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Israel conduz um escolasticídio na Palestina ocupada

Israel sabe que a educação é parte fundamental da resistência palestina: por isso destrói escolas e assassina estudantes e professores na Palestina

por Vijay Prashad (pt-BR) | The African

Revista Opera - 13 de setembro, 2024

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Crianças palestinas em escola financiada pela União Europeia no vilarejo de Khan al-Ahmar. Em 2019, a escola corria o risco de ser demolida. (Foto: Peter Biro / EU Civil Protection and Humanitarian Aid)

É preciso subir uma colina para chegar à Universidade de Birzeit, que fica nos arredores de Ramallah (Cisjordânia, Território Ocupado da Palestina ou OPT). É um belo campus, fundado em 1924 como uma escola para meninas pela notável pedagoga Nabiha Nasir (1891-1951), e depois convertido, em 1975, em uma universidade. Passei uma tarde conversando com os alunos sobre suas aulas e suas ambições, a maioria deles ferozmente comprometidos tanto com seu empenho acadêmico quanto com sua esperança política de uma Palestina livre.

A política não está distante da mente dos alunos. Israel ocupou e fechou a Universidade de Birzeit entre 1988 e 1992 e, desde 2002, invadiu o campus mais de 30 vezes. A invasão mais recente foi em 3 de setembro de 2024, quando as forças israelenses concentraram sua atenção no Conselho Estudantil e nos escritórios das organizações estudantis. Os soldados israelenses “[confiscaram] bandeiras, panfletos e materiais pertencentes ao movimento estudantil”, reclamou a Campanha pelo Direito à Educação de Birzeit. Essa invasão do campus, ilegal pelos acordos firmados entre a Autoridade Palestina e o governo israelense, segue um padrão estabelecido pelas forças de ocupação israelenses: entrar no campus com uma grande demonstração de força e depois atacar os líderes estudantis de organizações políticas por meio de prisão ou intimidação. Foi exatamente isso que aconteceu no campus no início de setembro.

Está claro para os alunos que o que aconteceu com eles faz parte de uma ampla política promovida pelo governo israelense para infligir imensa dor à população palestina, fazer com que os palestinos fujam de suas terras e depois anexar toda a Jerusalém Oriental, Gaza e a Cisjordânia. De fato, em uma de suas recentes intervenções, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu exibiu um mapa da região com Israel englobando essas áreas. Posteriormente, Netanyahu se esquivou e disse que a Cisjordânia não estava demarcada porque a apresentação era sobre Gaza, aparentemente com o objetivo de tranquilizar o governo dos Estados Unidos.

Parte dessa imensa dor tem sido atacar a base da vida palestina na Palestina Ocupada, com a destruição de casas, hospitais e instituições educacionais, há decadas uma característica dos ataques contra os palestinos. É por isso que o romancista libanês Elias Khoury chama a política israelense de “Nakba permanente”, a palavra árabe que se refere à “catástrofe” de 1948, quando pelo menos 700 mil palestinos foram expulsos para dar lugar ao novo Estado israelense.

Após o bombardeio israelense de 2008-09 contra o Ministério da Educação em Gaza e, em seguida, o bombardeio de várias instituições educacionais (incluindo a prestigiada American International School), a professora da Universidade de Oxford, Karma Nabulsi, cunhou o termo “escolasticídio”. O termo se refere à destruição sistemática de instituições educacionais e de pessoas com formação acadêmica. Em 2009, Nabulsi disse que os israelenses conduziram o escolasticídio porque “no fundo, eles sabem como a educação é importante para a tradição palestina e para a revolução palestina. Eles não podem tolerar isso e precisam destruí-la”. Quando perguntei a Nabulsi o que ela acha agora da guerra genocida em Gaza, ela respondeu: “A destruição cruel e inconcebível de nossas amadas universidades, escolas, museus, bibliotecas, igrejas e mesquitas ancestrais, além de outros marcos culturais em Gaza, fazem parte do escolasticídio. É uma clara intenção de eliminar nossas capacidades e habilidades de estudar, aprender, ler e pensar, de permanecer unidos. É claro que isso não terá sucesso”.

Em abril de 2024, um grupo de relatores especiais da ONU e outros especialistas conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos da ONU acusou os israelenses de “escolasticídio”. Eles relataram que a destruição da maioria das escolas e universidades de Gaza constituem “ataques persistentes e impiedosos à infraestrutura educacional em Gaza”. “Esses ataques não são incidentes isolados”, escreveram, “eles apresentam um padrão sistemático de violência com o objetivo de desmantelar a própria base da sociedade palestina”. “Quando as escolas são destruídas”, observaram os especialistas, “também o são as esperanças e os sonhos”. Dois respeitados professores da Universidade de Birzeit – Ibrahim Rabaia (professor assistente de Ciências Políticas) e Lourdes Habash (diretora do Instituto Ibrahim Abu-Lughod de Estudos Internacionais) – analisaram as mesmas evidências e sugeriram que o que está acontecendo é um “educídio”. Seja escolasticídio ou educídio, o fenômeno é terrível; é nada menos que a tentativa de apagar a cultura dos palestinos, “apagar a memória coletiva, a herança cultural e o progresso intelectual do povo palestino”. Sundos Hammad, coordenadora da Campanha pelo Direito à Educação na Universidade de Birzeit, reflete sobre seu compromisso com a educação. Quando tinha nove anos de idade em Al-Bireh (ao norte de Jerusalém, na Cisjordânia ocupada), ela “passou a entender a profunda conexão entre educação e a sobrevivência sob ocupação”. Isso foi em 2000, durante a Segunda Intifada. Chegar à sua escola primária não era fácil, pois havia tanques israelenses perto do portão da escola e as crianças pequenas eram perseguidas pelos soldados de Israel. Inspiradas pela revolta, crianças como Sundos jogavam pedras nos tanques. Os israelenses atiravam contra elas com disparos reais. Sundos corria para casa e contava à sua mãe o que havia acontecido e se perguntava em voz alta se deveria continuar indo à escola. Sua mãe era firme. “A educação não é uma opção”, ela conta que sua mãe dizia. “É o seu futuro e o futuro de sua geração.”

Desde outubro de 2023, Israel vem tentando apagar esse futuro. Os israelenses mataram dois presidentes de universidades em Gaza – o professor Sufian Tayeh (Universidade Islâmica de Gaza) e o professor Said Alzebda (Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade) – além de vários reitores e mais de 100 professores. Muitos desses professores tinham menos de 50 anos de idade, como a professora Nesma Abu Shaira (36 anos). A professora Abu Sharia era de Gaza e lecionava artes visuais na Universidade Al-Aqsa. A conheci alguns anos depois dela ter ganhado um prêmio no Festival de Arte Contemporânea de Gaza, em 2011. Um amigo em comum me disse que ela estava interessada em ilustrações e design e queria fazer um projeto que mais tarde chamou de “Documenting Palestine” (Documentando a Palestina). Tudo o que me lembro de nosso encontro é que ela se mostrava muito feliz em ensinar seus alunos, especialmente as jovens que vieram aprender a desenhar. “Precisamos contar histórias palestinas”, ela me disse. Em 28 de outubro de 2023, um avião israelense bombardeou sua casa. Ela morreu junto com sua família. Sua conta no Instagram é a sua galeria. Após sua morte, uma de suas alunas, Zeinab, lembrou-se da professora pelo “brilho nos olhos e pelo orgulho que tinha de seus [alunos]”.

Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano, diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

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