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Lucrando com o genocídio

O genocídio exige uma vasta rede e bilhões de dólares para se sustentar. Israel não poderia realizar o seu massacre em massa sem esse ecossistema

por Chris Hedges (pt-BR) | The Chris Hedges Report

Brasil 247 - 2 de julho, 2025

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Assassinato no Banco – Murder in the Bank – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)

A guerra é um negócio. E o genocídio também. O último relatório [https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/hrbodies/hrcouncil/sessions-regular/session59/advance-version/a-hrc-59-23-aev.pdf ]apresentado por Francesca Albanese, Relatora Especial para os Territórios Palestinos Ocupados, lista 48 corporações e instituições — incluindo Palantir Technologies Inc., Lockheed Martin, Alphabet Inc. (Google), Amazon, IBM, Caterpillar Inc., Microsoft Corporation e o Massachusetts Institute of Technology (MIT) —, além de bancos e empresas financeiras como BlackRock, seguradoras, imobiliárias e instituições de caridade que, em violação ao direito internacional, estão lucrando bilhões com a ocupação e o genocídio dos palestinos.

O relatório, que inclui um banco de dados com mais de 1.000 entidades corporativas que colaboram com Israel, exige que essas empresas e instituições cortem laços com o país ou sejam responsabilizadas por cumplicidade em crimes de guerra. Ele descreve a "ocupação eterna de Israel" como "o campo de testes ideal para fabricantes de armas e o Vale do Silício — oferecendo grande oferta e demanda, pouca fiscalização e zero responsabilização — enquanto investidores e instituições públicas e privadas lucram livremente".

Os julgamentos pós-Holocausto dos industriais e a Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul estabeleceram a base legal para reconhecer a responsabilidade criminal de instituições e empresas que participam de crimes internacionais. Este novo relatório deixa claro que decisões do Tribunal Internacional de Justiça obrigam entidades a "não se envolver e/ou a se retirar total e incondicionalmente de qualquer negociação associada, garantindo que qualquer envolvimento com palestinos permita a sua autodeterminação".

"O genocídio em Gaza não parou porque é lucrativo, é vantajoso para muitos", disse Albanese. "É um negócio. Há entidades corporativas, inclusive de países considerados amigos da Palestina, que há décadas lucram com a economia da ocupação. Israel sempre explorou a terra, os recursos e a vida dos palestinos. Os lucros continuaram e até aumentaram quando a economia da ocupação se transformou em economia de genocídio."

Além disso, afirmou, os palestinos forneceram "campos de treinamento ilimitados para testar tecnologias, armas e técnicas de vigilância que agora são usadas contra pessoas em todo o mundo, do Sul Global ao Norte Global".

Você pode assistir à minha entrevista [em inglês] com Albanese aqui.

O relatório critica empresas por "fornecerem a Israel as armas e máquinas necessárias para destruir casas, escolas, hospitais, locais de lazer e culto, meios de subsistência e ativos produtivos, como oliveiras e pomares".

O território palestino, observa o relatório, é um "mercado cativo" devido às restrições impostas por Israel ao comércio, investimento, pesca, plantio de árvores e acesso à água para colônias. As corporações lucraram com esse "mercado cativo" ao "explorar mão de obra e recursos palestinos, degradar e desviar recursos naturais, construir e abastecer colônias e vender produtos e serviços derivados em Israel, nos territórios palestinos ocupados e globalmente".

"Israel se beneficia dessa exploração, enquanto isso custa à economia palestina pelo menos 35% do seu PIB", destaca o relatório.

Bancos, gestoras de ativos, fundos de pensão e seguradoras "canalizaram financiamentos para a ocupação ilegal", acusa o documento. Além disso, "universidades — centros de crescimento e poder intelectual — sustentaram a ideologia política por trás da colonização da terra palestina, desenvolveram armas e ignoraram ou até endossaram a violência sistêmica, enquanto colaborações globais de pesquisa obscureceram o apagamento palestino sob um véu de neutralidade acadêmica".

Tecnologias de vigilância e encarceramento "evoluíram para ferramentas de ataque indiscriminado à população palestina", observa o relatório. "Máquinas pesadas antes usadas para demolição de casas, destruição de infraestrutura e apreensão de recursos na Cisjordânia foram reaproveitadas para obliterar a paisagem urbana de Gaza, impedindo que populações deslocadas retornem e se reconfigurem como comunidade."

O ataque militar aos palestinos também "forneceu campos de teste para capacidades militares de ponta: plataformas de defesa aérea, drones, ferramentas de direcionamento alimentadas por inteligência artificial e até o programa F-35 liderado pelos EUA. Essas tecnologias são então comercializadas como 'testadas em batalha'."

Desde 2020, Israel é o oitavo maior exportador de armas do mundo. Suas duas maiores empresas de armas são a Elbit Systems Ltd e a estatal Israel Aerospace Industries Ltd (IAI). O país tem parcerias internacionais com fabricantes de armas estrangeiras, incluindo "para o caça F-35, liderado pela Lockheed Martin, dos EUA".

"Componentes fabricados globalmente contribuem para a frota israelense de F-35, que Israel personaliza e mantém em parceria com a Lockheed Martin e empresas domésticas", diz o relatório. Desde outubro de 2023, caças F-35 e F-16 têm sido "essenciais para equipar Israel com um poder aéreo sem precedentes, lançando cerca de 85 mil toneladas de bombas — muitas não guiadas —, matando e ferindo mais de 179.411 palestinos e obliterando Gaza".

"Drones, hexacópteros e quadricópteros também têm sido máquinas de matar onipresentes nos céus de Gaza", continua. "Drones desenvolvidos e fornecidos principalmente pela Elbit Systems e Israel Aerospace Industries há muito voam ao lado de caças, vigiando palestinos e fornecendo inteligência de alvos. Nas últimas duas décadas, com apoio dessas empresas e colaborações com instituições como o MIT, os drones usados por Israel adquiriram sistemas de armas automatizados e capacidade de voar em formação de enxame."

A japonesa FANUC vende produtos de automação e "fornece maquinário robótico para linhas de produção de armas, incluindo para IAI, Elbit Systems e Lockheed Martin".

"Empresas de transporte marítimo, como a dinamarquesa A.P. Moller-Maersk, transportam componentes, peças, armas e matérias-primas, sustentando um fluxo constante de equipamentos militares fornecidos pelos EUA após outubro de 2023."

Houve um "aumento de 65% nos gastos militares israelenses de 2023 para 2024 — totalizando US$ 46,5 bilhões, um dos maiores per capita do mundo". Isso "gerou um salto acentuado em seus lucros anuais", enquanto "empresas estrangeiras de armas, especialmente produtoras de munição, também lucraram".

Ao mesmo tempo, empresas de tecnologia lucraram com o genocídio ao "fornecer infraestrutura de uso duplo para integrar a coleta massiva de dados e vigilância, enquanto se beneficiam do campo de testes único para tecnologia militar oferecido pelos territórios palestinos ocupados". Elas aprimoram "serviços carcerários e de vigilância, desde redes de CCTV, vigilância biométrica, redes de checkpoints tecnológicos, 'muros inteligentes' e vigilância por drones até computação em nuvem, inteligência artificial e análise de dados para apoiar militares em campo".

"Empresas de tecnologia israelenses frequentemente surgem da infraestrutura e estratégia militar", diz o relatório, "como o NSO Group, fundado por ex-membros da Unidade 8200. Seu spyware Pegasus, projetado para vigilância clandestina de smartphones, foi usado contra ativistas palestinos e licenciado globalmente para alvejar líderes, jornalistas e defensores de direitos humanos. Exportado sob a Lei de Controle de Exportação de Defesa, a tecnologia de vigilância do NSO Group permite 'diplomacia do spyware' enquanto reforça a impunidade estatal."

A IBM, cuja tecnologia facilitou a geração e tabulação de cartões perfurados na Alemanha nazista — usados para censo, logística militar, estatísticas de guetos, gestão de tráfego ferroviário e capacidade de campos de concentração —, é mais uma vez parceira neste genocídio.

A empresa opera em Israel desde 1972, treinando agências militares e de inteligência israelenses, especialmente a Unidade 8200, responsável por operações clandestinas, coleta de inteligência de sinais, decriptação, contraespionagem, guerra cibernética e vigilância.

"Desde 2019, a IBM Israel opera e atualiza o banco de dados central da Autoridade de População e Imigração, permitindo a coleta, armazenamento e uso governamental de dados biométricos sobre palestinos e apoiando o regime discriminatório de permissões de Israel", observa o relatório.

A Microsoft, ativa em Israel desde 1989, está "inserida no serviço prisional, polícia, universidades e escolas — inclusive em colônias. A Microsoft vem integrando os seus sistemas e tecnologia civil nas forças militares israelenses desde 2003, enquanto adquire startups israelenses de cibersegurança e vigilância."

"À medida que os sistemas de apartheid, controle militar e populacional de Israel geram volumes crescentes de dados, a sua dependência de armazenamento em nuvem e computação aumentou", diz o relatório. "Em 2021, Israel concedeu à Alphabet Inc. (Google) e à Amazon um contrato de US$ 1,2 bilhão (Projeto Nimbus) — financiado principalmente pelo Ministério da Defesa — para fornecer infraestrutura tecnológica central."

Microsoft, Alphabet e Amazon "concedem a Israel acesso quase total ao governo para as suas tecnologias de nuvem e inteligência artificial, aprimorando processamento de dados, tomada de decisões, vigilância e capacidades analíticas."

O exército israelense, aponta o relatório, "desenvolveu sistemas de IA como 'Lavender', 'Gospel' e 'Where’s Daddy?' para processar dados e gerar listas de alvos, remodelando a guerra moderna e ilustrando o uso duplo da inteligência artificial."

Há "motivos razoáveis", diz o relatório, para acreditar que a Palantir, que tem uma longa relação com Israel, "forneceu tecnologia preditiva de policiamento automático, infraestrutura de defesa central para construção rápida e em escala de software militar e a sua Plataforma de IA, que permite a integração de dados de campo em tempo real para a tomada de decisão automatizada."

Em abril de 2025, o CEO da Palantir respondeu a acusações de que a empresa mata palestinos em Gaza dizendo: "principalmente terroristas, isso é verdade."

"Tecnologias civis há muito servem como ferramentas de uso duplo na ocupação colonial", diz o relatório. "Operações militares israelenses dependem fortemente de equipamentos de grandes fabricantes globais para 'desenraizar' palestinos das suas terras, demolindo casas, edifícios públicos, terras agrícolas, estradas e outras infraestruturas vitais. Desde outubro de 2023, essa maquinária tem sido essencial para danificar e destruir 70% das estruturas e 81% das terras cultiváveis em Gaza."

A Caterpillar fornece há décadas equipamentos usados pelo exército israelense para demolir casas, mesquitas e hospitais palestinos, além de "enterrar vivos palestinos feridos" e matar ativistas como Rachel Corrie.

"Israel transformou a escavadeira D9 da Caterpillar em uma arma automatizada e controlada remotamente, usada em quase todas as operações militares desde 2000, limpando linhas de invasão, 'neutralizando' territórios e matando palestinos", diz o relatório. Este ano, a Caterpillar "assegurou um novo contrato multimilionário com Israel."

"A sul-coreana HD Hyundai e sua subsidiária parcial Doosan, a sueca Volvo Group e outras grandes fabricantes de maquinários pesados têm sido associadas à destruição de propriedades palestinas, fornecendo equipamentos por meio de distribuidores israelenses exclusivos", afirma o relatório.

"Enquanto atores corporativos contribuíram para a destruição da vida palestina nos territórios ocupados, também ajudaram a construir o que a substitui: erguendo colônias e sua infraestrutura, extraindo e comercializando materiais, energia e produtos agrícolas, e trazendo turistas para colônias como se fossem destinos de férias comuns."

"Mais de 371 colônias e postos ilegais foram construídos, abastecidos e comercializados por empresas que facilitam a substituição da população indígena por Israel nos territórios palestinos ocupados", conclui o relatório.

Esses projetos de construção usaram escavadeiras e máquinas pesadas da Caterpillar, HD Hyundai e Volvo. A Hanson Israel, subsidiária da alemã Heidelberg Materials AG, "contribuiu para o saque de milhões de toneladas de rocha dolomítica da pedreira Nahal Raba, em terras tomadas de vilarejos palestinos na Cisjordânia." A dolomita extraída é usada para construir colônias judaicas no território ocupado.

Empresas estrangeiras também "contribuíram para desenvolver estradas e infraestrutura de transporte público essenciais para estabelecer e expandir colônias, conectando-as a Israel enquanto excluem e segregam palestinos."

Imobiliárias globais vendem propriedades em assentamentos coloniais para compradores israelenses e internacionais. Entre elas está a Keller Williams Realty LLC, que "possui filiais em colônias" por meio da sua franquia israelense KW Israel. No ano passado, por meio de outra franquia chamada Home in Israel, a Keller Williams "realizou uma feira imobiliária no Canadá e nos EUA, patrocinada conjuntamente por várias empresas que desenvolvem e comercializam milhares de apartamentos em colônias."

Plataformas de aluguel, como Booking.com e Airbnb, listam propriedades e quartos de hotel em colônias judaicas ilegais na Cisjordânia.

A chinesa Bright Dairy & Food é acionista majoritária da Tnuva, maior conglomerado alimentar de Israel, que utiliza terras roubadas de palestinos na Cisjordânia.

No setor energético, "a Chevron Corporation, em consórcio com a israelense NewMedEnergy (subsidiária do Grupo Delek, listado no banco de dados da ONU), extrai gás natural dos campos Leviathan e Tamar; pagou US$ 453 milhões em royalties e impostos ao governo israelense em 2023. O consórcio da Chevron fornece mais de 70% do consumo energético de Israel. A empresa também lucra com sua participação no gasoduto do Mediterrâneo Oriental, que passa por território marítimo palestino, e com vendas de gás para Egito e Jordânia."

BP e Chevron também são "as maiores contribuintes para as importações israelenses de petróleo bruto, como principais proprietárias do oleoduto estratégico Azeri Baku-Tbilisi-Ceyhan e do Cazaque Caspian Pipeline Consortium, respectivamente, e de seus campos de petróleo associados. Cada conglomerado efetivamente forneceu 8% do petróleo bruto israelense entre outubro de 2023 e julho de 2024, complementado por carregamentos de petróleo de campos brasileiros, nos quais a Petrobras detém as maiores participações, e combustível para jatos militares. O petróleo dessas empresas abastece duas refinarias em Israel."

"Ao fornecer carvão, gás, petróleo e combustível a Israel, empresas estão contribuindo para infraestruturas civis que Israel usa para consolidar a anexação permanente e agora as emprega como armas na destruição da vida palestina em Gaza", diz o relatório. "A mesma infraestrutura que essas empresas abastecem serviu ao exército israelense e a sua obliteração tecnológica e intensiva em energia de Gaza."

Bancos e instituições financeiras internacionais também sustentaram o genocídio por meio da compra de títulos do tesouro israelense.

"Como principal fonte de financiamento para o orçamento do Estado israelense, os títulos do tesouro desempenharam um papel crítico no financiamento do ataque contínuo a Gaza", diz o relatório. "De 2022 a 2024, o orçamento militar israelense cresceu de 4,2% para 8,3% do PIB, levando o déficit público a 6,8%. Israel financiou esse orçamento inflado aumentando a emissão de títulos, incluindo US$ 8 bilhões em março de 2024 e US$ 5 bilhões em fevereiro de 2025, além de emissões no mercado interno de shekel."

O relatório observa que alguns dos maiores bancos do mundo, incluindo BNP Paribas e Barclays, "intervieram para aumentar a confiança do mercado ao subscrever esses títulos, permitindo que Israel contivesse o prêmio de juros, apesar de um rebaixamento de crédito. Gestoras de ativos — incluindo BlackRock (US$ 68 milhões), Vanguard (US$ 546 milhões) e a subsidiária da Allianz, PIMCO (US$ 960 milhões) — estavam entre pelo menos 400 investidores de 36 países que os compraram."

Instituições de caridade religiosas "também se tornaram facilitadoras financeiras chave de projetos ilegais, inclusive nos territórios palestinos ocupados, muitas vezes recebendo deduções fiscais no exterior, apesar das rigorosas regulamentações de caridade", diz o relatório.

"O Fundo Nacional Judaico (KKL-JNF) e suas mais de 20 afiliadas financiam a expansão de colonos e projetos ligados ao exército", afirma. "Desde outubro de 2023, plataformas como Israel Gives permitiram crowdfunding com dedução fiscal em 32 países para unidades militares israelenses e colonos. A estadunidense Christian Friends of Israeli Communities e a holandesa Christians for Israel enviaram mais de US$ 12,25 milhões em 2023 para projetos que apoiam colônias, incluindo alguns que treinam colonos extremistas."

O relatório critica universidades que colaboram com instituições israelenses. Ele observa que laboratórios do MIT "realizam pesquisas de armas e vigilância financiadas pelo Ministério da Defesa de Israel", incluindo "controle de enxames de drones — uma característica marcante do ataque israelense a Gaza desde outubro de 2023 —, algoritmos de perseguição e vigilância submarina."

Você pode assistir à minha entrevista [vídeo em inglês] com estudantes do MIT que expuseram a colaboração entre a universidade e o exército israelense aqui .

O genocídio exige uma vasta rede e bilhões de dólares para se sustentar. Israel não poderia realizar o seu massacre em massa sem esse ecossistema. Essas entidades, que lucram com a violência industrial contra palestinos e o deslocamento em massa, são tão culpadas de genocídio quanto as unidades militares israelenses que dizimam Gaza. Elas também são criminosas de guerra. Elas também devem ser responsabilizadas.

Edição: Plutocracia.com

Chris Hedges é jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prémio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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