.
Treze anos depois, o fracasso da política de EUA e Israel na região significa que Israel já não tem meios sequer para considerar a possibilidade de confronto direto com o Hezbollah no Líbano.
EUA e Israel fracassaram na tentativa de alcançar quatro objetivos principais: não conseguiram ‘mudar o regime’ na Síria; não conseguiram dividir o Iraque; não conseguiram derrotar os houthis no Iêmen; e o “acordo do século” para a Palestina deu em nada. Acrescente-se a isso que a completa rejeição, por EUA e Israel, de que se crie qualquer estado palestino por regras justas, fortaleceu muito a resistência palestina contra Israel.
Israel aumentou o próprio poder de fogo e as próprias capacidades militares, mas o Hezbollah também passou, da posição de organização local tática, para a posição de ator estratégico no Oriente Médio. As já superiores habilidades de combate do grupo foram ampliadas por novos carros e equipamento militar variado. Efeito disso, a guerra no Oriente Médio passou a ser bem pouco provável no curto e no médio prazos.
As tentativas de EUA e parceiros para derrubar da presidência o presidente Bashar al-Assad da Síria e para converter a Síria em estado fracassado governado por jihadistas Takfiris (ISIS e grupos da al-Qaeda, que dominaram todas as demais organizações rebeldes e não jihadistas) forçaram o Hezbollah libanês, o Irã e o Iraque a se engajarem militarmente no Levante.
O mesmo cenário repetiu-se no Iraque, quando os EUA lá ficaram, cuidando que o ISIS crescesse, alimentado por inteligência robusta – cuja acurácia foi depois confirmada –, e na sequência migrasse do Iraque para a Síria, depois de ter ocupado grande parte do Iraque. O Hezbollah, grupos iraquianos e forças iranianas combateram na Síria e no Iraque para impedir que os jihadistas se expandissem, e para evitar perigo de agressão direta ao Líbano, Síria, Iraque e Irã.
No Iraque, por sua vez, onde prevalecia a desinformação – o ISIS não conseguiu ocupar a segunda maior cidade da Mesopotâmia, Mosul. Um grupo de organizações, com umas poucas centenas de combatentes do ISIS, arrancou a vitória das mãos de outros grupos sunitas (principalmente os Naqshabandi). Contaram com a ajuda de países vizinhos e do líder curdo iraquiano Masoud Barzani, que aspirava à divisão do Iraque em três partes: um Curdistão, um Sunistão e um Xiitastão.
A liderança turca aspirava a dominar Mosul, como parte de seu antigo Império Otomano; a ocupação de Mosul interessava à Turquia, como também a beneficiou a ocupação do norte do Iraque por um grupo como o ISIS. Depois, talvez fosse fácil derrotar aquela organização que não gozava de reconhecimento internacional.
Barzani, o líder curdo, queria o controle sobre Kirkuk, rica em petróleo, e aspirava a um autoproclamado estado para os curdos iraquianos – que ele adiante “declarou” (mas não obteve), apesar de ter derrotado o ISIS. De fato, Barzani elogiava o ISIS durante a ocupação de Mosul, como uma “revolução sunita” –, sem conseguir ver que o grupo terrorista lutava pelo projeto de controlar Kirkuk e todo o Curdistão.
Os EUA queriam o norte do Iraque dividido entre um estado sunita e um estado curdo. Jamais permitiriam que o ISIS se expandisse além de Bagdá, para que os EUA preservassem para eles mesmos o controle sobre o petróleo. O sul do Iraque poderia sobreviver como pequeno cantão xiita naquela área, sem qualquer possibilidade de prosperar – apesar toda a riqueza em petróleo e gás daquela região; e o Iraque teria sido varrido do mapa dos “aliados do Irã”, com o que deixariam de ser ameaça potencial a Arábia Saudita e Israel.
É muito longa a lista de benefícios para EUA e aliados, se a Síria tivesse sido destruída e convertida em paraíso seguro para jihadistas. Um estado fracassado naquele ponto teria impedido que a Rússia fornecesse petróleo russo à Europa, via Síria e Turquia. A Rússia perderia acesso às águas mornas do Mediterrâneo, com o que desapareceria a base naval russa em Tartus. Estaria quebrado o “Eixo da Resistência” – de Irã, Síria e Líbano. Teria sido o fim do fluxo de armas do Irã para o Hezbollah no Líbano; com isso, o grupo ficaria impedido de se rearmar e de modernizar o próprio arsenal. Os xiitas teriam ficado isolados da Síria, confinados no sul do Iraque.
A coalizão dos EUA passaria então a zelar pelo movimento de grupos takfiri jihadistas da Síria ao Líbano, e manteriam o Hezbollah ocupado numa luta sectária que seria prolongada por anos e anos e enfraqueceria os inimigos de Israel. Tudo isso empurraria libaneses e cristãos sírios a migrarem para países do sul, abandonando o Oriente Médio que lá ficaria, rendido, em décadas de guerras sectárias. Os jihadistas não protestariam contra doar o Golan a Israel. O desmantelamento do exército sírio deixaria os palestinos sem poder contar com qualquer apoio que lhes viesse do Hezbollah, Síria, Irã ou Líbano.
Sem precisar temer os exércitos nacionais sírio e iraquiano; com o Hezbollah enredado em disputas domésticas e com sua linha de suprimento interrompida ; com os jihadistas oferecendo alvo fácil e pretexto sempre reaproveitável para mais guerras; e com a Arábia Saudita ao seu lado, Israel teria podido expandir e alargar seu território à custa dos palestinos e de países vizinhos: já não haveria nem país nem qualquer tipo de força que impedisse o avanço dos sionistas.
Mas todos esses planos fracassaram: o Hezbollah mudou-se para Iraque e Síria para dar combate ao ISIS e à al-Qaeda. Conseguiu recompor a segurança do Líbano, ao derrotar al-Qaeda e ISIS em Arsal e ao longo das fronteiras sírio-libanesas. Garantiu a segurança de trânsito por terra e por ar da Síria ao Líbano para manter o fornecimento de armas e a renovação dos arsenais. Adquiriu competências e experiências impressionantes em combates de guerrilha urbana e guerra clássica, e se autoadestrou em cenário de combates reais para operar como única forças combatente; com o Exército Árabe Sírio; e com forças russas e sírias, usando suas competências para combate clássico, aliado a apoio aéreo e de artilharia de solo.
O Hezbollah, cuja experiência limitava-se a combater contra Israel em área de menos de 1.500 quilômetros quadrados no sul do Líbano, aprendeu a combater em território de mais de 80 mil quilômetros quadrados, na Síria.
E não é tudo. Durante a guerra que foi imposta à Síria, o Hezbollah inventou um foguete que desloca uma tonelada de explosivos na ogiva (“Burkan-Vulcano”) e tornou-o operacional. Os soldados do Hezbollah fizeram vários cursos intensivos de capacitação para operar os próprios drones; para operar com êxito seus mísseis de precisão. Assim se produziram milhares de soldados especialistas altamente treinados, as Forças Especiais do Hezbollah, tão capacitados a dar combate a um tipo de inimigo (al-Qaeda) muito mais motivado e disposto a lutar até a morte, que qualquer unidade de Forças Especiais de Israel. Além do mais, o Hezbollah distribuiu seus mísseis de precisão e longo alcance sobre a hoje bem protegida fronteira sírio-libanesa, para assim prevenir danos mais graves às cidades e vilas libanesas, em qualquer guerra futura.
O fracasso do golpe para mudança de regime solidificou a posição do Hezbollah e do Irã na Síria, em nível de total cooperação com o estado, nível mais alto do que jamais antes. O governo sírio recebeu apoio econômico do Irã e recebeu proteção militar de iranianos, libaneses, iraquianos e russos.
Hoje, as forças dos EUA ocupam o território onde há grandes reservas de petróleo sírio, no nordeste do país, e a Síria está sob pesadas sanções econômicas. Só o Irã tem corrido a apoiar a economia síria, para impedir que colapse, fornecendo petróleo, construindo indústrias farmacêuticas e outras para apoiar a economia local e atender a algumas das necessidades mais básicas. A política de EUA-Israel, para incapacitar o governo de Damasco está aprofundando e fortalecendo a relação Irã-Hezbollah-Síria, especialmente desde que os EUA impediram os estados árabes e do Golfo de retornar a Damasco e reabrir as respectivas embaixadas – o que abriu a estrada para que Irã e Rússia sejam os únicos países com representantes no Levante.
O Irã também está ampliando a capacidade síria em número e qualidade de mísseis. As atuais tensões Irã-EUA provaram que mísseis têm capacidade para derrubar força aérea e naval superior, e conseguem estabelecer regras de engajamento com investimento muito pequeno, em comparação aos preços de jatos e fragatas. De fato, a guerra no Iêmen e a crise Irã-EUA mostraram, ambas, que drones armados e mísseis podem alcançar alvos distantes com alta precisão.
É exatamente o que o Hezbollah já instalou no Líbano e nas fronteiras sírio-libanesas. Em 2006 o comando do Hezbollah cometeu o erro de construir armazéns-depósitos estratégicos na Síria. A superioridade aérea de Israel tornou precário o suprimento de armas, porque Israel podia destruir qualquer construção, em ataque aéreo. A guerra na Síria abriu o caminho para que o Hezbollah estabelecesse pesada presença nas fronteiras, com bases de mísseis de precisão e longo alcance; hoje, o Hezbollah está preparado para ampliar o teatro operacional, em caso de guerra. Não há portanto qualquer necessidade de ator não estatal para movimentar seus mísseis da Síria para o Líbano.
Nos últimos anos, Israel bombardeou centenas de alvos na Síria, dentre os quais caminhões carregados de armas em trânsito para o Líbano, mas jamais sem prévio aviso ao motorista. Israel sempre quis evitar baixas entre oficiais do Hezbollah, sabendo perfeitamente que se houvesse oficiais do Hezbollah mortos, haveria retaliação e o preço seria alto. Apesar dos repetidos ataques, os arsenais do Hezbollah estão repletos, segundo estimativa dos próprios israelenses. Significa que o grupo tem capacidade para disparar milhares de foguetes e mísseis diariamente e sustentar guerra longa.
Israel reconhece o próprio fracasso, ao não conseguir limitar os fornecimentos de armamento ao grupo e o aumento de suas capacidades.
As guerras no Iraque, na Síria e no Iêmen ensinaram muitas lições. E mais outras lições militares estão sendo aprendidas agora, do confronto EUA-Irã no Golfo. Mísseis de baixo custo disparados contra plataformas de petróleo, cais e portos, navios em trânsito, aeroportos, usinas de energia elétrica, estações de tratamento de água potável e bases militares, são hoje muito mais efetivos politicamente e militarmente, que ataques contra alvos civis.
Drones armados e mísseis de precisão pode ser mortais até para o estado militar mais poderosamente armado. Podem-se usar foguetes para saturar os sistemas interceptadores de mísseis, da defesa israelense. Dúzias de foguetes podem ser disparados simultaneamente, seguidos pelo lançamento de uns poucos mísseis de precisão contra qualquer alvo. O sistema de interceptação estará saturado, incapaz de derrubar todos os foguetes e mísseis que cheguem, o que permitirá que pelo menos 30-40% dos mísseis atravessem as defesas e alcancem o alvo desejado – o suficiente para gerar dano e ser considerado fator que altera o equilíbrio de forças. Essas técnicas de saturação podem ser extremamente efetivas, como reconhecem todos os envolvidos nos confrontos.
A nova guerra é essencialmente econômica; é uma guerra de sanções e limita a livre circulação de navios em todo o mundo. É guerra de petroleiros e de plataformas petrolíferas. É guerra de fome, na qual nenhum lado pode ameaçar o outro de mandá-lo “de volta à idade da pedra”, porque o poder de fogo é agora disponível universalmente: a ameaça de bombardeio contra Dubai obrigou os Emirados a recorrer à mediação iraniana, para evitar um ataque com mísseis contra eles. Os Houthis, apesar de anos de bombardeios pelos sauditas no Iêmen, também conseguiram bombardear aeroportos, bases militares e instalações sauditas de petróleo, no coração de Arábia Saudita, usando mísseis de cruzeiro e drones armados.
Gaza, assim como Beirute, Damasco e Bagdá, estão todas fortemente equipados por Teerã, com mísseis suficientes para infligir danos reais a Israel e às forças norte-americanas alocadas no Médio Oriente. Israel brinca com fogo, ao visar vários objetivos tácticos, mas sem ter qualquer verdadeiro objetivo estratégico – só para Netanyahu manter-se ocupado, treinar sua Força Aérea e obter espaço nos meios de comunicação social.
Em breve, quando a Síria recuperar-se, e o Iraque estiver mais forte, os passeios dos israelenses por mar logo cessarão. Em futuro próximo, o Hezbollah no Líbano poderá também encontrar uma forma de manter ocupado seu exército irregular mas organizado, disparando mísseis antiaéreos contra jatos israelenses e, assim, poderá impor novas regras de engajamento. Ainda é muito cedo para desafiar Israel no ar. A aliança “Eixo da Resistência” opera conforme as prioridades definidas pela própria aliança, e a atual fase da crise Irã-EUA está apenas começando. Porém, à medida que a crise se desenvolver, o novo efeito estabilizador da geração mortal e precisa de drones armados e a ameaça real dos mísseis tornarão altamente improvável qualquer guerra aberta.
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Mandinga
Elijah J. Magnier é correspondente Veterano de Zona de Guerra e Analista de Risco Político Sénior com mais de 35 anos de experiência cobrindo o Oriente Médio tendo adquirindo experiência profunda e conhecimento político no Irão, Iraque, Líbano, Líbia, Sudão e Síria. Especializado em terrorismo e contra-terrorismo, inteligência, avaliações políticas, planeamento estratégico e aprofundamento nas redes políticas da região.
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